São Paulo – O balanço da primeira das três etapas do programa Rota 2030, encerrada em outubro, revela que todos os fabricantes de veículos atuantes no País conseguiram atingir a meta de eficiência energética exigida. No entanto, de acordo com levantamento da Bright Consulting, o desempenho das marcas não foi homogêneo, pois algumas empresas tiveram de acelerar o processo de lançamentos de modelos mais eficientes à medida que o fim do prazo de homologação se aproximava.
Dentro do portfólio de cada fabricante os automóveis mais eficientes compensam o desempenho dos modelos que consomem e emitem mais. Assim, no balanço geral, a média geral melhora.
“Todas as montadoras atingiram o alvo em termos de eficiência energética, mas algumas ficaram bastante na risca”, revela o consultor Murilo Briganti, da Bright. De acordo com ele dentre as marcas que atingiram os novos padrões de eficiência energética “no limite” estão Citroën, Peugeot e Renault. Além desta trinca, segundo o especialista, marcas como Kia e Caoa Chery tiveram de “fazer evolução maior nos meses de agosto e setembro” – não por acaso no últimos meses ambas aumentaram substancialmente a presença de carros híbridos e elétricos na linha de produtos vendida no País.
DESCONTOS NO IPI
Por outro lado algumas fabricantes superaram os novos patamares com folga, especialmente as que atuam no segmento premium: “Audi, Porsche, Toyota e BMW já haviam feito trabalho de eletrificação e passaram com folga. Volvo, então, nem se fala”, diz Briganti, referindo-se à decisão da Volvo de oferecer apenas modelos eletrificados, híbridos ou elétricos, no País.
Com isso estas empresas conquistaram o direito de pedir antecipação no desconto de IPI, bonificação prevista no decreto 9 557, de 8 de novembro de 2018, que instituiu o Rota 2030. O programa prevê bônus de 1 ponto porcentual no IPI para fabricantes que superem a meta de eficiência energética em 5,5%, incentivo que sobe para 2 pontos para as que ultrapassem o alvo em 10,5%.
Porsche, Volvo, BMW e JAC, todas com ampla oferta de elétricos no portfólio, alcançaram o maior patamar de eficiência e solicitaram o direito à antecipação do desconto de 2 pontos no imposto. Toyota, Fiat, Jeep e Jaguar Land Rover se credenciaram à redução de 1 ponto, por baterem a meta em 5,5% ou mais além do limite mínimo.
Na tabela as empresas são listadas na forma como elas se habilitaram ao programa. Por isto Fiat e Jeep ainda aparecem como FCA, enquanto Citroën e Peugeot figuram como PSA, porque o Rota 2030 é anterior à criação do Grupo Stellantis, conglomerado que uniu as duas empresas a partir de janeiro de 2021. Mas a fusão já está ajudando as marcas francesas a cumprir metas pois ambas lançaram versões do 208 e do novo C3 equipadas com o econômico motor tricilíndrico 1.0 utilizado inicialmente pela Fiat e produzido em Betim, MG.
Apesar de o Rota 2030 ter sido instituído no fim de 2018 suas medições só começaram a ser feitas em outubro do ano passado. Nessa primeira fase do programa a meta era melhorar em 11%, no mínimo, a eficiência energética dos veículos. Para modelos leves o objetivo previa reduzir de 1,82 mJ/km, megajoule por quilômetro, para 1,62 mJ/km o consumo energético, considerando um veículo com massa de até 1 mil 121 quilos, peso aproximado de um hatch compacto. De acordo com Briganti, na média, a indústria chegou a 1,59 mJ/km, resultando em uma evolução de 12,7%, acima da meta mínima, portanto.
Para atingir este nível os fabricantes procuraram aperfeiçoar tecnicamente os carros já em produção ou lançaram modelos mais eficientes em termos de aproveitamento de energia. Isso explica a recente chegada de vários automóveis eletrificados, híbridos e elétricos, uma corrida verificada especialmente no segundo semestre de 2022.
SALTO TECNOLÓGICO
O balanço da Bright mostra que de 2018, após o término da vigência do Inovar-Auto, até este ano houve um grande salto tecnológico voltado para a eficiência energética nos carros vendidos no Brasil. O turbocompressor, que equipava 17,3% dos veículos novos em 2018, atualmente está em 43,4% deles. No mesmo período o sistema start-stop, que desliga o motor nas paradas do trânsito para economizar combustível, saltou de 15,2% para 24,3% dos automóveis. Modelos híbridos, que representavam 0,1% há quatro anos, hoje já são 1,4% das vendas.
Briganti ressalta que o crescimento dos híbridos foi impulsionado por marcas como Toyota e Lexus. E que a tecnologia híbrida leve, com circuito de 48 V, está deixando de ser tecnologia de nicho, de modelos Audi ou Mercedes-Benz, por exemplo, para se espalhar atualmente por fabricantes como Caoa Chery, Kia, Subaru e Jaguar Land Rover. O consultor também prevê que o sistema em breve chegará às Big 3, Fiat, Volkswagen e General Motors.
O especialista da Bright lembra que o Programa Rota 2030 estabelece um fator de ponderação, dependendo da tecnologia adotada. De acordo com Briganti a ABNT, Associação Brasileira de Normas Técnicas, pode qualificar um automóvel híbrido leve como híbrido convencional, que combina motores a combustão e elétrico, desde que ele comprove ser pelo menos 2% mais eficiente do que o mesmo veículo equipado apenas com motor a combustão.
Graças a este requisito Briganti esclarece que algumas empresas fabricantes, incluindo Jaguar Land Rover, Mercedes e Subaru, conseguem enquadrar seus híbridos leves de 48 V como híbridos convencionais e assim melhoram a eficiência geral da marca: “Funciona como um multiplicador. É como se você vendesse mais daquele carro”.
CORRIDA PARA A ELETRIFICAÇÃO
Uma das marcas que investiram fortemente em eletrificação foi a Caoa Chery. A empresa trouxe da China o subcompacto elétrico iCar e lançou uma ofensiva de modelos híbridos. Só do iCar foram vendidas 769 unidades de junho a outubro, 596 unidades apenas em setembro. Briganti aponta que trata-se de um número expressivo, principalmente levando-se em consideração o volume total de vendas da marca: cerca de 30 mil unidades em dez meses até outubro.
Além do subcompacto elétrico a Caoa Chery investiu na hibridização da linha de SUVs Tiggo e no sedã Arrizo 6. Enquanto os SUVs Tiggo 5X e Tiggo 7 e o sedã Arrizo 6 receberam tecnologia híbrida leve, que combina motor flex e sistema elétrico de 48 V, o Tiggo 8 veio com sistema híbrido plug-in, com mais autonomia em tração puramente elétrica e possibilidade de recarregar as baterias na tomada. Tiggo 5X e 7 são produzidos em Anápolis, GO, enquanto o Tiggo 8 e o Arrizo 6 são importados da China.
Ainda com relação ao Tiggo 8 a versão híbrida plug-in registrou praticamente o dobro de vendas com relação ao modelo com motor a combustão nos últimos dois meses: em setembro e outubro, enquanto o modelo convencional teve 876 unidades emplacadas, o híbrido computou 1 mil 695.
Briganti destaca que a Kia também “deu um salto” em termos de eficiência energética graças especialmente ao recém-chegado Niro, SUV híbrido que demonstrou eficiência energética “espantosa”, segundo o consultor: “Eu estava esperando eficiência em torno de 1,25 mJ/km e o Niro veio com 1,1 mJ/km”. Com o resultado a importadora excedeu “com folga” a meta do Rota 2030, “o que é considerável para uma marca que há um ou dois meses não estava batendo a meta”. A Kia contou também com o Stonic, outro SUV híbrido leve, para atingir a meta.
A Renault, que já oferecia o elétrico Zoe, acelerou a participação na categoria com os lançamentos do Kwid e do Kangoo elétricos. Além disto promoveu downsizing, redução de cilindrada aliada à melhoria de eficiência, na linha Captur, Duster e Oroch, que adotaram propulsor 1.3 turbo.
No caso de Peugeot e Citroën Briganti destaca que trouxeram veículos comerciais elétricos na reta final da primeira fase do programa, caso do Citroën Ë-Jumpy e do Peugeot e-Expert. Quanto ao Peugeot 208 elétrico o consultor avalia que o modelo acabou vendendo muito pouco comparado aos concorrentes.
Nos carros de entrada Briganti pondera que eles normalmente já têm boa eficiência energética, devido à baixa potência, cilindrada e peso menores, e pontua: “Estamos falando de carros que fazem 14 km/l, 15 km/l”. Para melhorar a participação deles na média geral de eficiência de cada marca o consultor diz que as montadoras aplicam descontos maiores para que este vendam mais e compensem a venda de carros “mais beberrões”, que têm baixa eficiência energética e podem comprometer a eficiência geral da fabricante.
Briganti diz que no caso da Volkswagen até abril a marca estava “bastante distante” de atingir a meta: “Pelo alto volume de vendas é difícil reduzir a distância para o alvo”. Mas resgata os trabalhos realizados na linha Gol, Voyage e Saveiro, melhorando a eficiência energética e aumentando a massa: “Aí conseguiram acelerar e atingir a meta”.
MAIS MOTORES 3-CILINDROS
Para atender à fase L7 do Proconve – legislação brasileira de emissões para veículos leves que entrou em vigor no início do ano – desde fevereiro Gol e Voyage passaram a ser equipados unicamente com motor 1.0 aspirado de três cilindros e até 84 cv, acoplado a câmbio manual. Motores 3-cilindros, a propósito, foram uma forte tendência. Segundo Briganti, se em 2018 eles representavam cerca de 24% das vendas, na fase final da primeira etapa do Rota 2030 eles já estavam em 45%. Na direção contrária a participação de motores de quatro cilindros caiu de 75,4% há quatro anos para 59,1% agora.
Como resultado deste movimento Briganti informa que 48% dos veículos obtiveram o benefício de redução de IPI. Destes 25% conseguiram 1 ponto porcentual de desconto enquanto 23% garantiram 2 pontos.
O Rota 2030 divide os automóveis em três faixas. A primeira é formada por veículos de passeio leves. A segunda por SUVs e crossovers, que tenham área projetada superior a 8 m2. É o caso de modelos como Kia Sportage e Chevrolet Equinox, por exemplo. Já na terceira categoria estão modelos maiores, caso de picapes médias e utilitários 4×4, por exemplo.
SEGURANÇA TAMBÉM EVOLUI
A principal diferença do Inovar-Auto, que vigorou de 2013 a 2017, e o Rota 2030 é que, além de estabelecer metas de eficiência energética, o programa atual prevê também aperfeiçoamento da segurança veicular, com adoção gradual e obrigatória de sistemas. A cada ano os automóveis devem receber equipamentos destinados a melhorar o desempenho estrutural, além de tecnologias voltadas à assistência aos motoristas. De acordo com Murilo Briganti também neste quesito todas as montadoras atingiram os níveis estabelecidos, a serem alcançados por marca e não por veículo.
Para este ano as montadoras deveriam equipar seus carros com pelo menos 65% dos itens previstos em uma lista definida como Grupo A, composta por sete requisitos, como controle de estabilidade ESC, que saltou de 40,7% em 2018 para 83,1% de participação nos carros vendidos em 2022, alta de mais de 100%. Os faróis de rodagem diurna DLR também tiveram evolução superior a 100% no período, indo de 28,4% para 66,7%, segundo estudo da Bright. O aviso de cintos de segurança não afivelados, que já equipavam 92,7% dos automóveis em 2018, agora estão em 100%.
O programa prevê que a meta de adoção de sistemas de segurança deve subir para 75% em 2023, 80% em 2024, 85% em 2025 e 90% em 2026. Veículos equipados com 100% dos itens do Grupo A e ao menos seis do Grupo B ou C poderão obter 1 ponto porcentual de redução no IPI, desde que atinjam a meta de eficiência energética.
Briganti diz que alguns itens não representarão dificuldade para as montadoras. É o caso, por exemplo, do próprio ESC, que já superou a marca de 80% este ano e deverá atingir 100% em 2024, quando será item obrigatório por lei. Por outro lado ele vislumbra possível atraso com relação a equipamentos como câmara de ré e sensores de estacionamento. Esses sistemas representavam 38,9% em 2018 e atualmente estão em 57% dos carros.
ASSISTÊNCIA À CONDUÇÃO
O consultor vê como tendência automóveis equipados com o pacote conhecido como ADAS, sigla em inglês para sistemas avançados de assistência ao motorista. As tecnologias capazes de manter o veículo na faixa corrigindo o volante, frear automaticamente em caso de emergência, detectar veículos no ponto cego do retrovisor e manter distância automática do carro da frente, dentre outros atributos, já estão em modelos nacionais da Jeep, Toyota e Honda, por exemplo.
Todos esses sistemas fazem parte do Grupo C do programa Rota 2030, e, a exemplo do Grupo B, ainda não têm data para entrar em vigor. Mesmo assim o sistema de frenagem automática para pedestres e ciclistas, que estava em 1% dos automóveis em 2018, já equipa 26,2% da frota este ano.
O consultor acredita que os próximos passos da indústria em termos de tecnologia voltada à segurança passem pela substituição de dispositivos passivos, que sinalizam mas não atuam na correção, por tecnologias mais ativas, como ocorre nos Estados Unidos. Assim ele prevê menor utilização de sistemas como monitoramento de pressão de pneus e o aumento no uso de sistemas como stop-start.
LIMITES MUITO BRANDOS?
Levando em consideração a facilidade com que muitas montadoras atingiram os limites desta primeira fase Briganti pondera que talvez seja o caso de rever os incentivos: “A nosso ver os benefícios estão muito altos. Eles devem funcionar como estímulo, mas, se uma parcela tão grande está conseguindo chegar a eles, talvez seja porque o alvo estava brando. Então o que a gente propõe é uma redução talvez para a metade desses benefícios”.
De acordo com uma fonte da Anfavea, a associação que reúne os fabricantes de veículos no País, governo, montadoras e Sindipeças estão em processo de “ajuste fino” para a definição das novas metas de eficiência energética da próxima fase do Rota 2030, que vai até 2027. Briganti diz que o anúncio era esperado para o fim deste ano, porém devido ao atual momento político de troca de governo a decisão pode atrasar.
O consultor também não vê o veículo elétrico puro como uma boa solução para o Brasil a curto prazo: “Em nossa visão o futuro não será exclusivamente elétrico, mas sim eclético”, diz. Para Briganti, a fim de a cadeia produtiva conseguir acompanhar a evolução, o processo de transição deveria passar pelo híbrido leve e depois pelo híbrido, até chegar ao 100% elétrico.
“Há diversas questões, econômicas e sociais, que talvez barrariam o desenvolvimento da indústria se a opção fosse [exclusivamente] pelo carro elétrico”, afirma, acrescentando que o volume de produção seria um dos entraves, devido ao custo de produção do elétrico: “Para aumentar volume e sair dos 2 milhões de unidades/ano, em que patinamos faz tempo, o caminho é a eletrificação, e não elétrico puro”.