No momento em que a indústria automotiva, seja no segmento de veículos leves e/ou pesados começa a esboçar algum sinal, ainda que tênue, de reação é preciso reconhecer quais são os principais desafios que teremos pela frente nos próximos anos.
Sem dúvida, a questão de volume x capacidade é que o mais se discute no momento. Temos inúmeras previsões de recuperação, mas volumes sustentáveis próximos ao que tivemos em 2013, provavelmente só teremos em 2025. Assim a recuperação será lenta e gradual.
De qualquer forma quando analisamos volumes x capacidade, estamos sempre considerando os OEMs e seus principais sistemistas.
Ocorre que um processo de deterioração da cadeia automotiva dentro dos elos Tiers 2 e 3, já vem ocorrendo muito antes de a indústria atingir seus ápices de volume, e este é o principal desafio para sustentação do modelo atual de indústria automotiva no Brasil.
Horizonte de 2012 – O Inovar-Auto, lançado em 2013, tinha como objetivos principais:
Introduzir requisitos de eficiência energética para veículos leves, alinhados com tendências globais;
Aumentar a competitividade dos fornecedores locais e, portanto, o conteúdo local dos veículos produzidos no Brasil;
Incentivar desenvolvimento de engenharia e P&D local; e
Atrair investimentos para produção local de veículos.
Dentro deste contexto, em 2012, tivemos oportunidade de prestar serviços de consultoria para ABDI, para analisar exatamente a competitividade dos fornecedores da indústria automotiva com ênfase nos Tiers 2 e 3, cujos resultados somados aos dados gerados pelo sistema de rastreabilidade do conteúdo importado na cadeia de suprimento, deveriam servir como base para estratégias de fortalecimento da cadeia automotiva.
Naquela oportunidade foram estudados os seguintes segmentos: aço, forjaria, estamparia, fundição, plásticos e borracha.
Destes segmentos, a indústria do aço não pode ser considerada como Tier 2 e 3 da indústria automotiva, mas foi incluída no estudo devido a importância do produto como matéria prima na produção de veículos, como também nos ferramentais envolvidos no desenvolvimento e produção. Poderíamos dizer que sem uma indústria do aço competitiva globalmente, não se consegue produzir veículos de uma forma competitiva.
Ao longo destes últimos quatro anos a indústria do aço no Brasil vem sofrendo queda de demanda, perdeu posições no ranking mundial dos produtores de aço, enfrenta uma competição desigual por parte da China, adicionando-se ainda a este cenário problemas societários que imobilizam decisões.
Assim sendo, a indústria do aço, ainda que no atual momento seja competitiva globalmente, tem desafios de sustentação em longo prazo que não serão objeto de discussão neste artigo.
Os resultados dos segmentos estudados em 2012 podem ser sumarizados nas figuras 1 e 2.
Figura 1

Figura 2

Como podemos notar, mais de 90% das empresas dos segmentos estudados são PMEs, com uma dependência do setor automotivo acima de 60%. As empresas definidas na Fig. 1 como Grupo II, já tinham naquele momento uma dificuldade de competitividade devido a direção de globalização tomada pelos OEMs e sistemistas, principalmente direcionando suas compras para China e India.
Dentro da perspectiva de inovação tecnológica, podemos dizer que o Inovar-Auto está cumprindo seus objetivos. Os veículos leves produzidos a partir 2017 serão de 12% a 15% mais eficientes que os produzidos em 2012. Se considerarmos o avanço em emissões ocorrido devido a introdução do Proconve 7 em 2012, podemos concluir que ficamos bem mais próximos dos níveis de emissões e eficiência energética requeridos pelos países desenvolvidos.
Também tivemos uma drástica redução de veículos importados no total de veículos vendidos, cuja participação caiu de 27% em 2011 para 11% em 2016.
Por outro lado, o avanço tecnológico e incentivos ao conteúdo local não trouxeram nenhum benefício aos fornecedores Tiers 2 e 3, pertencentes ao Grupo II definido anteriormente.
Ao contrário, a busca por eficiência energética levou os OEMs a equiparem seus novos modelos com powertrains, motores e transmissões mais atualizados tecnologicamente e já produzidos em outras regiões, e cuja demanda não atinge escala suficiente para produção local. Ao longo do período 2012-2016 reduzimos em 20 ponto porcentuais a produção local de motores e transmissões, o que impacta diretamente os Tiers 2 e 3, fornecedores de componentes para powertrain. Some-se a isto a queda de produção local de veículos leves e pesados de 3,7 milhões em 2013 para uma previsão de 2,2 milhões em 2016.
Como consequência tivemos uma perda da atratividade do segmento de indústrias do Grupo II, piorando ainda mais a posição de competitividade ilustrada na Fig 3.
Figura 3

Adicionalmente, o Sistema de Rastreabilidade do Conteúdo Importado ou parcela dedutível não teve nenhum impacto nas estratégias de localização de componentes.
Desafio 2016- 2025 – Voltando ao início do nosso artigo, existem sinais de início de recuperação na indústria automotiva, mas os volumes de 2013 provavelmente só serão atingidos em 2025 se atuarmos na direção correta em termos de atualização tecnológica, um programa adequado de renovação de frota, de inspeção veicular e de reciclagem de materiais, investimento em infraestrutura e abertura de mercados para exportação que envolvem acordos bilaterais e competitividade.
A indústria automobilística de 2025 será extremamente diferente da indústria de hoje. Temos que seguir a requisitos de eficiência energética e emissões de veículos leves e pesados para podermos competir em condições de igualdade no mercado global.
Ainda que o futuro dos veículos elétricos seja incerto, os veículos híbridos terão uma participação significativa no mercado de 2025 para atender os requisitos de eficiência energética.
A conectividade em conjunto com sistemas de infotainment serão fatores determinantes na maneira de utilizar os veículos, influenciando mobilidade, segurança e atuação do motorista.
Provavelmente em 2025 ainda não teremos veículos autônomos nas cidades e caminhões autônomos nas estradas, mas o car sharing será uma realidade nas grandes metrópoles, e teremos veículos pesados trabalhando de forma autônoma em aplicações off road.
A cadeia de suprimentos e valores será extremamente diferente da atual, e isto afetará principalmente as indústrias de transformação descritas anteriormente, como os Tiers 2 e 3 do Grupo II.
Este segmento da indústria precisa se reinventar para garantir a sobrevivência. Caso isto não ocorra, podemos nos transformar numa indústria de montagem de sistemas e veículos e toda a indústria de transformação desaparecerá, porque um elo da cadeia será rompido.
Precisamos de inovação na visão e na gestão deste segmento da cadeia, analisando novos formatos que podem passar por consolidação, clusters, cooperação de capacidade e tecnologia, ou outras ideias inovadoras que possam alterar o destino pouco promissor que se avizinha. O momento de crise atual se coloca como uma oportunidade única para que se estabeleçam ações a fim de garantir a sobrevivência deste importante elo da cadeia automotiva.
A superação dos desafios certamente será uma combinação de ações e atitudes empresariais individuais, conjunta com movimentos representativos setoriais, onde a cadeia de fornecimento possa ser fortalecida e dar suporte às operações dos OEMs/sistemistas, assim como assegurar o uso de matéria-prima local.
Carlos Alberto Briganti, presidente do Grupo Engenho Consultoria e diretor da Power Systems Research América do Sul.
Ricardo Vieira Santos, sócio proprietário da RVS Consultoria e consultor associado do Grupo Engenho Consultoria.