São Paulo – Desde que a pandemia de covid-19 começou, em março de 2020, quando as montadoras decidiram suspender a produção por período de um a três meses, até julho deste ano, o setor automotivo eliminou 7 mil postos de trabalho. Naquela época as companhias empregavam 106,6 mil pessoas em suas fábricas brasileiras, segundo a Anfavea, e no mês passado o nível baixou para 96,6 mil, redução de 6,5%.
Entram nesta conta empresas que decidiram encerrar a operação de fábricas inteiras, como a Ford em Camaçari, BA, Taubaté, SP, a Troller em Horizonte, CE, a Caoa Chery em Jacareí e a Mercedes-Benz em Iracemápolis, ambas no Estado de São Paulo. A fabricante de caminhões e ônibus iniciou também processo de terceirização e eliminou vagas temporárias em São Bernardo do Campo, SP, e Juiz de Fora, MG. Outras fábricas dispensaram trabalhadores no período, em grandes cortes ou reduções pontuais.
Os últimos três anos foram extremamente desafiadores não somente pela necessidade de continuar produzindo e, ao mesmo tempo, evitar ao máximo propagar o coronavírus mas, igualmente, pelas consequências do cenário, que descortinou crise de fornecimento de componentes e, principalmente, semicondutores. Quando controlou a questão da oferta deparou-se com um problema de dimensões muito maiores: a queda na demanda.
Na avaliação do professor Antonio Jorge Martins, coordenador dos cursos da cadeia automotiva da FGV, as montadoras começaram a lidar com uma equação que não fechava. Por um lado a necessidade do aumento de investimentos a fim de injetar mais tecnologia nas fábricas e torná-las mais automatizadas e digitalizadas e os veículos mais seguros e conectados. Por outro a redução global na procura por 0 KM, tanto que o mercado que girava em torno de 100 mil unidades baixou para 82 mil e, para este ano, são esperados 85 mil unidades.
“Iniciou-se um movimento de busca por melhoria de produtividade, vertente muito explorada em todo o mundo, e um caminho que não tem volta. Esse ponto, inclusive, é mais explorável do que discutir sua posição no mercado.”
Ele crê que as montadoras estão, cada vez mais, parecidas com empresas de tecnologia e que companhias com este perfil tomam decisões muito rápidas, as coisas acontecem de forma mais dinâmica: “Para adequar-se, no entanto, é preciso realizar mudanças culturais na mente dos funcionários, e isso acaba mexendo no emprego”.
O especialista lembrou que as matrizes têm pressionado cada vez mais suas subsidiárias a apresentarem resultados: as estariam “abandonando” e deixando que caminhem com as próprias pernas e mantenham as finanças no azul, o que inevitavelmente gera efeito no emprego.
Cássio Pagliarini, consultor da Bright Consulting, afirmou que não enxerga, no curto prazo, um potencial para a retomada de postos de trabalho que foram encerrados, até porque as montadoras não adotariam layoffs nem férias coletivas se a produção estivesse em uma onda crescente, motivada pela procura, afetada também pela dificuldade na obtenção de crédito, mais escasso e com juros elevados.
“Para produzir o que a Anfavea projeta para 2023 a mão de obra instalada é suficiente e seria possível produzir um pouco mais sem precisar de novas contratações. As montadoras ainda não estão perto do gargalo de mão de obra e, portanto, ao menos para este ano, não são esperadas contratações.”
A Anfavea espera para 2023 a montagem de 2,4 milhões de veículos, ainda aquém dos 2,9 milhões de 2019, e o emplacamento de 2,1 milhões.
Melhor produtividade e menores custos são desafios postos às fabricantes
Além da mudança no perfil de emprego das fabricantes de veículos para sobreviverem as estruturas deverão passar por muitas mudanças, avaliou Martins, da FGV, ao dar como exemplo a fabricante de veículos elétricos Tesla: “Elon Musk participou como convidado de reunião do conselho da Volkswagen e mostrou que a produtividade da Tesla é três vezes superior à da melhor fábrica da VW”.
Com três gigafábricas no mundo, Alemanha, China e Estados Unidos, a empresa projeta crescer 40% este ano, ao ampliar sua produção de 1,9 milhão para 2,6 milhões de veículos. A Tesla exporta para a Inglaterra, entrará no Japão por meio da Uber, que operará carros da marca, e quer instalar fábrica em Monterrey, no México, para sua picape Cybertruck.
Martins citou ainda que como a fabricante estrutura seus veículos em três grandes partes sua forma de produção é mais simples e racional, o que também leva a um custo 60% menor do que têm montadoras dotadas de fábricas tradicionais.
“O mercado automotivo tornou-se de risco. Muitas disrupturas estão acontecendo e as fabricantes terão que se adequar se quiserem manter suas portas abertas e seus carros nas ruas.”
Colaborou Caio Bednarski