Fábrica de Goiana adotará plataforma com alternativas de eletrificação
Goiana, PE – A Jeep e a fábrica do Grupo Stellantis em Pernambuco completaram, no fim de abril, dez anos de operação com a produção de quase 1,3 milhão de unidades dos SUVs Renegade [660 mil], Compass [545 mil] e Commander [75 mil], pouco mais de 1 milhão deles vendidos no Brasil. Após o sucesso industrial e comercial da marca aqui um novo horizonte começa a ser desenhado com a adoção, no curto prazo, de uma plataforma com alternativas de propulsão eletrificada.
Não será tarefa fácil substituir a atual e bem-sucedida plataforma Small Wide, que além dos três SUVs Jeep também trouxe à vida as picapes Fiat Toro e Ram Rampage, que ao lado do Commander foram desenvolvidos no Brasil com carrocerias e powertrain próprios. Portanto esta base é parte indissociável da alta produtividade da planta de Goiana, PE, que há anos seguidos trabalha em três turnos no topo de sua capacidade produtiva anual, estendida a 280 mil unidades em anos recentes.
A questão é que, no Exterior, a Small Wide está sendo substituída pela mais mderna STLA Medium, que conta com mais tecnologia e opções de eletrificação, como é o caso do recém-lançado na Europa novo Compass, produzido em Melfi, Itália, em três versões eletrificadas: 100% elétrico 4×4 de 213 cv a 375 cv, híbrido leve com bateria de 48 V e motor de 145 cv e híbrido plug-in de 195 cv.
Família nacional eletrificada e aumentada
Emanuele Cappellano, presidente da Stellantis América do Sul, evita confirmar o que será feito exatamente no Brasil, se a Small Wide será substituída pela STLA Medium ou se ambas conviverão na mesma linha de produção, o que pode prejudicar a produtividade. Mas ele dá uma pista: “Nossa engenharia já está trabalhando fortemente neste tema. O objetivo é preservar nossos ganhos de escala e, ao mesmo tempo, adotar novas tecnologias de eletrificação nos carros que produzimos em Goiana”.
De concreto até o momento existem R$ 13 bilhões em investimentos confirmados que serão destinados à fábrica de Goiana de 2025 a 2030, parte significativa do ciclo de R$ 30 bilhões anunciado pela Stellantis para suas operações no País até o fim desta década. No ano passado, ao anunciar o aporte, Cappellano disse que os recursos são destinados à modernização de linhas de produção e novos modelos a serem produzidos.
A família brasileira da Jeep deverá crescer em breve quando for confirmada a já esperada produção do Avenger, programado para ser o modelo de entrada da marca. Contudo, como o SUV compacto já é produzido sobre outra plataforma, a CMP herdada da PSA, todos os indícios apontam que a produção não será em Goiana e sim na fábrica de Porto Real, RJ, onde já são produzidos três Citroën sobre a mesma CMP. É aguardada para breve a confirmação da fabricação nacional do Avenger.
Pontapé da Jeep em Goiana
A Jeep foi a marca escolhida pela então FCA, Fiat Chrysler Automobiles, para inaugurar e nortear as operações da fábrica de Pernambuco sobre a plataforma Small Wide, tanto que a operação nasceu, em abril de 2015, com o nome de Polo Automotivo Jeep, e o primeiro modelo produzido foi o Renegade.
A partir de 2021 a operação foi renomeada como Polo Automotivo Stellantis de Goiana, logo após a fusão da FCA com a PSA que deu origem ao novo grupo empresarial. Mas o que nunca mudou é que, desde a inauguração, todos os veículos produzidos lá, inclusive os das outras duas marcas além da Jeep, compartilham a mesma plataforma, com os mesmos motores e caixas de câmbio, só alternando o tipo de carroceria.
Assim a Jeep puxou a produção de modelos tecnologicamente avançados – mais do que a média nacional – em um dos mais modernos e produtivos complexos industriais do mundo, atraído por benefícios fiscais a uma nova fronteira industrial do País, como atesta Cappellano: “Somos o único polo automotivo do Nordeste, o que significa desenvolvimento e empregos na região, mas que também movimenta insumos e tecnologia em todo o Brasil”.
A fábrica emprega 5,5 mil pessoas e mais de 8 mil trabalham no polo para dezoito fornecedores instalados bem ao lado, mas também existem quarenta empresas em Pernambuco fornecendo componentes. Segundo Cappellano, a depender do modelo, de 30% a 35% das compras são feitas no próprio Estado, outros 35% a 40% são de empresas localizadas no Sudeste, principalmente Minas Gerais e São Paulo, e o restante são itens importados.
Coincidência histórica
A história da Jeep em Pernambuco começou muitos anos antes e, em uma peculiar coincidência histórica, foi este passado que pavimentou a instalação da fábrica de Goiana.
A Willys Overland começou a produzir os utilitários Jeep no Brasil em 1954 e, em 1966, instalou uma linha de montagem adicional em Jaboatão dos Guararapes, cidade vizinha à Capital, Recife. A produção seguiu até 1983 e depois a pequena planta foi utilizada por algumas empresas, a última delas a fabricante de chicotes automotivos TCA, de origem argentina, que no fim dos anos 1990 ganhou incentivos do Regime Automotivo do Nordeste. Em 2009 o Grupo Fiat comprou a unidade para herdar estes benefícios e construir uma fábrica de carros no Estado, o que foi autorizado por um decreto presidencial no apagar das luzes de 2010. Até hoje a TCA funciona no mesmo local como subsidiária do grupo e produz chicotes para Goiana.
Àquela altura, no mesmo 2010, o então Grupo Fiat já havia comprado e salvo da falência o Grupo Chrysler, do qual a Jeep era uma das marcas, dando origem à criação da FCA. Houve então a decisão de construir a fábrica de Goiana para fazer modelos Jeep – mais caros e, portanto, mais beneficiados pelos incentivos tributários do Regime do Nordeste que vigora até hoje e foi estendido até 2032.
Foi dessa forma que a antiga e mirrada linha de produção da Jeep em Pernambuco tornou viável o investimento em uma das maiores fábricas do País.
Na crista da onda SUV
Mais do que introduzir uma nova fabricante de veículos no País a Jeep fez crescer – e muito – a onda de SUVs que hoje domina cerca de metade das vendas de automóveis no mercado brasileiro.
Focada 100% na produção de SUVs com grandes capacidades off-road a Jeep foi responsável por cerca de 30% do crescimento deste segmento no Brasil, aponta Hugo Domingues, vice-presidente da Stellantis responsável pela marca na América do Sul: “Há dez anos apenas SUVs simples eram produzidos no País [como Ford EcoSport e Renault Duster], e os mais sofisticados eram todos importados com preços inacessíveis. Existiam poucos modelos e pouca competição neste nicho. Isto até que o meteoro Jeep caiu em Pernambuco e tornou-se uma opção viável”.
Não só viável como também mais disponível, com três modelos nacionais e três importados à venda em 240 concessionárias espalhadas em quase todos os estados brasileiros, em uma sinergia de distribuição, pois boa parte da rede é formada por grupos que também são distribuidores oficiais de outras marcas do Grupo Stellantis.
Com mais de 95% de suas vendas no País lastreadas nos três modelos produzidos em Goiana, que trafegam na faixa de preços que começam em R$ 120 mil, o Renegade mais simples, e passa dos R$ 335 mil no caso do Commander topo de linha, mesmo com valores altos a Jeep é hoje a sétima marca de veículo mais vendida no Brasil e a única que já vendeu mais de 1 milhão de SUVs por aqui. Em anos recentes não era raro encontrar Renegade e Compass na lista dos dez carros mais emplacados do País.
Com o lançamento do compacto Renegade em 2015, seguido pelo médio Compass lançado em 2016 com inovações ainda pouco comuns no Brasil, como os sistemas eletrônicos de assistência ao motorista, até o sofisticado Commander de grande porte em 2021 – primeiro Jeep desenvolvido fora dos Estados Unidos – a marca conseguiu cobrir com sucesso todas as categorias de SUVs no mercado brasileiro usando uma só plataforma, aproveitando evidentes ganhos de escala.
São todos carros que mudaram pouco na aparência nos últimos anos mas que conservam bom desempenho comercial respaldado pela aura de marca aspiracional da Jeep, que há dez anos ganhou sua bem-sucedida porção brasileira.