Programa de renovação de frota retorna à estaca zero

Além de aprofundar a crise econômica brasileira, o cenário de incertezas da política nacional jogou outro balde de água fria no setor automotivo. O tão aguardado programa de renovação de frota, discutido há pelo menos três anos por agentes dos setores público e privado, voltou à estaca zero com a possibilidade de troca de governo e não há garantia que possa sair no curto prazo.

“Lamentavelmente o projeto está parado”, afirmou Alarico Assumpção Júnior, presidente da Fenabrave. “Não sabemos como isso caminhará com o novo governo. Voltamos à estaca zero”.

No começo do ano o empresário estava otimista. Chegou a anunciar, em janeiro, que o projeto sairia em semanas, o que acabou não ocorrendo – e acabou por prejudicar ainda mais a situação do setor, que via com otimismo a possibilidade de alavancar as vendas com a substituição de modelos antigos por novos.

A Fenabrave calcula que 500 mil veículos 0 KM, dentre automóveis, comerciais leves, caminhões, chassis de ônibus e motocicletas poderiam ser comercializados por ano com a entrada em vigor do programa de renovação de frota.

As movimentações políticas atrasaram também outro projeto de interesse do setor, o Renave, Registro Nacional de Veículos em Estoque. Criado para reduzir a burocracia e os custos nas transferências de veículos usados, sua regulamentação estava prevista para março deste ano, mas a troca do ministro das Cidades prejudicou seu andamento.

“Se essa questão política for rapidamente resolvida, o Renave deverá entrar em vigor a partir do segundo semestre”, disse Assumpção Jr.

Educação e meio ambiente como ferramentas de estratégia social

A Ford fez festança em Camaçari, BA, na primeira segunda-feira de abril, no espaço generoso, e inesperado, do Teatro da Cidade do Saber. Além das autoridades, como o prefeito Ademar Delgado, e de representantes da Ford, como Steve Armstrong, presidente para a América do Sul, e Jim Vella, presidente do Ford Fund – que patrocinou a festa – estavam lá 94 participantes do Programa Ford de Educação para Jovens em sua primeira formatura.

O prefeito da cidade passou por algum aperto no fim da solenidade, abordado por funcionários municipais em greve que se manifestavam na porta do teatro. Mas o pessoal da Ford, os formandos e suas famílias nem prestaram atenção à saia-justa do prefeito Delgado: viviam dia aventurado.

O Programa Ford de Educação é um dos que a companhia banca na cidade, dentro da diretiva global de inserção nas comunidades onde está presente. Outro evento foi o início da distribuição de mochilas ecossustentáveis, dotadas de kits de cadernos e lápis, para os 10 mil alunos da rede pública de ensino de Camaçari, uma parceria com o Projeto Axé, baseado em Salvador, ONG especializada na assistência a crianças.

Para a gerente de relações corporativas da companhia, Adriane Rocha, que tem sob sua responsabilidade as ações de responsabilidade social, a presença de Armstrong e de Vella são o melhor espelho da importância daquela manhã em Camaçari – Vella dirige o braço filantrópico da FoMoCo:

“Elegemos educação e meio ambiente como eixos fundamentais de atuação, pois a crença da companhia é a de que são questões estratégicas para a qualidade de vida das futuras gerações. E também para incentivar as capacitações necessárias para a criação das inovações do futuro”.

Texto distribuído durante o evento vai além: “A Ford busca fazer a diferença na vida das pessoas, inspirando seus empregados, encantando seus consumidores, recompensando seus acionistas e contribuindo para fazer do mundo um lugar melhor”.

E o próprio Jim Vella contou que “melhorar a vida das pessoas faz parte da agenda Ford, uma abordagem estratégica nos lugares onde mantemos operações, sempre com parceiros locais, sempre gente com reputação”. Assim, de acordo com Adriane Rocha, os programas sociais da empresa foram mantidos, e alguns até ampliados, independente dos tempos difíceis, desafiadores – pois fazem parte da agenda e não devem, nem podem, ser abandonados:

“Queremos, sempre, ampliar o espectro de nossa participação, mas com reconhecimento, com algo mais. Em síntese desejamos, sempre, dar mais qualidade à cadeia de valor. Foi o que aconteceu com o projeto das mochilas”.

A agregação de valor, no caso do Programa de Educação para Jovens é manifesto. Em Camaçari havia o sentimento de que a estrutura de educação local não preparava a rapaziada para a vida, nem para a indústria nem para o comércio, e a empresa rapidamente entendeu qual era a necessidade. Para a primeira turma foram selecionados cem estudantes da rede estadual, de 17 a 21 anos, de boas notas e com disposição para ir além.

Adriane Rocha observa o envolvimento de toda a rede escolar de ensino médio, “atenta a destacar aqueles que realmente se dedicavam aos estudos”. O Sesi, Serviço Social da Indústria, foi o parceiro no projeto, que contempla 4 horas de aula todo dia e exige frequência mínima de 75%. Os alunos recebem “orientações comportamentais, noções de saúde e de segurança no trabalho, administração financeira, formação pessoal e social, ética, gerenciamento do seu tempo, informática básica, matemática, lógica, inglês, comunicação”.

Foram 310 horas de envolvimento dessa primeira turma com o projeto, com sua formação técnica, parceria com o Senai, Serviço Nacional de Aprendizado Industrial, dirigida para o desenvolvimento de auxiliares nas áreas de administração, elétrica, mecânica de veículos leves e mecânica de manutenção de equipamentos industriais.

O fim do curso coincidiu com a possibilidade de os alunos entrarem no processo de seleção do Programa Jovem Aprendiz, que contempla estágio na unidade Ford de Camaçari.

Naquela mesma segunda-feira, à tarde, Ford e Projeto Axé promoveram work shop, na sede da ONG, no Pelourinho, em Salvador, sobre o processo que, afinal, produz mochilas a partir do uniforme industrial dos empregados da fábrica de Camaçari, que antes eram incinerados – aquelas 10 mil que começaram a ser distribuídas pela manhã.

E aí, mais uma vez, aparece a evidência de projeto que funciona, desde 2014, debaixo do impacto da criação de valor na cadeia, recorda Adriane Rocha:

“No caso nós, Ford, cedemos o fardamento usado depois de devidamente higienizado e o pessoal do Axé seleciona e capacita mulheres, basicamente mães de crianças que frequentam os seus próprios projetos sociais. Elas, então, animam as oficinas de corte e de costura e participam diretamente do processo de produção das mochilas. Recebem uma bolsa-auxílio, transporte e alimentação no Axé. E tem mais: elas passam a deter algum conhecimento que pode vir a ser fonte de renda”.

Enfim: algo, no caso os uniformes, em ciclo de decadência, é transformado em algo superior, no caso as mochilas, por meio de esforços e trabalhos integrados, como as crianças que levam suas mães, muitas vezes em situação de vulnerabilidade, ao Projeto Axé para conviver e aprender algo novo. Na outra ponta estão os alunos da rede pública de ensino de Camaçari.

As mochilas já reproduziram um ciclo virtuoso, gerando no Axé novo curso, a que chamaram de desenvolvimento de produtos sustentáveis – também de olho na melhoria de vida de centenas de mulheres de baixa renda de Camaçari e de Salvador.

Desta forma o estímulo às cadeias produtivas sustentáveis acaba por gerar renda por meio do conhecimento e do trabalho.

Como observa Adriane Rocha “ao longo do tempo essas mulheres, com mais autoestima, passam a ter condições de criar suas próprias peças e de produzir uma renda extra”. Ao longo de 2015, por exemplo, foram dezenove mulheres envolvidas no projeto das mochilas ecossustentáveis.

GM demite trezentos em Gravataí

Cerca de trezentos metalúrgicos que retornariam ao trabalho na fábrica da General Motors em Gravataí, RS, na segunda-feira, 2, após cinco meses afastados em lay off foram dispensados pela montadora por meio de telegramas. Eles fazem parte de um grupo de oitocentos funcionários que em dezembro entraram em lay off, para ajustar a produção da fábrica à demanda do mercado.

A informação, divulgada pelo Sindicato dos Metalúrgicos de Gravataí, foi confirmada pela companhia que, em nota, afirmou que “durante o período do acordo mais da metade destes empregados retornou ao trabalho, pois a esperada recuperação do mercado, infelizmente, não aconteceu”.

A GM ainda completou: “Na realidade houve queda de mais de 26% nas vendas da indústria apenas nos primeiros quatro meses de 2016”.

O sindicato, por sua vez, rebateu o argumento da montadora: nas suas contas as vendas de Onix e Prisma, os dois modelos produzidos em Gravataí, saltaram de 27,5 mil unidades no primeiro trimestre de 2015 para 32,3 mil veículos nos primeiros três meses de 2016.

O presidente Valcir Ascari afirmou que a entidade buscará na justiça a manutenção do emprego dos demitidos com pedido de instauração de dissidio coletivo no TRT local, além de pressionar a diretoria da GM:

“Vamos ao tribunal com muito fundamento, mostrando que os motivos alegados pela montadora para demitir os trabalhadores são inconsistentes. Entendemos que não há necessidade de demitir trezentos pais e mães de família”.

O sindicalista apresentou também dados do Dieese que, segundo ele, comprovam que não há necessidade da GM demitir. Nos últimos doze meses a GM desligou cerca de oitocentos funcionários de Gravataí, dos quais 102 apenas no primeiro trimestre do ano. “Esses ajustes já seriam suficientes para manter o quadro atual, sem necessidade de novos desligamentos”.

Acordo no ABCD – Em São Caetano do Sul, onde está a principal fábrica e sede da GM no Brasil, os trabalhadores que estavam afastados tiveram o lay off prorrogado por cinco meses, com possibilidade de nova extensão por mais quatro meses. Em contrapartida os funcionários da fábrica não receberão reajuste salarial este ano, mas terão dois abonos durante o ano para compensar as perdas inflacionárias.

A GM confirmou o acordo. Em nota, afirmou ter sido “positivo, pois pode conciliar as necessidades de ajuste ao mercado em queda com o interesse dos empregados”.

Brasil e Peru antecipam livre comércio para veículos leves e picapes

Os governos de Brasil e Peru firmaram na sexta-feira, 29, Acordo de Ampliação Econômico-Comercial. Assinado em Lima, capital do país andino, pelos ministros brasileiros do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Armando Monteiro, e das Relações Exteriores, Mauro Vieira, inclui a antecipação do livre comércio de veículos leves e picapes pelos dois países, anteriormente prevista para ocorrer somente em 2019.

Para Antônio Megale, presidente da Anfavea, “o acordo de livre comércio com o Peru é uma grande notícia e representa mais um passo no sentido de ampliar os mercados internacionais para o Brasil. Vivemos uma oportunidade muito favorável para exportar e temos tecnologia e capacidade instalada para atender novos parceiros comerciais”.

Segundo o MDIC o efeito da medida é imediato. Em comunicado o ministério afirmou que “o mercado de veículos leves [peruano] representa cerca de 160 mil unidades. Hoje o Brasil participa com apenas 3% e pode, na condição de livre-comércio estabelecida, ampliar as vendas para o país andino”.

Segundo dados da Oica em 2015 o mercado total peruano fechou em 172,5 mil unidades. O melhor ano foi 2013, 201 mil unidades, mas o avanço é notável: em 2005 foram comercializadas no país apenas 23 mil veículos.

Outra oportunidade para a indústria automotiva brasileira no Peru é que os termos acertados ainda contemplam o primeiro acordo internacional de compras governamentais pelo Brasil. Isso significa que as licitações peruanas de bens e serviços passam a estar automaticamente abertas para as empresas brasileiras – que até então enfrentavam exigência de depósito prévio e outras burocracias. Uma das áreas esperadas para licitação pelo governo peruano é justamente a de transportes. Da mesma forma, agora empresas peruanas poderão participar das licitações brasileiras.

 

Honda premia melhores fornecedores

A Honda realizou na quinta-feira, 28, a 18ª. edição de seu reconhecimento anual de fornecedores. Foram 25 empresas reconhecidas em oito categorias.

Segundo a fabricante, a avaliação levou em conta critérios de qualidade, atendimento, custos, desempenho no desenvolvimento de produtos para novos modelos e preservação do meio ambiente. A montadora, em nota, afirmou que “reconhece os fornecedores que mais se destacaram no cumprimento das metas anuais, agradecendo e estimulando-os a aprimorarem os bons resultados e motivando os demais a almejarem a conquista desse reconhecimento”.

Também de acordo com a Honda, “devido à constante busca pela nacionalização de itens e aumento da competitividade o fortalecimento da parceria com os fornecedores representa, além da melhoria contínua dos produtos da marca, um círculo virtuoso de crescimento conjunto”.

Com a inauguração do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento, em 2014, na planta de Sumaré, a montadora “intensificou o investimento em capacitação técnica e comprometimento conjunto para o desenvolvimento de novas ideias e produtos que superem as expectativas dos clientes”.

Confira a lista dos vencedores:

Mercado fecha quadrimestre com recuo de 28%

Os licenciamentos de automóveis, comerciais leves, caminhões e chassis de ônibus somaram 644,2 mil unidades no primeiro quadrimestre, de acordo com dados preliminares do Renavam obtidos pela Agência AutoData. O volume foi 28% inferior ao resultado de igual período do ano passado, quando os brasileiros consumiram 893,8 mil veículos.

O quadrimestre tem volume mais baixo de veículos vendidos desde os primeiros quatro meses de 2006, quando a indústria registrou 548,8 mil licenciamentos.

Mais: somadas, as vendas de veículos de janeiro a abril não alcançam o volume de licenciamentos do primeiro trimestre do ano passado, quando foram emplacados 674,4 mil automóveis, comerciais leves, caminhões e chassis de ônibus.

Em abril foram comercializadas 162,8 mil unidades, volume 25,7% inferior ao de igual mês do ano passado, que registrou 219,4 mil emplacamentos. Com relação a março e suas 179,3 mil unidades comercializadas houve recuo de 9,2%, justificado pela menor quantidade de dias úteis – 22 em março, 20 em abril.

Dentre tantos resultados negativos, ao menos um alento: o índice médio diário de licenciamento permaneceu em 8,1 mil unidades no mês passado, estável tanto com relação a março quanto com fevereiro. Em abril de 2015 a média diária de vendas chegou a 10,9 mil unidades.

Não houve também mudanças no ranking de automóveis e comerciais leves: a General Motors manteve a liderança, seguida por Fiat e Volkswagen. A Ford permaneceu na sexta posição, atrás de Hyundai e Toyota.

Os resultados oficiais e comentários sobre o desempenho do mercado serão divulgados pela Fenabrave em coletiva à imprensa na terça-feira, 3, com cobertura completa da Agência AutoData.

Menos acidentes, mais eficiência e conforto no campo e na construção

Vivemos hoje, no Brasil, a realidade de quase duas décadas atrás na Europa e América do Norte quanto à aplicação de cabines em máquinas agrícolas e de construção. “Antes tarde do que mais tarde”, dizia um colega de trabalho. Seja pela busca de diferencial competitivo ou por força de regulamentação o fato é que a adoção do equipamento nos campos agrícolas e nas construções brasileiras representa um importante avanço. As cabines protegem a integridade física do ocupante e possibilitam a aplicação de sistemas de proteção que, para além de prevenir acidentes, podem evitar ataques químicos durante a aplicação de herbicidas.

Isso é muito bom. De acordo com estatísticas da Previdência Social de 2007 e 2013 o número de acidentes no campo, em todo o País e nas construções, bateu na casa dos 5 milhões, o que, além do prejuízo às vidas e às famílias, custou R$ 70 bilhões por ano, 8% desse montante atribuído ao setor de construção.

Não é mais possível assistir passivamente a essa situação. Felizmente, após intensos debates e reuniões do grupo de estudo formado por fabricantes e outros atores dos setores em questão, as normas técnicas foram revisadas, traduzidas e publicadas, e a regulamentação passou a exigir nas máquinas itens de proteção ao ocupante.

Por que demorou tanto? Nos países do Primeiro Mundo entende-se que para aumentar a competitividade com o retorno sobre o investimento é preciso, antes, valorizar o capital humano, proporcionando-lhe segurança e conforto no trabalho, o que resulta em produtividade e motivação. No Brasil da reação à crise a visão é a de que o uso de máquinas mais equipadas implica a elevação de custo do produto, o aumento do preço final de venda e, por consequência, a redução das margens operacionais.

Não precisa ser assim. A prática e o conhecimento para driblar os efeitos do custo adicionado, seja por melhorias no produto ou por gargalos de projeto, estão disponíveis no Brasil. Posso dizer por experiência própria que é possível adicionar valor ao produto com vantagens de redução de custo e tempo de desenvolvimento.

Atuando em uma organização 100% brasileira, detentora do primeiro centro tecnológico independente do País dedicado ao apoio de projetos de engenharia, não são poucos os cases em que, solicitados sobre soluções para problemas pontuais de produto, conseguimos reduzir consideravelmente os custos e o tempo de desenvolvimento do projeto. Isso é possível com engenharia e tecnologia de ponta, no caso das cabines aplicadas em testes de conforto térmico, avaliação de ar condicionado, vibração de mãos, braços e corpo, melhoria estrutural por simulação numérica, medição de ruído interno e ensaio de durabilidade estrutural em laboratório, simulando cargas de campo.

O mesmo vale para melhorias que abranjam projetos em seu todo. Em um case que realizamos para uma gigante global de equipamentos agrícolas as análises do processo de fabricação de máquinas resultaram em melhorias estruturais do produto, com redução de custos e prolongamento da vida útil do equipamento para além dos costumeiros quatro ou cinco anos de safras, como queriam os seus usuários.

Ainda que por força de normas regulamentadoras as cabines e as melhorias de conforto e segurança para os operadores de máquinas agrícolas e de construção no Brasil nos trazem uma saudável perspectiva de mudança. Podemos vislumbrar no futuro próximo a tão esperada competitividade no campo e no canteiro de obras, bem como a equiparação das máquinas produzidas no Brasil às normas internacionais, com possibilidades de atender outros mercados e contribuir para uma indústria nacional mais relevante.

Marcelo Gomes Anelli da Silva é gerente de tecnologia da Smarttech, de Holambra, SP

Distorções e mais distorções

Agora ninguém mais tem qualquer dúvida: o tamanho real do mercado brasileiro de veículos ainda não chega nem perto daquelas 3 milhões 802 mil unidades que foram comercializadas em 2012, suficientes para colocar o Brasil no quarto maior lugar do mundo. Na outra ponta, todavia, ninguém tem dúvida, igualmente, de que o mercado também não é tão modesto quando as pouco mais de 2 milhões de unidades que, depois de quatro anos seguidos de queda, serão registradas este ano.

Qual seria, afinal, em condições normais de temperatura e de pressão, o tamanho real deste mercado? E, por decorrência, qual poderá ser, no momento em que a curva se inverter, a velocidade com a qual se dará a retomada?

São dúvidas mais do que justificadas. Afinal desde 2008 este setor não vive um único mês, um único dia, uma única hora sem que fatores artificiais ou extraordinários impulsionem as vendas. Às vezes para cima, outras tantas para baixo. Muito para cima, ou muito para baixo.

Depois de todos estes anos são tantas e tão variadas as distorções acumuladas que restam bem poucas certezas sobre as quais se possa, hoje, apoiar qualquer tentativa mais concreta de planejamento estratégico.

Uma delas, todavia, é particularmente importante: como fatores artificiais diferentes impactaram diferentemente a realidade das vendas dos diversos segmentos que formam o setor corre muita possibilidade errar quem se atrever a projetar, no futuro, cenário único de recuperação para automóveis, caminhões e ônibus.

Muito embora todos estejam registrando quedas significativas nos últimos quatro anos as realidades que hoje cercam a vida de cada um deste segmentos são tão diferentes que forçosamente a recuperação, quando vier a acontecer, se dará em formatos e ritmos igualmente diversos.

No caso dos automóveis, por exemplo, o atual represamento das vendas pode estar criando até alguma demanda reprimida, o que sugere a possibilidade de razoável velocidade no momento em que a retomada for iniciada.

Na área de caminhões, todavia, a antecipação de compras impulsionada por crédito farto e barato num passado ainda relativamente recente gerou muita frota nova ainda sem utilização no pátio das transportadoras, o que indica possível cenário mais lento de recuperação, ao menos em seu início.

E no segmento dos ônibus, por mais que o crédito volte e a economia mostre alguma recuperação, muito pouco se conseguirá vender sem que, antes, aconteça a efetiva regulamentação do transporte rodoviário de passageiros e sem que as tarifas urbanas – que nos grandes centros permanecem praticamente as mesmas desde as manifestações populares contra o reajuste dos R$ 0,20 – voltem a espelhar a realidade do aumento dos custos das operadoras.

Vale ressaltar, contudo, que, se de um lado todos ainda têm fortes dúvidas com relação ao curto prazo há, de outro, a certeza generalizada de que, a mais médio prazo, o cenário continua positivo e promissor. O que torna aconselhável não cortar pelo menos os investimentos destinados a manter competitivos os produtos em oferta.

Nas áreas de caminhões e ônibus tanto Roberto Cortez, presidente da MAN, quanto Philipp Schiemer, presidente da Mercedes-Benz do Brasil, continuam afiançando às suas respectivas matrizes que, apesar das dificuldades de curto prazo, os fundamentos básicos do País permanecem relativamente em ordem, o que autoriza a projeção de que, resolvida a questão política, a recuperação virá firme e certa. Seria, garantem eles, apenas uma questão de tempo.

Nos automóveis, de seu lado, “a relação veículo por habitantes continua muito baixa no Brasil, mesmo com relação aos países vizinhos, o que dá a certeza de que há muito espaço, ainda, para crescimento”, diz Antônio Carlos Botelho Megale que na segunda-feira, 25, assumiu a presidência da Anfavea.

É esperar para ver. E tentar manter o sangue frio e as contas em ordem até lá – o que, convenhamos, não será nada fácil em tempos, como os atuais, de demanda fraca e muita ociosidade, tudo combinado com crédito difícil e caro. Muito difícil e muito caro.

As fraturas já começam a mostrar suas faces mais duras. No evento realizado por AutoData na semana passada, em São Paulo, para projetar as novas perspectivas do segmento de ônibus, os fabricantes de carroçarias alinharam-se às queixas que sistemistas e montadoras vêm fazendo de maneira cada vez mais recorrente: todos estão sendo obrigados a passar a importar vários componentes antes comprados localmente de pequenas e médias empresas nacionais – o ultimo reduto de pequenas e médias empresas nacionais neste setor.

Empresas nacionais que, desta vez, depois de quadro anos seguidos de queda de vendas não estão mais conseguindo superar a ausência e o alto custo do crédito. E, naquela que provavelmente seja a maior das distorções geradas por esta fase, estão simplesmente sendo forçadas a fechar suas portas.

Sindipeças: a relevância de um novo presidente.

Ele não se estranha, realmente não se estranha, na sua atual posição, a de presidente do representativo Sindipeças, o Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores. Cinquentão, poderia se dedicar à vela ou à equitação. Ou à atenção total aos negócios da família. Optou pela sua presença na entidade, que acompanha há trinta anos.

“Estar aqui, nesta posição, era, e é, importante. Basta isso.”

Ele tem plena noção da relevância dos assuntos que chegam à sua mesa, da relevância do que chega ao seu endereço eletrônico, daquilo que se anuncia por meio dos telefones. Ser presidente do Sindipeças, ele parece dizer, é algo muito, muito importante – e Dan Ioschpe tem toda a razão.

Como disse o novíssimo presidente da Anfavea, Antônio Megale, em seu discurso de posse, na noite da segunda-feira, 25 de abril, não há indústria de veículos sem a presença marcante da indústria de sistemas, componentes e autopeças – sem parafuseiros não existem carros, para recordar uma mantra de George Guimarães.

E essa indústria está numa de suas crises cíclicas, de falta de compras por desconfiança, da parte dos consumidores, com relação ao seu amanhã – neste caso, de dúvida, retrai-se.
(A este respeito talvez coubesse devida análise comparativa daquela década inteira, a trombeteada Década Perdida, a dos anos 1980, diante desses nossos anos recentíssimos.)
Principalmente a partir de 2007, mas na prática e aos poucos desde 1998, Dan Ioschpe vinha recebendo atribuições de representação do Sindipeças. O mesmo Antônio Megale, da Anfavea, não me poupou elogios ao espírito contribuinte de Dan Ioschpe, ao seu interesse em deslindar encrencas comuns aos parceiros do setor.

“Paulo [Butori] me incentivou muito a assumir minhas contribuições ao setor. Ele me concedeu atribuições crescentes, e de importância. Absorvi, eu acho, a ideia da importância da contribuição.”
Presidente do Sindipeças por 22 anos, e nem de perto um cultor do continuismo – logo ele, que durante boa parte da vida combateu a mesmice –, Paulo Butori me contou, com a liberdade de amizade de seguros trinta anos, desde sua passagem barbudinha pela Abifa, que a presença de Dan impõe confiança.

“Até parece que ninguém sofre perto dele. Claro que sim! Mas o poder de sua solidariedade é muito forte, é irradiador.”

Nesses últimos quase dez anos Dan Ioschpe diz ter aprendido algumas coisas a respeito da entidade. Uma delas é o respeito profundo diante da capacitação dos profissionais daquilo que chama de A Casa, aqueles representantes das empresas associadas que “realmente se dedicam ao bem comum espelhado pelos interesses do Sindipeças”.
(Numa linguagem pouco mais despojada são “aqueles caras que conseguem tornar viável uma estratégia, aqueles caras que não temem bolas divididas”.)

O Sindipeças tem noventa conselheiros, e coisa de quinhentas associadas. Dan Ioschpe festeja a realidade de o Sindipeças cada vez mais abrir espaços para as associadas, por meio de cursos, atividades internas, feiras, eventos – “Aqui, se você quiser trabalhar, sempre há o que fazer”.

(E começa a listar: legislação, normas, relações trabalhistas, relações com outras entidades, exportações, investimentos, financiamentos… E os comitês jurídico e fiscal, que funcionam com os profissionais d’A Casa e os profissionais contratados?)

“Acabei entendendo que há horas em que você pode, e deve, estar mais presente, em que você não pode fugir de um desafio que se desenha à sua frente há muito tempo…”
(Claro. Ele faz o elogio devido a Paulinho Butori: energia, dedicação ímpar, integração de pessoas.)

Os tempos não são mais aqueles em que o mundo brasileiro da indústria de autopeças tinha suas Jóias da Coroa, empresas de capital 100% nacional, Arteb, Cofap, Metal Leve, Sabó – esqueci alguma delas? Para ele não importa: a tarefa do Sindipeças é representar todas, todas, as suas associadas.

A integração ao mundo obedece à sua visão do ambiente globalizado que exige cruzar fronteiras, se relacionar com grandes e pequenos, principalmente quando o País busca a recuperação do mercado doméstico – a longo prazo sua agenda, a de Dan Ioschpe, é competititividade plena e integração à toda prova.

Ele, a exemplo de John Donne, quer fugir d’A Ilha. Provavelmente ilhas servem basicamente a náufragos – e todos nós os conhecemos. Ele imagina acordos, bilaterais, trilaterais, o escambau, com preferências tarifárias e que se retroalimentem, “que deveriam ser instrumentos competitivos para uma circunstância up to date”.

“A ideia é simples: menos barreiras e maior abertura ao mundo.”

O presidente Dan Ioschpe não é exatamente econômico nas palavras, mas as utiliza de maneira pouco dogmática. Acredita que o trabalho em conjunto com outras entidades do setor é algo mandatório, “pois o curto prazo é, basicamente, de dificuldades coletivas”.

Ele sabe: há uma visão construtivista dos temas, há visões específicas, há timings diferentes de como se atingir cenários estratégicos. Mas há que ir adiante.

Promover ações estruturantes

Na noite da segunda-feira, 25, a Anfavea ganhou seu décimo-oitavo presidente em 60 anos de existência, fundada que foi em 15 de maio de 1956. Cerca de quatrocentos profissionais basicamente ligados ao setor automotivo estiveram presentes à solenidade, realizada nos salões do clube Monte Líbano, em São Paulo.

Abaixo seguem trechos escolhidos do discurso de posse de Antônio Megale.

“(…) A indústria automobilística atualmente passa por um período complexo. Talvez um dos momentos mais difíceis da sua história, provocado pela crise política que tem impactado fortemente a economia do País. Depois de mais de uma década de crescimento forte e de investimentos na construção de novas fábricas, modernização das já existentes e lançamentos de novos produtos, a indústria apresenta capacidade instalada superior a 5 milhões de unidades por ano.

Contudo, temos uma capacidade ociosa de 50% na média da indústria. Em alguns segmentos, como o de veículos pesados, esta ociosidade atinge 80%.

Isso é consequência direta da queda de confiança do consumidor, que com medo do desemprego deixou de comprar. E os empresários, sem uma visão mais clara do futuro, repensam seus investimentos. Esta crise é de confiança.

Na área de máquinas, por exemplo, não existe o menor motivo para queda tão expressiva. Estamos em fase de recordes consecutivos do agronegócio, com safras que permitiram bons resultados, pois se reduções aconteceram nas cotações internacionais foram compensadas pela forte alta do dólar.

Isto preocupa em particular, pois as máquinas no campo brasileiro operam muito mais do que as norte-americanas e europeias e, portanto, desgastam mais também. O motivo é simples: aqui temos até três safras por ano. (…) Há três anos estamos com queda nas vendas de máquinas e isto vai comprometer o futuro da nossa produtividade agrícola.

Por estas razões mais do que nunca temos de aproveitar esta oportunidade para promover ações estruturantes, pois assim que esta crise passar sairemos dela muito mais preparados para o novo ciclo de crescimento.

Dentre estas ações estruturantes estão os financiamentos para aquisição de bens de capital, pois é possível, sim, agir no sentido de oferecer previsibilidade das condições e estabilidade dos recursos, pois isso facilita o planejamento de todos. Não há nada pior para uma empresa quando as regras se alteram no meio do jogo.

Nos últimos anos, por exemplo, tivemos mudanças de última hora ou demora de definições que prejudicaram o segmento de caminhões. Tivemos anos com dez meses e não com doze.

Da mesma forma precisamos nos preocupar com a melhoria do transporte urbano e rodoviário de passageiros. Precisamos de soluções técnicas e racionais para melhorar todo o sistema de locomoção das pessoas tanto nas grandes cidades quanto na interligação delas. Outras ações pelas quais continuaremos a batalhar são a inspeção veicular e o programa de sustentabilidade veicular.
Já passamos da hora de termos um programa de reciclagem contínua dos nossos veículos. Os benefícios de um programa como este englobam a redução de emissões, redução de acidentes nas vias, aumento da segurança e até melhoria na saúde pública.

Precisamos aumentar a competitividade do nosso setor. Temos de aumentar nossa produtividade. É hora de flexibilizar. É o momento de aprofundarmos o diálogo com os trabalhadores e discutir questões importantes para alcançarmos grandes conquistas, como foi o caso recente do PPE, Programa de Proteção do Emprego. Além disso precisamos lembrar que temos uma das cargas tributárias mais altas do mundo. Sabemos da importância do ajuste fiscal na economia, mas o nível de tributos está muito acima do suportável pelas empresas. Se tivéssemos uma carga tributária menor não tenho dúvida de que o principal ganhador seria o consumidor.

Em contraponto ao mercado interno estão as exportações. Vivemos hoje um momento extremamente favorável em razão do câmbio e precisamos aproveitar esta oportunidade. Por isso continuaremos, em conjunto com o governo, apoiando a busca por novos parceiros comerciais e de melhoria da nossa competitividade. Mas para atingirmos estes objetivos não basta ter montadoras fortes e consolidadas. Precisamos ter uma cadeia de valor igualmente forte.

De um lado nossas indústrias de autopeças merecem toda atenção, pois sem uma rede de fornecedores fortalecida seria inviável fabricar no Brasil. Na outra ponta precisamos dar mais atenção ao pós-venda. As concessionárias estão se reinventando e buscando novas formas de tornar viáveis seus negócios. Ao mesmo tempo os consumidores estão cada vez mais exigentes por produtos e atendimento de qualidade não só no ato da venda, mas na parte de serviços.

É pensando no fortalecimento de toda a cadeia que, com certeza, darei continuidade a uma das principais conquistas da gestão atual, que é a união das diversas entidades. Nunca tivemos tantas reuniões, encontros e conversas com os diversos elos que compõem a indústria. Com base nesta união é que daremos início às conversas para a criação de uma nova política industrial pós Inovar-Auto, que se encerra em 2017. Acredito que será uma política com muito foco na cadeia de suprimentos, eficiência energética, tecnologia, pesquisa e desenvolvimento e segurança veicular.
É hora de preparar o futuro.

Vivemos um tempo de mobilidade, no qual a vida nos grandes centros urbanos deve contemplar a integração de todos os tipos de transporte e melhorar a qualidade de vida das pessoas. A conectividade é uma demanda global e já virou realidade no nosso País. As novas tecnologias de propulsão também vieram para ficar. São diversas formas de gerar energia, desde a evolução do motor a combustão, passando pelos híbridos e elétricos, até chegar ao veículo movido a célula de combustível.

Exatamente pelo arrojo que o Brasil teve na questão das alternativas energéticas é importante lembrar que na semana passada foi assinado o COP 21, o mais ambicioso acordo climático global com a aprovação de 195 países, dos quais cerca de 170 já assinaram o protocolo que reduz nas próximas décadas o consumo de combustíveis de origem fóssil.

Neste ponto temos que lembrar do nosso etanol e do Proálcool, o programa de combustível renovável mais bem sucedido em todo o mundo. Temos que utilizar a experiência adquirida com o etanol para incluí-lo nestas novas tecnologias que são pesquisadas no mundo todo.

Como podem ver temos inúmeros desafios para resolver e vertentes para avançar. (…) É a hora de buscarmos o consenso pelos melhores caminhos a percorrer. Temos que envolver todos os setores, reunir nossas câmaras setoriais, nossas comissões internas e trabalharmos arduamente na solução de consenso de todos os entraves. Esse é o compromisso que assumo a partir de agora como presidente da Anfavea.

(…) Agora, senhoras e senhores, quero encerrar meu discurso deixando uma mensagem diferente. Sou oriundo do Interior das Minas Gerais. Nasci em Poços de Caldas. Da vida entre as montanhas surgiu o jeito mineiro de pensar, refletir, compor, escrever e filosofar. E na passagem pelas diferentes empresas de minha carreira trabalhei com executivos alemães, franceses, americanos e japoneses. Já vi, portanto, diversas opiniões e visões.

(…) Não tenho nenhuma dúvida de que a nossa indústria e o nosso Brasil têm um potencial brilhante. Não podemos analisar apenas o momento atual. Temos que olhar o todo. Somos todos brasileiros. E todos queremos apenas um Brasil melhor, com mais oportunidades, onde a indústria entregue sua contribuição contínua ao País.

Assim, termino meu discurso dizendo que o Brasil vai retomar o caminho do crescimento, do desenvolvimento da economia e da sociedade. Vamos ver os nossos produtos inseridos como parte integrante de um sistema de mobilidade que contemple todos os modais. Um sistema que faça os brasileiros sentirem orgulho de sua indústria, dos veículos aqui produzidos, da tecnologia desenvolvida por nós.

(…) Senhoras e senhores: sonhemos juntos e transformemos os nossos sonhos em realidade.”