São Paulo – Não foi o que o presidente da Anfavea, Márcio de Lima Leite, falou com todas as letras durante a abertura do Seminário Revisão das Perspectivas 2022, realizado de forma online pela AutoData Editora até quarta-feira, 6, mas foi como se fez entender. O executivo deixou no ar a possibilidade de a entidade revisar, para baixo, as projeções para este ano devido às persistentes dificuldades de oferta de insumos aliadas aos percalços do cenário macroeconômico brasileiro.
“Ainda não tenho essas simulações: devemos dispor desses números hoje ou amanhã, mas é certo que temos um desafio bastante pesado. A situação em junho tornou-se mais complicada: esperávamos por desempenho melhor, o que de fato não ocorreu.”
A fala evasiva se deve ao fato de que os dados referentes ao mês passado serão divulgados na sexta-feira, 8, durante entrevista coletiva de imprensa da Anfavea. Mesmo assim Leite antecipou, em tom de lamentação: “Pelo que temos visto há uma tendência de comportamento estável com relação ao mês anterior, com queda de 3% ou 4%”.
Por enquanto as projeções oficiais para 2022 são de alta de 8,5% nos emplacamentos, totalizando 2,3 milhões de vendas de 0 KM, e de incremento de 8,5% na produção, alcançando 2 milhões 460 mil veículos.
Leite contextualizou que a situação vivida hoje surgiu como crise de demanda, que logo na sequência, em 2021, passou a crise de oferta e que perdura até agora, e se agravou de janeiro a março, com números aquém do desejado pela Anfavea. “Mas de certa forma estava precificado: nós sabíamos que seria momento difícil de abastecimento”.
Em abril houve melhora ante março e em maio também avançou frente a abril. E segundo o executivo o setor aguardava melhora no fornecimento de chips e outros componentes a partir do segundo semestre, o que não será possível devido à série de fatores que embolaram ainda mais o meio de campo nos últimos quarenta dias, como a continuidade da guerra na Ucrânia, o lockdown na China que gerou congestionamento de proporções gigantescas no porto de Xangai, considerado o mais importante do mundo, e consequente demora na normalização da fabricação e na entrega de semicondutores.
“Isto tudo trouxe impacto bastante significativo para as nossas fábricas. Temos hoje problema de oferta que só não se refletiu tanto nos números porque havia vários veículos em produção, semiacabados, e alguns desses puderam ser finalizados e emplacados ainda em junho.”
Leite disse acreditar, contudo, em tendência de recuperação, “sem qualquer otimismo nem pessimismo, mas com olhar de realismo”. Mesmo ponderando que em agosto as fábricas brasileiras devem receber mais peças porque as montadoras, em tese, entrarão em férias no Hemisfério Norte, reconheceu que a situação está longe de se estabilizar, o que só deverá acontecer no segundo semestre de 2023, ano que ainda terá cenário bastante conturbado.
Demanda – Embora a oferta esteja passando por maus bocados a demanda também tem dias difíceis a serem solucionados, pois o contexto macroeconômico composto por juros crescentes, inflação nas alturas, ano eleitoral, projeção de PIB com crescimento ridículo não ajuda na hora da compra de um veículo novo para chamar de seu.
O presidente da Anfavea citou que o período é marcado por maior restrição ao crédito, com média de cinco aprovações a cada dez propostas, enquanto que anteriormente até sete fichas eram aceitas pelas instituições financeiras. Adicionalmente há exigência de maior porcentual na entrada e menor prazo de financiamento.
“Essa combinação terá reflexo dramático na demanda, tanto que temos visto forte migração para motocicletas e para veículos usados acima de nove anos. Por um lado é bom porque se cria uma necessidade por meios de locomoção mas, por outro, há aumento de carros mais velhos e inseguros em circulação. Temos o desafio de trazer esse consumidor para o nosso mercado.”
Márcio de Lima Leite
De acordo com Leite para cada carro novo vendido hoje se tem a comercialização de seis usados, enquanto que, antes dessa crise, a relação era de um para quatro.
E mesmo quando se fala em um cliente pessoa jurídica, caso das locadoras, que requerem 0 KM, há uma defasagem significativa no tempo de renovação da frota. Os veículos têm, hoje, idade média de 13 meses enquanto que, antes, era de 7 a 8 oito meses: “O envelhecimento da frota é muito preocupante. E também um percalço no avanço rumo à descarbonização. Há necessidade urgente de renovação”.
A perspectiva da entidade é a de que o segmento de vendas diretas represente 600 mil emplacamentos, sendo 400 mil para renovar a frota e 200 mil para incrementá-la: “Trata-se de número bastante expressivo e maior do que a frota de alguns países.”
Quando o assunto é comércio exterior a manutenção do crescimento do volume de vendas também está ameaçado. A projeção, até o momento, é de embarcar 390 mil unidades, alta de 3,6%. Só que o próprio executivo reconheceu que este é um desafio a médio prazo:
“Começamos a perceber uma invasão chinesa no nosso quintal. Mercados relevantes para o Brasil, como Chile, Equador, Colômbia e mesmo a Argentina têm ampliado compras de veículos chineses, o que é notado principalmente com relação aos pesados”.