São Paulo – Mesmo se nada for feito pela indústria e pelo governo os modelos eletrificados representarão em torno de um terço das vendas de veículos leves no mercado brasileiro daqui a quinze anos. Este é o volume projetado pelo estudo da BCG, Boston Consulting Group, encomendado pela Anfavea a respeito da descarbonização do setor automotivo nacional.
Atente para a palavra descarbonização: a Anfavea não enxerga apenas na eletrificação uma solução para a redução de emissão de CO2. Considera inclusive uma alternativa, bem conhecida dos brasileiros, como a de maior potencial de geração de oportunidades para a indústria nacional: ampliar o uso de biocombustíveis na frota em paralelo à entrada dos eletrificados no mercado.
Dentro deste cenário inercial, como foi chamado pela consultoria, os brasileiros consumiriam 1,3 milhão de veículos com alguma tecnologia eletrificada em 2035, atendendo a segmentos específicos, requisitos de emissões e demandas de clientes corporativos de olho em investimentos ESG. Os segmentos de entrada e de grande volume, porém, continuariam majoritariamente equipados por motores a combustão.
“É impossível atender a esse volume apenas por meio de importação”, disse o presidente da Anfavea, Luiz Carlos Moraes, durante a apresentação do estudo na terça-feira, 10. “Temos que nos preparar para um novo ciclo de investimento. Abre-se uma enorme oportunidade para a indústria nacional, que vai precisar se transformar. E aí falo de todos os elos: pesquisa, fábricas, fornecedores e rede de concessionárias”.
O estudo da BCG apresentou três cenários para veículos leves e três para veículos pesados. Além do inercial entrou no estudo um cenário de convergência global, no qual a indústria brasileira seguiria o caminho dos demais mercados, com níveis de penetração por segmento similares aos europeus. Aí o volume dobraria: 2,5 milhões de veículos eletrificados, ou 62% do mercado, em 2035.
Ao avançar neste cenário haveria criação de mais demanda por infraestrutura. A BCG calcula ser necessário investimentos de R$ 14 bilhões até 2035, dentre carregadores e estrutura para energia. Ainda assim os veículos elétricos consumiriam apenas 1,5% da energia elétrica gerada pelo País.
Também neste cenário de convergência global pouco mudaria na necessidade de produção de combustíveis: a maior parte dos veículos rodando seriam equipados, ainda, com motores flex. “Não há um dilema de elétrico contra combustão. A frota circulante continuará demandando etanol, gasolina ou diesel”.
Já no terceiro cenário, o de protagonismo dos biocombustíveis – e que parece ser o preferido pelos dirigentes da Anfavea, embora Moraes jure que a ideia, com o estudo, é construir junto com o governo uma política para ser seguida nos próximos anos – haveria maior ganho para o meio-ambiente: redução de 15% na emissão de CO2, o equivalente a 12 milhões de toneladas.
Para chegar a essa equação é preciso ampliar o uso do etanol como combustível e trocar veículos antigos, ainda com motor apenas a gasolina, por novos com motores flex, ao mesmo tempo em que a eletrificação avance, seja pelo cenário inercial, seja pelo de convergência global.
No segmento pesado a premissa dos três cenários traçados é a mesma, mas os resultados um pouco diferentes. Em todos o motor a combustão interna a diesel seguirá dominante, portanto o maior ganho ao meio-ambiente, naturalmente, é o que indica uma maior utilização dos biocombustíveis. 15 milhões de toneladas a menos de CO2 lançados na atmosfera, ou 9% de redução.
Tanto em leves como em pesados o governo precisaria ajudar incentivando um programa de renovação de frotas. “É preciso implantar políticas que renovem a frota antiga, que polui. Se não a questão das emissões não será resolvida”.
Moraes sugeriu ainda que o Ministério da Economia desenhe uma política de tributação que olhe não apenas para a arrecadação, mas para o estímulo a tecnologias inovadoras que poluam menos. “É possível incentivar a troca por meio de desconto em impostos de carros novos, como IPVA, ou até isenção em pedágios. Na Europa foram feitas medidas assim. Ou até as medidas de restrição de circulação.”
Estudo apresentado a Anfavea começa, agora, as rodadas de conversa com as diversas esferas do governo. A intenção é definir qual caminho o Brasil quer percorrer e, assim, alinhar com as matrizes os ciclos de investimentos futuros para manter suas operações locais. A intenção da Anfavea é que o País mantenha seu protagonismo após essa que vem a ser a maior transformação da indústria automotiva desde o seu surgimento, há mais de um século. E o estudo sugere que a eletrificação faz parte do futuro, com ou sem ampliação do uso do biocombustível.
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