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7 AutoData | Julho 2020 * Botão que aciona a sintonia DIAL* DA RÁDIO-PEÃO Era uma vez... e eis que chega o novo executivo chefe da empresa. Sua fama o precedia, já informava a rádio-peão: passagem discreta por duas empresas de segmentos a ns, das quais saíra sem muitas explicações, e a vontade incontida de ser o primeiro CEO gerado pela área de recursos humanos. “Recursos humanos nada: nós somos Gente e Gestão”, anunciou, pimpão, na primeira reunião que armou com os funcionários. No seu primeiro perguntas- e-respostas insistiu representar “a nova empresa” e ser a sua “transparência”. A rádio-peão reagiu como todas as rádios-peão sabem reagir: duvidou e fez pouco. Este é o seu papel, o desse ente incorpóreo que as administrações geralmente não conseguem entender nem lidar muito menos domar. DIAL DA RÁDIO-PEÃO 2 A rádio-peão fez muxôxo para o recém-chegado executivo: o baixo clero achou esquisitíssimo o seu linguajar de auto-ajuda para entusiasmar a galera, nunca vira um colarinho branco gritar uau e bradar é-faca-na-caveira com energia digna do Bope. Por óbvio, sabem alguns, não se deve menosprezar a inteligência do baixo clero com lugares-comuns primários e com promessas de céu azul de brigadeiros e de mar verde de almirantes: “Co’a faca na caveira faremos desta a maior e mais importante empresa do setor”. Todo aquele entusiasmo era gabola e todo o lugar comum miliciano, de faca e caveira, descaradamente irrelevante. Inócuo. E não adianta brandir o livrinho que explicita a política de compliance da companhia, pois a galera despreza políticas que não são aplicadas e cabíveis a todos. DIAL DA RÁDIO-PEÃO 3 Pois havia quem descon asse de tanta animação e o rolar dos meses mostrou o foco da nova administração: preparar a empresa para venda ou incorporação. E o dial da rádio-peão manteve sua audiência campeã pois venda ou incorporação tem outro sinônimo, até jornalistas sabem: demissões. Primeiro poucas por semana, poucos notavam, depois um pouco mais, e a cada dia uma surpresa até que ganhou o porte da rotina. Quem mexe com recursos humanos deveria saber que sua onda pode, com facilidade, transformar-se em tsumani mas o otimismo, como em um palanque suicida, falou mais alto: Gente e Gestão tomou a ofensiva e todas as providências até para participar de concurso de láurea nal que muitas empresas perseguem, que é ser reconhecida como um bom local para se trabalhar – diante das circunstâncias algo como o último baile na ilha Fiscal ou no salão de festas do Titanic. Alguém teve o bom senso de sugerir abandonar o projeto. A credibilidade da nova administração junto aos funcionários passou de nitivamente para a coluna dos dé cits. DIAL DA RÁDIO-PEÃO 4 Esta história, real, ainda não terminou. Não é pior do que muitas outras, muito menos melhor. Implica fazer conscientemente um serviço sujo com pessoas a quem se cobra e se reclama empenho e lealdade, sangue, suor e lágrimas. Implica mentir, iludir pessoas todos os dias e muitas vezes, e implica, também, a possibilidade de ser apanhado co’as calças na mão, de construir má fama pro ssional, de passar vergonha na frente dos outros. Ao longo do tempo o mundo corporativo e os iguais até podem ignorar isso tudo, dar-lhe valor marginal. Mas a rádio-peão! ah, essa não esquece, contem com isso.

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