A economia nacional começa 2017 num ritmo bem diferente do que era projetado há apenas três ou quatro meses. Bem mais lento e, a rigor, um tanto quanto frustrante.
O primeiro Relatório Focus do Banco Central deste ano, divulgado na segunda-feira, 2, por exemplo, cravou projeção de crescimento do PIB de apenas 0,5% em 2017.
Não deixa de ser um alento que a projeção continue com sinal positivo, frente a queda da ordem de 3,5% registrada no ano passado. Todavia, a curva de tendência das projeções é reveladora no que diz respeito a rápida mudança do humor da economia nacional: o índice atual é praticamente a metade do 0,98% projetado há apenas quatro semanas e não mais que um terço da projeção que aparecia no mesmo relatório há menos de 120 dias.
No âmbito específico do setor automotivo, ainda que as duas principais entidades ligadas ao setor, Anfavea e Fenabrave, tenham preferido manter nesta semana, ao menos formalmente, as projeções feitas para este ano, nos bastidores é cada vez mais raro encontrar quem ainda aposte em crescimento na margem de um dígito alto ou, eventualmente, de até dois dígitos em 2017, sobretudo na área de veículos comerciais.
É certo que, ao menos em parte, tal declínio das expectativas encontra suas raízes no acirramento do nó político que resultou dos novos meandros trilhados pela operação Lava Jato após o vazamento do conteúdo da delação premiada de executivos da Construtora Odebrecht.
Mas entre as principais causas da mudança há pelo menos um fator de natureza basicamente econômica. E bem concreto. Desde o início de dezembro do ano passado ganha corpo entre os especialistas a interpretação de que o estado de letargia na qual se encontra a economia nacional decorre não apenas da insegurança dos agentes em relação ao futuro, tal como se considerava em meados de 2016, no período imediatamente posterior ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
Resulta também – sobretudo – do elevado padrão de endividamento muito acima do administrável de todos os elos que teriam o poder de colocar a roda das atividades produtivas novamente em movimento: consumidores, empresas, municípios, estados e até a União.
Levantamento divulgado pela gestora de recursos Rio Bravo mostrou, conforme matéria de autoria da jornalista Alexa Salomão, publicada na edição do dia 16 de dezembro pelo jornal O Estado de S. Paulo, que nos doze meses anteriores nada menos que R$ 1 trilhão deixou de circular na economia brasileira.
Este gigantesco valor corresponde aos créditos bancários que foram pagos pelos devedores e que não retornaram ao mercado na forma de novos empréstimos. Isto, segundo cálculos especificados na matéria, “significa uma queda de 25% em relação ao que deveria estar circulando se a economia estivesse operando em níveis normais. O volume de crédito bancário que gira na economia hoje é equivalente ao disponível em 2012”.
Na prática isto significa que, embora os índices de confiança dos consumidores e empresários tenham apresentado algum aumento no segundo semestre do ano passado, na vida real os bancos estão com dificuldades para encontrar tomadores que passem por seu crivo cada vez mais seletivo e carregado de exigências das chamadas garantias reais que bem poucas empresas e/ou consumidores tem condições de oferecer.
E as empresas e as famílias, de outro lado, pressionadas por taxas de juros que a cada mês sobem não apenas um degrau, mas uma escada inteira, estão tratando de colocar a rápida redução do endividamento como prioridade máxima. Em muitos casos como única alternativa para ao menos tentar garantir a sobrevivência.
Neste contexto, tanto a retomada dos investimentos pelas empresas quanto o consumo de qualquer tipo de bem por parte das famílias, ficam, ambos, automaticamente colocados em segundo plano.
A prioridade de todos é reduzir o endividamento. Ainda mais quando esteja vinculado ao cheque especial ou cartões de crédito, cujas taxas de juros já se aproximam da faixa de inacreditáveis 500% (quinhentos por cento!!!!) ao ano. Caso único no mundo.
No caso das empresas o quadro não é muito diferente. E até ainda mais duro e sem alternativas. Qualquer renegociação com os bancos, os estatais incluídos, só pode ser conseguida hoje caso se aceite trocar a taxa do contrato original pela atual, quase sempre de três a quatro vezes maior.
Nem é preciso ser economista para projetar o resultado de tal quadro: a economia está a cada dia mais parada e o governo passa a sofrer as consequências diretas da situação na medida em que neste nada agradável mundo real, os impostos, até por falta de alternativa, são colocados no finalzinho da fila de prioridades. Bem depois dos salários, dos fornecedores fundamentais e das dívidas bancárias.
Só quando sobra alguma coisa no caixa é que os impostos são pagos. E como é cada vez mais raro sobrar alguma coisa no caixa…
Neste contexto as recentes iniciativas do governo federal de liberar a utilização de parte dos recursos retidos no FGTS, como também abrir novas linhas oficiais crédito para micro e pequenas empresas podem, de fato, ser um primeiro passo para começar a colocar a casa em ordem, afinal, cria oportunidade para famílias e empresas se livrarem das dívidas e das atuais taxas de juros com as quais nenhuma atividade produtiva, por mais rentável que seja, tem condições de arcar. Sem este primeiro passo não há, hoje, a rigor, qualquer possibilidade de reativar o consumo.
É por esta boa razão, por sinal, que a proposta da atual bancada da oposição, de repetir a receita do passado de ativar a demanda doméstica por meio do aumento irrestrito da oferta de crédito, tem, desta vez, bem poucas possibilidades de sucesso. O crédito hoje já está disponível em larga escala. O que não se encontra são tomadores em condições e com disposição para tomá-lo.
De qualquer forma, para as montadoras, em particular, vale destacar, isto tudo pode acabar representando uma rara oportunidade. Em todo o Brasil há, hoje, certamente, alguns milhares de consumidores que gostariam de trocar o carro usado por um zero quilometro, mas que estão sendo obrigados a priorizar o pagamento de dívidas para se livrar das abusivas taxas de juros dos cheques especiais e dos cartões de crédito.
Que tal, então, juntar o útil ao agradável e abrir o caminho para unir estes dois desejos dos consumidores por meio de uma troca com troco milimetricamente planejada para atender às necessidades de ambas as partes, clientes e fabricantes de veículos.
Com a palavra, a calculadora dos diretores financeiros das montadoras. Os prêmios para quem primeiro decifrar este desafiante enigma matemático e financeiro, são tentadores: pátios mais equilibrados e, principalmente, bons e merecidos pontos de participação no mercado.