A vida das empresas fornecedoras de peças e sistemas às montadoras não é nada fácil. Além da pressão por preços competitivos essas empresas têm de demonstrar excelência na qualidade de produto e de engenharia, fazer as entregas no conceito just in time e adaptar a programação no chão de fábrica em alinhamento com as mudanças dos programas e ordens de compra. Por outro lado o estrito seguimento dos procedimentos específicos definidos na contratação do negócio acarreta, na maior parte das vezes, o consumo de energia das pessoas da empresa fornecedora em atividades muito burocráticas representando outro grande desafio.
No Brasil o grupo de fornecedoras que atende diretamente aos OEM´s, definidos como tier 1, em sua imensa maioria é constituído por subsidiárias de empresas multinacionais com sedes nos Alemanha, Coréia do Sul, Espanha, Estados Unidos, França, Inglaterra, Itália, Japão. Logo é de supor que essas companhias tenham maior familiaridade com esse ambiente de negócios e, de certa forma, procuram seguir as melhores práticas de gestão. Essas empresas, que também dependem de outros fornecedores, muitos deles de porte médio e pequeno de capital nacional e chamados de tier 2 e até tier 3, acabam por transferir a toda a cadeia as regras impostas e exigidas no setor automotivo.
A questão é: está a empresa genuinamente brasileira acompanhando essas demandas com eficácia e ganhando dinheiro?
A resposta que tenho, sem receio de generalizar e com base em longo relacionamento com a cadeia de fornecedores, é que há enorme espaço para aperfeiçoar a gestão dos tier 2 e 3, sem dúvida. E o ponto mais crítico é a tal de excelência no chão de fábrica.
Programas e processos robustos e a construção de uma cultura organizacional focada na melhoria contínua devem compor as iniciativas às quais os fornecedores tier 2 e 3 necessitam colocar em prática visando a obter resultados que os tornem mais competitivos. Na verdade trata-se, aqui, de uma questão de sobrevivência, pois já há alguns anos países asiáticos e também do Leste Europeu passaram a desempenhar o papel de principais fontes da manufatura mundial.
Os ganhos de produtividade tão necessários para manter a competitividade da indústria advêm tanto de investimentos em automatização de processos de fabricação como da utilização de mão de obra qualificada. Então os gestores precisam investir na modernização do parque industrial e, onde necessário, capacitar pessoas que são empregadas no chão de fábrica.
Outra medida que traz real benefício à excelência na manufatura consiste em eliminar desperdícios. Desde muitas décadas os japoneses foram por esse caminho, com a identificação das sete mudas ou, como se traduz para o inglês, seven wastes. É inegável o sucesso alcançado pela indústria japonesa, certo? Seguem aqui as sete mudas:
a) transporte: desnecessários movimentos, ou viagens, de pessoas e produtos ao longo da cadeia produtiva que são provocados por lay-out pobre, complexo mecanismo de manuseio de materiais, lotes de produção superdimensionados, múltiplas localidades para armazenagem;
b) estoques: matéria prima, material em processo e produto acabado superior às necessidades do giro da operação. Essa prática gera custos de espaço físico, armazenagem, movimentação e encargos financeiros decorrentes dos financiamentos direcionados a capital de giro;
c) perdas de movimentação: movimentos de pessoas, peças e máquinas que não adicionam valor;
d) esperas: perdas ocorrem quando pessoas e materiais ficam ociosos aguardando os ciclos de produção quando esses não estão completamente sincronizados;
e) produção acima da necessidade: significando que se produz mais do que a demanda do mercado por erro na previsão, por exemplo, ou devido ao pobre suprimento dos fornecedores ou ainda porque o processo de fabricação é instável;
f) perdas por defeito: aqui se enquadram refugo gerado ao longo da fabricação, retrabalho de materiais e defeitos de produto na planta do cliente; e
g) perdas no processamento: podem ser geradas por utilização de técnicas de manufatura inadequadas e/ou especificações e tolerâncias muito apertadas.
Os gestores de unidades fabris devem trabalhar de modo estruturado para identificar as sete mudas, medi-las, tomar atitudes com envolvimento das pessoas para discutir e estabelecer mudanças – e nisso ajuda a criação de times de kaizen –, medir ao longo do tempo a eficácia das novas práticas… pode-se ter a certeza de que esse ciclo nunca se encerra: afinal o cliente pagará por seu produto na medida em que enxerga valor na proposta do fornecedor.
Em outras palavras: cliente não aceita pagar pelas ineficiências e desperdícios que possam estar acontecendo no chão da fábrica do fornecedor.
O sucesso no estabelecimento de melhores práticas no chão de fábrica e de sua eficácia depende em grande parte do empenho e do engajamento dos donos de negócio e/ou dos líderes das empresas. Portanto é vital que a causa seja abraçada por quem comanda a empresa.
Uma vez que a liderança abraça a causa cabe também cuidar da boa execução e da correção de rumo sempre que a situação exigir. O sucesso da execução depende, por outro lado, da motivação das pessoas envolvidas nas mudanças e do entendimento, da parte delas, dos benefícios trazidos para a empresa. Simples assim.
Alguns podem argumentar que a situação presente da cadeia de fornecedores de autopeças é muito difícil e frágil, com a maior parte das empresas cuidando da sobrevivência sem dispor de recursos suficientes para investimento em automação industrial, capacitação de pessoas, adoção de novos processos e programas de melhoria contínua. É um fato, e no presente momento, caracterizado pela baixa demanda em função da crise na economia nacional, o cenário está mais dramático ainda.
Mas é preciso ter um olhar de médio e longo prazos e tomar iniciativas que modifiquem as atuais práticas, modernizando o jeito como hoje cuidamos das atividades ligadas à manufatura nos diversos elos da cadeia produtiva do setor automotivo.
José Rubens Vicari é administrador de empresas pela FGV com pós-graduação em finanças. Atuou por vinte anos como CEO de empresas metalúrgicas no setor de autopeças. Mentor voluntário para empresas startups pela Endeavour. Seu blog é www.senhorgestao.com.br.