Ainda que por linhas tortas, a indústria automobilista instalada no Brasil está ganhando de presente, neste início de 2016, a chance de se livrar definitivamente de um problema que carrega nas costas há mais de meio século: a nefasta dependência de benesses, incentivos ou medidas protecionistas do Estado.
Em um dos vários livros críticos que escreveu sobre a vida dentro da indústria automobilística Lee Iaccoca, que havia acabado de deixar a presidência da Chrysler nos Estados Unidos, queixou-se de que a luta era desproporcional: as indústrias americanas tinham de ter de advogados o que as japonesas tinham de engenheiros.
No Brasil, desde a origem do setor automotivo, nos anos cinquenta do século passado, o exército dos engenheiros das montadoras perde não só para as fileiras dos advogados mas também, e até principalmente, para a dos homens encarregados das chamadas relações governamentais. Quase todos eles com assento garantido à mão direita do chefe supremo nas mesas de reuniões da diretoria.
É distorção gigantesca. Afinal, conforme afirma Stefan Ketter, novo comandante da FCA na América Latina, na edição de janeiro de AutoData, “os incentivos são ruins porque trazem para o presente uma demanda futura. Não pode ser o caminho único. O caminho é o da excelência, da qualidade e da competividade”.
Trata-se de uma distorção que, no Brasil, nasceu junto com a indústria como forma de tornar viável a produção de veículos no País. Mas que, depois, décadas depois, acabou por se consolidar na época dos governos militares, na qual até para um simples reajuste na tabela de preço dos veículos era preciso o aval de alguém em Brasília.
A distorção continuou a se aprofundar mesmo depois da chamada redemocratização, com governos – que felizmente foram colocados porta afora – que se especializaram em criar dificuldades para literalmente vender facilidades.
Na versão mais moderna desta ‘fábula’, que felizmente também começa a cair por terra, a venda de facilidades está agora diretamente ligada à necessidade de recursos para garantir a eleição de prefeitos, governadores, deputados, senadores e, é claro, principalmente de presidentes e seus ministros. Tudo sempre ‘por uma boa causa’.
Com o passar do tempo, os engenheiros e seus pares foram perdendo cada vez mais espaço nas estruturas corporativas. Afinal, o máximo que conseguiriam era oferecer um centavo a menos no custo de produção deste ou daquele modelo. Coisa irrisória em relação aos milhões que poderiam resultar de um bom e oportuno decreto governamental, seja o federal, os estaduais ou, eventualmente, até municipais.
Neste inicio de 2016, todavia, às voltas com monumental déficit fiscal, o Estado brasileiro, literalmente quebrado, não tem mais como oferecer qualquer trunfo de maior peso a ser levado nas reuniões de diretoria pelos homens até agora ainda sentados à mão direita do chefe supremo.
É a grande oportunidade dos engenheiros e dos homens de vendas e de marketing. Cada centavo economizado na produção volta a ser fundamental. Pode ser a diferença do prejuízo para o lucro.
E cada milímetro a mais de desempenho de cada modelo, se bem aproveitado pelos profissionais de vendas e marketing, volta a fazer toda a diferença na dura disputada por pontos porcentuais de mercado.
Trata-se da grande chance de, ao não ter mais como contar com qualquer tipo de benesses de um ente estranho e distante chamado governo central, o setor automotivo perceba que, na verdade, depende – e sempre dependeu – muito pouco de Brasília. Perceba que se apostar firme na excelência, qualidade e competividade pode muito bem viver por sua própria conta e risco. E viver melhor, sem tantos nefastos picos e vales, quase sempre gerados pela simples e repentina mudança do humor de alguém no chamado Planalto Central.