Um processo de ruptura está em curso na indústria automobilística. A já encaminhada busca por uma matriz energética mais limpa, o aumento das opções de mobilidade e a invasão de tecnologia a bordo vão mudar radicalmente o universo sobre rodas em curto prazo. Essa foi a mensagem passada pelo o diretor da área automotiva da consultoria KPMG, Ricardo Bacellar, durante o Seminário Os Novos Desafios da Indústria Automotiva Brasileira.
Em 2025, um número expressivo de carros, caminhões e ônibus já serão movidos a eletricidade e contarão com alto nível de conectividade a ponto de poder dispensar aos poucos a necessidade de um motorista. São conclusões tiradas de uma pesquisa feita pela KPMG com 953 executivos e 2 mil e quatrocentos consumidores de 42 países, inclusive o Brasil. “Durante esse processo, a indústria precisa fazer os investimentos necessários e com velocidade sob o risco de virar apenas uma provedora de plataforma para outras indústrias ganharem dinheiro”, analisou Bacellar.
O dirigente contou ainda sobre experiências já bem sucedidas de impressão de peças em 3D. “Isso vai simplificar a produção e acabar com a necessidade de estoques”, disse. “Na última CES [feira de tecnologia norte-americana], foi apresentado um carro totalmente produzido em 3D.”
O estudo aponta que a interação entre as indústrias automobilística e de tecnologia está cada vez mais profunda. Resta saber se os carros serão produzidos pelos atuais fabricantes, se estes farão uma parceria com gigantes da tecnologia ou se estas terão suas próprias linhas de montagem –Apple e Google já trabalham nesse sentido e aquisições e parcerias entre essas indústrias cresceram exponencialmente. O Uber, por exemplo, já é parceiro de quatro montadoras.
As montadoras sempre preservaram uma posição de protagonista na indústria automotiva. Nesse processo de ruptura, com a chegada de grandes empresas de tecnologia, essa posição corre riscos, segundo o dirigente. Fala-se muito em cooperação entre essas duas indústrias, mas há de se observar as diferenças culturais entre elas. “A indústria de tecnologia tem ciclos de inovação muito rápidos, de seis meses, um ano. Na indústria automotiva, um projeto pode levar até cinco anos para ser finalizado. Fazer esses jogadores trabalharem juntos é um grande desafio”, ponderou Bacellar. Por outro lado, a indústria de tecnologia é bem mais permissiva com erros. “Ao contrário da indústria automotiva, ela não tem pudor em lançar um produto mesmo sabendo que ele não está bug free”, disse.
O dirigente disse ainda que o consumidor passará a dar menos importância a itens como motor e potência, preferindo carros com internet embarcada, tela touch com alta definição e com muitos serviços. “A pesquisa aponta que serviços embarcados serão um diferencial cada vez mais considerado.” É neste universo dos serviços, segundo Bacellar, que a indústria deve agir. Ele cita exemplos como Uber e Waze. Um exemplo nacional é o aplicativo Truckpad, que, sem ter sequer um caminhão, possui em torno de 400 mil caminhoneiros cadastrados e os conecta com pessoas e empresas interessadas em despachar cargas pelo Brasil.
A iminente chegada da internet embarcada permitirá ainda que a indústria automotiva, munida de informações como perfil dos seus clientes, telemetria e geolocalização, ofereça produtos de forma customizada, em parceria com lojas e supermercados. O curso natural desse enredo de conectividade levará paulatinamente à automação. Aquela cena de um veículo rodando sem motorista vai aos poucos deixar de ser ficção científica. “Esse horizonte foi se aproximando e hoje tem fabricantes prometendo isso pra 2021”, disse Bacellar.
Com a proximidade das discussões sobre a reforma trabalhista no Congresso Nacional a terceirização da mão de obra, principalmente dentro da indústria, ganha mais força. Atualmente está parado no Senado o projeto de lei 4 330, que trata da regulamentação legal da terceirização e que prevê sua liberação para qualquer tipo de atividade. No entanto este projeto tem interpretações diversas, dependendo dos interesses em jogo.