No período compreendido de 1930 até o fim da década de 1980 nosso País deu grande salto rumo à industrialização por meio do direcionamento de ações diversas de estímulo à formação de um sólido setor industrial. Foi a era da substituição das importações. De fato a indústria, que representava 11% do PIB em 1915, chegou a quase 30% da produção nacional em 1985. O setor automobilístico local foi parte importante nesse desempenho a partir do Plano de Metas do presidente Juscelino Kubitscheck.
As dificuldades geradas pelas crises de petróleo nos anos 1970 e pela escassez de recursos externos para financiar os ambiciosos projetos de investimento e crescimento, e ainda os descontroles dos gastos públicos, nos levaram a uma grave crise na economia com quadro de hiperinflação.
No início do governo daquele presidente que renunciou antes de receber voto de impeachment havia o consenso de que nosso País precisava iniciar um processo de abertura para o mundo e então as barreiras alfandegárias e ainda os impostos de importação foram diminuídos, além de amenizado o controle no fluxo de capitais. Em paralelo a China começa a despontar como grande nação manufatureira, num primeiro momento devido aos baixos custos da mão de obra.
Desde então a abertura econômica, a concorrência de itens importados vindos da Ásia e mesmo do Leste Europeu, a relativa livre flutuação da taxa de câmbio, a falta de uma política industrial com visão de longo prazo e a elevação do custo para fazer negócios no Brasil têm afetado dramaticamente a indústria nacional, que hoje representa não mais do que 13% do PIB. Está certo que nas economias desenvolvidas há de fato um papel menos relevante da indústria na produção nacional, com preponderância dos serviços, e esse seria um caminho natural no Brasil, porém a queda tem sido muito superior ao desejável.
É bom lembrar que justamente no setor industrial encontramos mão de obra qualificada e, em geral, a renda média do trabalhador do segmento é mais elevada, tornando o ônus social do não crescimento ou da diminuição da oferta de trabalho na indústria muito mais grave.
Em função do momento complicado vivido nos diversos segmentos da indústria o governo tem buscado, até com o apoio de setores da indústria, saídas para reverter o quadro amplamente desfavorável. Aqui observamos a imposição, cada vez mais frequente, de conteúdo local na produção de itens no Brasil. Resta saber se esse é um caminho viável.
O segmento de Óleo & Gás é um exemplo. As dificuldades enfrentadas pela maior empresa instalada no Brasil – a Petrobrás – ,decorrentes dos problemas de gestão e governança amplamente divulgados, e os desafios que a empresa tem à frente para investir tanto na descoberta de novas áreas de extração e em sua exploração como ainda no refino do petróleo, colocou em discussão o modelo desenhado pelo governo sobre as exigências de conteúdo local na aquisição de bens. Faria sentido impor aos fornecedores que uma parcela significativa dos equipamentos e máquinas seja de produção local? Esse procedimento não tornaria mais oneroso o investimento? E como medir o conteúdo local? Estaria a indústria local preparada para fornecer a tecnologia exigida? Caso uma empresa estrangeira, detentora da tecnologia, viesse a se estabelecer aqui visando a atender à imposição do conteúdo local teria apetite para tanto? Se sim os custos seriam competitivos com relação a material que poderia ser adquirido fora do Brasil?
A discussão é também aplicável ao setor automotivo, certo?
No fim de 2012, com o claro objetivo de estancar o crescimento acelerado na importação de veículos, o governo impôs adicionais 30 pontos porcentuais à alíquota do IPI então existente. Essa iniciativa criou grande desconforto na comunidade internacional, o que se procurou diminuir com a divulgação, em outubro, do Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica e Adensamento da Cadeia Produtiva de Veículos Automotores, que todos nós conhecemos como Inovar Auto. A proposta visava a atingir objetivos nobres, eu diria, combinando
a) veículos mais modernos e seguros à disposição dos brasileiros;
b) exigência de mais investimentos na indústria;
c) fortalecimento da cadeia de fornecedores com a oferta de mais oportunidades de negócios; e
d) salto de capacitação na mão de obra da indústria.
Tudo isso estaria, certamente, gerando mais emprego e renda. De sobra o mal estar causado com a elevação do imposto sobre bens importados seria dissipado. Tudo de bom, não é mesmo?
Qual é a realidade da indústria automotiva no Brasil? Em que estágio de desenvolvimento nós estamos? Eu me refiro não só do ponto de vista da tecnologia mas, também, da produtividade no chão de fábrica, da gestão profissional nas empresas, do acesso a fontes de financiamento com juros razoáveis, da escala, ou tamanho, do mercado e, finalmente, do custo de se fazer negócios no Brasil.
Outro ponto importante são os ciclos econômicos e seus impactos em toda a cadeia de suprimento do setor automotivo.
Em 2007 e 2008, com a produção ao redor de 2,9 milhões de veículos, havia a crença de que o crescimento do mercado interno continuaria a passos largos e a uma taxa média de 5% ao ano. Todo mundo acreditava nisso. Então muitas empresas fizeram pesados investimentos na ampliação de seu parque industrial e algumas delas inclusive abasteciam clientes fora do País, apesar da tendência de valorização do real. O que se viu foi um salto, para 3,4 milhões de veículos produzidos em 2010, porém crescimento zero em 2011 e 2012. Depois da retomada em 2013, com a produção recorde de 3,7 milhões de unidades, tivemos nova queda no ano passado e em 2015 já se aceita uma projeção de diminuição no volume produzido perto de 20%.
A questão da escala de produção, todos nós sabemos, é importantíssima na indústria automotiva para obter ganhos de produtividade mais consistentes num segmento extremamente competitivo. E no caso brasileiro a enorme dependência do mercado interno limita a escala. A cadeia de fornecedores de autopeças está fragilizada e sem condições de reação a ponto de suprir as montadoras com custo competitivo. Ponto final. Isso, porém, não quer dizer que o esforço de reerguimento da indústria não seja possível e que não deva ser levado adiante.
Defendo certa proteção à indústria local. A exigência de conteúdo local, no entanto, deve ser uma medida temporária e com prazo determinado para acabar. É preciso construir uma política industrial específica para o segmento automotivo, considerando toda a cadeia, com começo; meio e fim. O que nunca aconteceu.
José Rubens Vicari é administrador de empresas pela FGV com pós-graduação em finanças. Atuou por vinte anos como CEO de empresas metalúrgicas no setor de autopeças. Mentor voluntário para empresas startups pela Endeavour. Seu blog é www.senhorgestao.com.br