O diretor de economia e inteligência setorial da Unica, Luciano Rodrigues, relatou que desde o segundo semestre do ano passado o consumo do etanol diminuiu, uma vez que a desoneração promovida pelo governo anterior beneficiou mais a gasolina, segundo ele, devido à redução maior no preço – os tributos correspondiam, anteriormente, a R$ 0,69 no litro da gasolina e R$ 0,24 no do etanol hidratado. Distorção que, agora, foi corrigida.
“Não foi criado nenhum benefício ao etanol. Apenas foi restabelecido o equilíbrio que tínhamos até o fim do primeiro semestre. Com a desoneração havia uma situação atípica em que o consumo do combustível fóssil importado era estimulado em detrimento da opção renovável fabricada localmente.”
Luciano Rodrigues, diretor de economia e inteligência setorial da Unica
Rodrigues destacou que o etanol volta a ficar mais vantajoso com o restabelecimento das alíquotas com diferença de R$ 0,45, conforme a emenda à Constituição 123 determina – embora na prática possa ficar um pouco diferente porque com a redução de R$ 0,13 anunciada pela Petrobras o aumento líquido da gasolina na refinaria será de R$ 0,34.
E complementou que a determinação do governo sinaliza ao setor privado, de forma positiva, que todos os agentes envolvidos possam manter os investimentos em busca da promoção da mobilidade sustentável de baixo carbono.
Para o dirigente, diante disso e do fato de que a safra sucroalcooleira tem início em abril, não deverá faltar combustível, ainda que seja esperado um aumento da procura pelo renovável nas bombas de combustível:
“Hoje não há nenhum tipo de restrição na oferta do etanol e a tendência é a de que a produção aumente porque o período de chuvas ajudou a colheita e também por haver reforço de novas usinas”.
Quanto ao risco de o preço na bomba ser pressionado diante da maior demanda Rodrigues assinalou que, embora isso dependa de série de variáveis, ele não vê cenário capaz de desencadear aumento dos custos – até mesmo pela expectativa de maior oferta.
Dados do Cepea mostram que o litro do biocombustível hidratado custava R$ 2,71 na semana passada, conforme últimos dados disponíveis. Com a volta do PIS/Cofins, deverá passar a R$ 2,73. O dirigente acredita, portanto, que a média do etanol se mantenha de R$ 3,60 a R$ 3,70 na Região Sudeste do País.
Mercado balizado pelo motor flex
Para Gonçalo Pereira, engenheiro agrônomo coordenador do laboratório de genômica e bioenergia do Instituto de Biologia da Unicamp, o mecanismo de proteção para que o preço do etanol não dispare está no motor flex dos veículos:
“Por isto não continuamos apostando nos veículos movidos somente a álcool, como ocorria na época do Proálcool. Se o preço crescer muito as usinas, ou melhor, as biorefinarias, como deveriam ser chamadas, vão vender menos. E isso não é um bom negócio a elas que, hoje, dispõem de enxoval de produtos, pois, além do etanol, têm em seu leque a bioenergia, o biometano e o crédito de carbono”.
Gonçalo Pereira, especialista em bioenergia da Unicamp
Em sua avaliação a mensagem transmitida pelo governo com a decisão de reonerar os combustíveis, de forma mais branda para o etanol, é muito importante porque mostra ao mundo a preocupação e a necessidade de reduzir a emissão de CO2 na atmosfera.
“A ferramenta do governo para fazer as coisas ficarem realmente diferentes é o tributo. E por meio desse anúncio, desse reforço na direção certa, se tem uma sinalização extraordinária do quão benéfico é o desenvolvimento desse setor, que engloba a plantação da cana, os tratores, as usinas e seus maquinários, a geração de bioeletricidade e toda a economia que ele movimenta.”
Pereira citou que o impacto na descarbonização é notável, uma vez que a cada 600 litros de etanol é evitada a emissão de 1 tonelada de carbono fóssil. Portanto: quanto mais a produção de cana for incentivada maiores a produção e os benefícios do uso do etanol e do crédito de carbono, moeda de troca que vem sendo valorizada ano a ano e que, pela primeira vez, atingiu na Europa o preço de 100 euros por tonelada.
Raio X do setor em recuperação
Atualmente o País conta com 320 usinas, de acordo com a Unica, sendo que 85% da produção é gerada pela cana-de-açúcar e 15% pelo milho. A cadeia é composta, ainda, por 70 mil produtores rurais. Ao todo, são gerados 2,3 milhões de empregos, sendo 800 mil diretos.
Pereira lembrou que na recessão de 2015/2016 o preço da gasolina baixou devido ao incentivo à exportação do combustível fóssil e, diante de discussões sobre seguir ou não a tendência dos carros elétricos, muitas usinas fecharam as portas ou mudaram de mãos: “Quase matamos nossa galinha dos ovos de ouro”.
Até as próprias petroleiras, que, conforme pontuou, criaram o problema, “estão entendendo que são companhias de energia e têm se movimentado para adquirir empresas de biocombustível”.
O setor se recupera de seca histórica de 2021, em que a moagem de cana-de-açúcar, que havia atingido 605 milhões de toneladas em 2020, encolheu para 523 milhões no ano seguinte. E em 2022 deverá ser fechado em 550 milhões no Centro Sul. Rodrigues, da Unica, avaliou que a tendência é que a diferença com relação ao ano mais crítico seja recuperada. Atualmente a capacidade ociosa dessa indústria gira em torno de 20%.
No período que se encerra em março, da safra 2022/2023, terão sido produzidos 31 bilhões de litros de etanol no Brasil, o que inclui o Nordeste, e considerando todas as matérias-primas. E, até 2030, a expectativa da política nacional de biocombustíveis é que o volume anual atinja 50 bilhões de litros.
O dirigente citou que contribui para a retomada do setor a inauguração de usina de milho anexa a uma de cana para a produção de etanol, outra de cana que iniciará a operação este ano e existe a previsão de uma terceira em 2025.