São Paulo – O BYD Dolphin nem bem chegou ao País importado da China e já movimentou o jovem mercado de carros elétricos: ofertado a partir de R$ 149,8 mil foram vendidas 1 mil 250 unidades em agosto, forçando seus concorrentes a baixar os preços para continuar atraindo o consumidor earlier adopter, aquele que tem a necessidade de ser o primeiro a consumir uma nova tecnologia. Ideal para os deslocamentos na cidade como este compacto chinês se comporta na estrada? E quais as preocupações e vantagens que o condutor tem ao viajar com um carro 100% elétrico? Nesta reportagem especial mostraremos como é rodar mais de 700 quilômetros sem emitir um grama de CO2 nem usar um carregador residencial apenas acessando a rede pública de abastecimento disponível no percurso até o Interior do Estado de São Paulo.
Vale destacar que AutoData não tem o costume de publicar reportagens com impressões ao dirigir. Fazemos isto quando se trata de uma novidade ou é absolutamente relevante para o leitor conhecer não só o produto mas, também, o plano de negócios e industrial destinado àquele veículo retratado em nossas páginas editoriais. Pois o BYD Dolphin se enquadra nesses quesitos: ele é o principal candidato a ser produzido no Brasil a partir de outubro ou novembro de 2024 – ou em 2025, conforme apuramos com exclusividade. Além disso apresenta para o mercado brasileiro a evolução da indústria chinesa não apenas nas tecnologias de propulsão mas, também, na construção, no acabamento e no design de seus automóveis.
Visual, ponto forte
Para começar o design exterior e, principalmente, o interior, são destaques deste modelo. A BYD tirou da Audi em 2017 seu chefe de design, o alemão Wolfgang Egger, que a partir daí passou a desenvolver uma nova identidade para a marca chinesa. O Dolphin faz parte da linha de carros com inspiração em elementos do mar. O golfinho está representado no bedge, estampado na tampa traseira. Outro modelo, o Seal, também faz parte desta linha e já desembarcou no Brasil.
A traseira e a dianteira do Dolphin possuem identidade própria: a frente é curta, pois não há a necessidade de cofre volumoso para acomodar um arcaico motor a combustão. A iluminação de led percorre de lado a lado a dianteira, contorna a grade fechada que ostenta seu logo e forma um conjunto harmonioso com os faróis à noite – durante o dia para olhares ainda não acostumados com a novidade a dianteira foi a que causou maior estranhamento. O desenho da parte traseira é um tanto mais clássico, com a tampa do porta-malas tomando quase todo o espaço. Mas novamente a iluminação de led – em vermelho – percorre toda a traseira e forma um desenho muito bonito que chama a atenção e destaca a frase em inglês Build Your Dreams, que é o nome da marca chinesa.
Mas é de lado que o Dolphin arrebata os olhares. Seu design tem personalidade. Um vinco na linha de cintura percorre a lateral e outro ainda mais pronunciado, em diagonal nas portas, cria um visual que não se vê todo o dia nas ruas. As rodas completam esse conjunto moderno e que tem tudo para cair no gosto do consumidor brasileiro.
O Dolphin é um carro elétrico compacto, com pouco mais de 4m10 de comprimento, alguns milímetros menor do que o Chevrolet Onix. Mas seu entre-eixos de 2m70 coloca este modelo em outra categoria. É por isto que seu desenho aparenta ser bem equilibrado do lado de fora. E no interior oferece espaço digno de um Toyota Corolla, um dos modelos médios mais desejados no mercado brasileiro.
Mas não só isto: o habitáculo foi muito bem trabalhado do ponto de vista da estética e da funcionalidade. A qualidade dos materiais empregados no acabamento também é algo que se destaca. E o espaço, que proporciona uma ocupação muito confortável para todos. De fato, comparando com carros compactos feitos no Brasil, o BYD Dolphin fará muitas marcas revisarem seus padrões porque o consumidor que tiver a oportunidade de provar o chinês verá que se trata de outro patamar.
No total, considerando uma parada, foram seis horas na primeira perna da viagem até o Interior de São Paulo, um percurso de 270 quilômetros. Descontando o tempo de carregamento fiquei mais de quatro horas e meia sentado na posição do motorista e posso dizer que não senti o mesmo desgaste fazendo a mesma viagem com outros automóveis nacionais com os quais tive contato nos últimos meses. Isso se deve a dois fatores: o desenho do banco, que é largo tanto no assento quanto no encosto das costas e muito confortável. E aos ajustes para encontrar a melhor posição de dirigir.
O design do interior é algo que surpreende porque ainda não se viu por aqui exemplar feito na China que apresente ao mesmo tempo soluções criativas, minimalistas e de bom gosto reunidos em um só projeto. A pequena tela atrás do volante exibe poucas informações, mas o suficiente para que o motorista possa conduzir o Dolphin. Assim há muito espaço para apreciar o design que mistura três tons e ângulos diferentes em toda a parte frontal. As saídas de ar arredondadas são belas, bem posicionadas e funcionais. O plástico escuro empregado na parte superior do console é de um padrão ainda não alcançado pelos carros nacionais – é o mesmo utilizado nas portas. Dele para a parte inferior há outra peça plástica imitando alumínio escovado com curvas que formam um desenho muito bonito. Ali também estão posicionadas duas das quatro saídas de ar. Na parte inferior, em tom claro e com pequenas gotas impressas em laranja, destaque para o bom gosto e a qualidade do material dessa peça que fará designers brasileiros revisitarem seus conceitos para tentar atingir o mesmo resultado.
As cores do interior conversam com o lado de fora e este é outro ponto interessante para um veículo chinês [inclusive dentro do portfólio da própria BYD] que geralmente exagera em luzes, cromados e design de gosto duvidoso para o cliente do Ocidente mas que é a preferência do consumidor do maior mercado do mundo. O Dolphin e a linha de carros da BYD inspirados em elementos do mar parecem querer mudar este padrão chinês.
São poucas funções disponíveis no console central, e o seu acionamento foge do padrão tradicional: é preciso girar para cima e para baixo os botões arredondados para movimentar o carro para frente ou para trás, ligar ou desligar o ar-condicionado ou aumentar e diminuir o volume do som. Esta peça arredondada feita de alumínio fica abaixo de um porta-objetos emborrachado do tamanho de um smartphone. Há outro console enorme que se estende pelos bancos dianteiros que acomoda todo o tipo de coisas que as pessoas carregam para lá e para cá. Há porta-trecos de sobra no Dolphin.
A enorme tela de 12,8 polegadas concentra todas as funções tanto da dinâmica e demais ajustes do veículo como das opções multimídia disponíveis nos modelos atuais. A disposição das informações e, principalmente, sua sensibilidade ao toque são bem melhores e intuitivas do que em todos os carros nacionais que oferecem o recurso. No entanto houve momentos em que o sistema perdeu contato com o aplicativo Android Auto, função que nos carros nacionais guarda mais estabilidade nesta conexão. Ela também tem o charme já tradicional dos BYDs: gira e pode ser utilizada na vertical. Durante os dias com o Dolphin esta foi a posição preferida deste condutor, Quando conectado com o Android Auto, porém, automaticamente a tela retorna para a posição horizontal e não é possível mudar esta orientação para visualizar mapas e lista de músicas no Spotify.
Atualizando os padrões de condução
Antes de partir para a estrada, rodando quase 50 quilômetros em São Paulo, naquele para e anda, sempre em baixa velocidade, algumas coisas precisam ser destacadas. Primeiramente é uma delícia conduzir o Dolphin no trânsito. Mesmo tendo que pressionar com cuidado e sempre de forma suave o acelerador para obter o melhor desempenho ele é ágil o suficiente para seguir o fluxo e manter a distância do carro da frente evitando que motoristas mal-educados cortem a sua frente. Esta é uma forma de dirigir completamente diferente dos veículos dotados de motor a combustão interna e representará uma mudança, pois privilegia a redução do consumo, no caso de energia.
Até mesmo o ruído que a BYD incluiu de série rodando até 25 km/h para que pedestres possam identificar um veículo se aproximando é algo interessante, diferente. Muitos jornalistas têm criticado o barulhinho agudo, que na verdade não é nem um pouco mais ou menos irritante do que o ruído de um motor a combustão. A diferença é que se trata de uma novidade, e o barulho do motor tradicional já está presente na rotina auditiva das pessoas desde sempre. De qualquer forma é possível eliminar o barulhinho do BYD em suas configurações. No entanto, quando feito isto, notou-se que os pedestres mais desatentos ou olhando para suas telas enquanto caminham [algo cada vez mais normal em São Paulo] deixaram de perceber a aproximação de um veículo silencioso como este elétrico. Quase houve um acidente com um desses pedestres desatentos atravessando a rua sem olhar para os lados. Imediatamente mudei a configuração e voltamos ao barulhinho…
Desafio, estrada!
Bateria carregada, 99%, quase 405 quilômetros de autonomia apresentadas na tela pelo padrão worldwide harmonised light vehicles test procedure, WLTP, partimos para acessar a Rodovia Castelo Branco com destino ao posto Bizungão III, no km 247, onde se encontra um carregador gratuito de 150 kW instalado pela Volvo. No caminho havia outras possibilidades de carregadores mais lentos, de 7 kW, mas como o pessoal da BYD disse que a autonomia aferida pelo Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular, PBEV, do Inmetro, registrava 291 quilômetros de autonomia para o Dolphin, a ideia de parar e perder muito tempo colocando pouca energia pareceu não valer a pena. Mas quando se trata de um carro elétrico melhor planejar melhor a viagem. É como pilotar um avião: é prudente ter um bom plano de voo para não ficar sem combustível.
Logo no primeiro pedágio – são oito até Avaré, o destino final – uma chuva torrencial às 6 da tarde obrigou a utilizar ostensivamente o limpador do vidro dianteiro. Ar-condicionado ligado para não embaçar os vidros e o cair da noite também obrigou a utilização dos faróis, obviamente. Dizem que tudo isto reduz a autonomia, mas acreditando que havia uma bateria tradicional para auxiliar esses equipamentos segui viagem confiando que com autonomia de 291 quilômetros chegaria sem sustos.
Rodando a 110 km/h numa rodovia com velocidade máxima de 120 km/h seu conjunto formado por um motor elétrico instalado no eixo dianteiro com 75 kW ou 95 cv de potência e 18,3 kgfm de torque, alimentado por uma bateria de 44,5 kWh carregava com maestria os 1 mil 815 quilos de peso bruto total do compacto.
Mas é preciso adquirir novos conhecimentos para buscar a melhor eficiência com um carro elétrico. Por exemplo: saber que a Castelo Branco é uma rodovia com muitas subidas, mesmo as mais sutis, é uma delas. Porque quando chega um aclive é necessário pisar um pouco mais forte no acelerador para manter a velocidade. E isto consome muita energia.
Um ótimo professor para essa nova realidade está na telinha do condutor: a quantidade de energia utilizada instantaneamente. Depois de 110 quilômetros, quando consumi 40% da bateria, percebi que era preciso manter o consumo instantâneo em 20 kW, no máximo, 30 kW, para manter a velocidade de 100 km/h a 110 km/h. No entanto, para vencer subidas mais íngremes nesta velocidade tive que consumir, em alguns momentos, 75 kW. E isto cobrou um preço lá na frente.
Nas retas consegui manter o consumo em 17 kW, o que seria ideal durante todo o percurso para chegar ao destino ainda com uma reserva estratégica na bateria. Mas aí a velocidade teria que baixar para 100 km/h, ou menos. E andar mais devagar numa rodovia movimentada como a Castelo Branco não é uma boa ideia porque do lado esquerdo passam os carros que viajam mais rápido. E do lado direito muitos caminhões e ônibus também rodam no ritmo de 90 km/h a 100 km/h, ou um pouco mais, obrigando o motorista de um automóvel mais lento manter a atenção redobrada e fazer muitas manobras para evitar estas duas situações.
Quando restavam 25% da bateria rolou um dilema: continuar até o carregador rápido ou parar no último posto com um wallbox de 7 kW? Faltavam 50 quilômetros e o painel mostrava 100 quilômetros de autonomia. Só que no meio deste caminho havia a Cuesta, mais conhecida como a serra de Botucatu, e ali a autonomia baixou rapidamente obrigando a reduzir a velocidade, desligar o ar-condicionado e começar a fazer contas. No fim, rodando a 95 km/h, depois a 80 km/h nos últimos dez quilômetros chegamos no posto Bizungão III com 7% de bateria e 26 km de autonomia.
Esta é uma margem muito pequena antes de ficar literalmente sem energia. Foram 248 quilômetros na estrada durante quatro horas e meia, o que consumiu 39,4 kW de um total de 44,5 kW de energia da bateria Blade da BYD. É importante registrar a angústia durante os quilômetros finais, fazendo contas, reduzindo bastante a velocidade e pensando que atitude tomar quando a energia terminasse.
Por tudo isto não vale a pena viajar com um carro elétrico nestas condições. É preciso ter mais planejamento para uma viagem longa com veículos elétricos com autonomia limitada para esses percursos e, sobretudo, mais oferta de carregadores públicos para que os carros elétricos possam fazer sentido em um país continental como o Brasil. Se o objetivo é eliminar o CO2 da mobilidade particular basta utilizar apenas etanol em um automóvel tradicional que o motorista consciente dará grande contribuição ao meio ambiente.
A saga do carregamento
Eram quase 11 da noite quando instalei o plug do carregador DC oferecido gratuitamente pela Volvo no posto Bizungão III, no km 247 da Castelo Branco. Com 7% a máquina contabilizou exatos 65 minutos para o carregamento total. Mas não foi isto o que aconteceu. Demorou 1 hora e 37 minutos até os 100% de carga, e os 20% finais demoraram uma eternidade – longos 35 minutos, quase um terço do tempo total. Isto se deve à temperatura interna da bateria. A 80% seu sistema interno que controla tudo isto reduz substancialmente a quantidade de energia que entra para não sobrecarregar os packs de íon-lítio e assim evitar uma combustão espontânea. Claro que isso é muito difícil de acontecer mas não impossível. Por isto há o sistema eletrônico de controle que, no fim das contas, toma ainda mais tempo do condutor.
Torque demais e sai de frente
Alguns dias com energia de sobra e tempo em Avaré foi possível conhecer melhor o comportamento dinâmico do BYD Dolphin. Nestes momentos rodamos de forma mais esportiva, sempre com total segurança e respeitando as normas em ruas e rodovias, tentando levar o veículo ao limite em curvas e acelerações. Veredito: o automóvel elétrico se comporta de forma diferente na comparação com um modelo com motor a combustão dianteiro. A razão é que justamente em modelos com tração dianteira como o Dolphin não há o peso do motor na frente. Sem este arrasto adicional o carro tem sua dianteira mais leve e solta com o aumento da velocidade e sai de frente em qualquer curva mais acentuada. Mesmo em ultrapassagens é preciso manter a atenção e as mãos firmes no volante para não perder o controle. O torque imediato pode assustar motoristas menos experientes fazendo-o perder por instantes o controle do veículo. De fato carro elétrico não é para qualquer um: é preciso passar por um período de adaptação antes de controlá-los da mesma forma que os tradicionais que estamos mais acostumados ao dirigir esportivamente.
Depois de alguns dias rodando em Avaré, consumindo 50% de bateria, planejamos melhor a viagem de volta a São Paulo. A primeira parada foi no posto Bizungão III, mas dessa vez paramos por apenas 25 minutos para levar a bateria a 80% da sua capacidade. A ideia foi realizar mais uma parada para carregamento usando aplicativos que mostram onde estão os carregadores públicos.
Traçamos a rota com a parada programada no único carregador DC disponível na Castelo Branco próximo da Capital. Estava há 189 quilômetros do posto Bizungão III e desta forma mantivemos a velocidade de cruzeiro de 120 km/h, utilizando o piloto automático, o que manteve o consumo instantâneo em 30 kW. Dessa forma chegamos ao carregador de 90 kW da Tupinambá com 26% de bateria e apenas 107 quilômetros de autonomia.
E aí nos deparamos com a realidade que em breve será a dos condutores de um carro elétrico: a Tupinambá cobra R$ 1,95 por quilowatt. Ou seja, quem acredita que a energia será gratuita para sempre, pode esquecer. Para abastecer carro elétrico teremos que pagar. Por enquanto ainda é um valor menor comparado com o preço dos combustíveis líquidos. Mas quem garante que será sempre assim?
Bem, depois de 75 minutos para carregar de 26% para 80% a Tupinambá cobrou R$ 50 por 21,1 quilowatts. E aqui outra lição importante: a capacidade das estações de carregamento influenciam no tempo da viagem. Levamos quase o mesmo tempo para encher com 80% a bateria num carregador com 90 kW que foi necessário para carregar de 7% a 100% a bateria em um aparelho com 150 kW.
Quem está interessado em um carro elétrico precisa ter consciência de que para cumprir grandes distâncias é necessário fazer contas, muitas contas, ficar atento na velocidade em que é consumida a energia, que tem a ver com a forma como ele conduz o veículo, ter uma série de ferramentas para não ficar sem energia no percurso e, por fim, ser alguém com paciência de sobra. Sem tudo isto atualmente as possibilidades de voltar para casa com o carro numa plataforma é grande.
No entanto é gostoso dirigir um carro elétrico. E este chinês, como foi descrito, tem diversos atributos de que o consumidor brasileiro gostará e aprovará. Há muito o que evoluir em termos de oferta de infraestrutura. Depois de mais de 700 quilômetros cumprimos o desafio de viajar e enfrentar as dificuldades que muitos desses clientes terão a partir de agora.
No ano passado a BYD vendeu na China 204 mil 674 Dolphin. Por aqui um lote com mais 3 mil unidades desembarcou nos últimos dias de agosto. Segundo a BYD todos estarão rapidamente nas ruas porque a procura está muito além das suas próprias expectativas.
Fotos: Leandro Alves
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