O ex-Presidente Luís Inácio Lula da Silva prestou depoimento quanto às investigações da Operação Zelotes em Brasília, DF, que investiga possíveis irregularidades na edição de duas Medidas Provisórias ligadas diretamente a incentivos ao setor automotivo. Este ocorreu no dia 6 de janeiro e na sexta-feira, 22, seu teor completo foi divulgado na internet pelo jornal O Estado de S Paulo, que não pormenorizou a forma com que o documento foi obtido – disponível em http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/leia-a-integra-do-depoimento-de-lula-2/.
Resumidamente, em seu depoimento o ex-presidente negou qualquer relação direta, comercial ou de intermediação com Mauro Marcondes Machado, vice-presidente da Anfavea – atualmente afastado do cargo, que ocupava como representante da MMC, a Mitsubishi brasileira – e um dos principais investigados no caso. Ele encontra-se em prisão preventiva, assim como sua esposa, sócia em escritório de consultoria.
Lula afirmou conhecer Mauro Marcondes Machado desde 1975, quando ele estava no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e o dirigente na Volkswagen, e “ao que sabe depois foi para a Scania e depois para a Anfavea”, segundo o texto do depoimento. E que só voltou a ter contato com Machado após assumir a presidência da República.
Em seu depoimento Lula afirmou que nunca recebeu pedidos de Machado com relação às MPs ou soube de qualquer pedido que este tivesse feito a algum representante do governo, e que desconhecia a relação comercial da empresa do vice-presidente da Anfavea com as montadoras MMC e Caoa.
Ao ser perguntado sobre um documento eletrônico encontrado no escritório da consultoria de Mauro Marcondes Machado pela Polícia Federal, segundo o inquérito, a afirmar, segundo o texto, que “a MP foi combinada entre o pessoal da Fiat, o presidente Lula e governador Eduardo Campos”, o ex-presidente afirmou ao delegado que “combinação, neste sentido pejorativo, é coisa de bandido” e que esta não ocorreu.
Mas Lula afirmou ter se reunido com o ex-governador de Pernambuco, Eduardo Campos – morto em acidente de avião em Santos, SP, durante campanha à presidência em 2014 –, e que este teria levado Cledorvino Belini ao encontro para tratar dos benefícios da instalação de uma fábrica da Fiat naquele Estado. Mas o ex-presidente não soube dizer se na ocasião Belini esteve no encontro como representante da Fiat ou da Anfavea. E depois o assunto foi tratado pelos ministérios, afirmou.
Resposta – Procurada pela Agência AutoData a FCA Fiat Chrysler Automobiles afirmou, em nota, que “todas as consultas e tratativas que resultaram na instalação de sua fábrica em Goiana, Pernambuco, foram mantidas direta e abertamente pela empresa, por meio de seus gestores, com os agentes públicos legítimos”. A montadora assegura ainda que “em momento algum contratou banca de advogados, consultorias, lobistas ou outros interpostos, bem como jamais recorreu a políticos e/ou seus representantes para intermediar qualquer conversação ou negociação”, complementando que “a negociação que levou a Fiat a aderir aos termos e condições da MP 512 foi iniciada por meio dos órgãos de desenvolvimento econômico do Estado de Pernambuco e das áreas técnicas dos Ministérios da Fazenda, da Ciência e Tecnologia e de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior”.
O comunicado diz também que “em 2010 a Fiat buscava alternativas para otimização logística e novas oportunidades de negócios, prospectando em diversos Estados brasileiros. Identificamos em Pernambuco um ambiente favorável de negócios, com um processo acelerado de industrialização em curso e a consolidação do Complexo Portuário-Industrial de Suape. Naquele momento a economia e o mercado brasileiro de automóveis estavam aquecidos e as perspectivas futuras pareciam ser de expansão sustentada. A única fábrica da Fiat no Brasil, situada em Betim, Minas Gerais, operava no limite da capacidade produtiva de 800 mil veículos por ano”.
Prossegue a nota: “O governo federal identificou a oportunidade de atrair montadoras de veículos para a região Nordeste de modo a adensar o tecido industrial que se constituía, inclusive no setor automotivo, e renovou através da MP 512 estímulos fiscais que já existiam desde 1997. Paralelamente, o Governo do Estado de Pernambuco oferecia condições estimulantes para a instalação de empreendimentos industriais no Estado. As negociações evoluíram naturalmente, conciliando o interesse do desenvolvimento regional e o interesse da Fiat na diversificação e pulverização dos investimentos pelo risco de sobrecarga na infraestrutura em Minas Gerais e na busca de um modelo logístico que incluísse um porto”.
Histórico – A Fiat anunciou a construção de uma fábrica em área do Porto de Suape no último trimestre de 2010. Nos últimos dias de dezembro realizou cerimônia de assentamento de pedra fundamental na área, evento que contou com a presença de Lula, em seus últimos dias do segundo mandato como presidente da República.
A fabricante pôde aproveitar benefícios fiscais de instalação na região a partir da então recente aquisição da empresa de autopeças TCA, de Jaboatão dos Guararapes, por seu braço Magneti Marelli – a regra vigente exigia que para compartilhar das condições mais favoráveis as montadoras interessadas já deveriam estar presentes na região.
Em agosto de 2011 a Fiat anunciou mudança de local da fábrica, de Suape para Goiana. A unidade foi inaugurada em abril do ano passado, como planta FCA, tendo como seu primeiro produto o Jeep Renegade. O segundo modelo ali produzido, a picape Fiat Toro, será lançada nos próximos dias.