País olha para vizinhos só como mercado, mas precisa formar cadeias regionais de valor
São Paulo – O momento de transição de matriz energética tem exigido do setor automotivo brasileiro ações e reflexões com relação ao que produz e às relações comerciais que mantém com outros países. Uma delas é o papel que pretende desempenhar tanto no mercado sul-americano como no global.
Diretora do Departamento de Desenvolvimento da Indústria de Alta-Média Complexidade Tecnológica do MDIC, Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Margarete Gandini acredita que que o Brasil precisa identificar suas potencialidades e apostar suas fichas.
“O País tem ficado de costas para a América do Sul, sem formar cadeias regionais de valor. Tem, simplesmente, olhado a região como um mercado para vender veículos e não como um grande polo de produção que traz vantagens competitivas para uma inserção mais ativa também nas cadeias globais de valor.”
Gandini assinalou que, para tornar-se hub de desenvolvimento de tecnologia Sul-Sul é preciso começar a trabalhar projetos e a olhar os vizinhos como parceiros e não somente como mercado. E complementou que há a possibilidade de liderar a região levando outras soluções de descarbonização, sem envolver veículos a bateria, até porque a trajetória de cada um dos países é diferente e em torno de 30% do mercado mundial possui a mesma dificuldade do Brasil para colocar em prática a eletrificação.
Um dos desafios é buscar liderança no diferencial e criar portfolio que possibilite ampla descarbonização:
“Não temos o custo de produção da China. Não somos reconhecidos como tecnologia de ponta, como Alemanha e Estados Unidos. O nosso diferencial é a pegada verde. Somos bons em alguns segmentos de sistemas de transporte, fornecemos para toda a América do Sul e precisamos retomar essa força. Somos bons fabricantes de caminhões, eles são up to date com o que é produzido nas matrizes. Também nos destacamos em eletrônica embarcada. Esses são pontos que precisamos ter no plano de exportação. Para focar no que podemos ser competitivos”.
Margarete Gandini, diretora do Departamento de Desenvolvimento da Indústria de Alta-Média Complexidade Tecnológica do MDIC
Fabricantes de motores apostam no diferencial do biocombustível
Fabricantes de motor a diesel estão atentos a esta tendência não somente para conferir sobrevida ao seu produto mas para que, a partir de melhorias e adaptações visando ao menor volume de emissões de poluentes, possam se tornar protagonistas em localidades onde, assim como o Brasil, a eletrificação será apenas uma das opções disponíveis.
“O Brasil tem oportunidade como matriz energética de biocombustíveis mais competitiva e colocando o País em condição de protagonista e não como seguidor do elétrico. Temos condição ímpares para de ser protagonistas do biocombustível”, disse Thomas Puschel, diretor da unidade de negócios e marketing da MWM Motores e Geradores. Ele contou que a companhia possui vários projetos em andamento, tanto do Rota 2030 como de projetos internos envolvendo o uso de etanol, biometano, biogás, biodiesel. “Estamos fortes em sistemas de combustível. Esta é característica que o mercado brasileiro traz e nele somos referência. O Brasil se destacou frente a mercados que não se homologaram, então temos vantagem competitiva global.”
Presidente da FPT Industrial para a América do Sul Marco Rangel, que partilha do pensamento, pontuou que característica das fabricantes de motores no Brasil é a flexibilidade demandada, uma vez que em cada país vigora uma regra para as emissões, e que um dos grandes desafios regionais é não ter uma harmonização da legislação para todos eles.
“Hoje introduzimos Euro 6 no Brasil, estamos com Euro 5 na Argentina, em cada país da região é de um jeito. Isso gera diversidade de produtos que temos de administrar com engenharia local, tropicalização e gestão.”
Rangel disse que esta característica acabou trazendo habilidade extra à produção e ampliando a competitividade local. Puschel concordou e contou que, como efeito colateral desta adaptação, atualmente muitas referências globais de desenvolvimento tecnológico são inspiradas no que é feito no Brasil: “Nossas plantas não agradecem. Mas quando falamos de combustíveis alternativos e combustão mecânica homologada tivemos desenvolvimento”.
Trata-se, de acordo com Rangel, de oportunidade de o Brasil se tornar base de exportação para mercados emergentes que ainda estão defasados em alguns segmentos, “o que consideramos mercados mais maduros como Europa, que está indo para Euro 7, e Estados Unidos com suas nomenclaturas específicas”.
E, de acordo dados apresentados por Margarete Gandini, do MDIC, a exportação brasileira perdeu muito espaço nos últimos anos: “Chegamos a ter 30% do volume exportado. Hoje, na média, são 15%. O que causa grande dependência do mercado externo”.
Segundo ela o governo está atento a isso, disposto a contribuir com a melhora desse movimento, o que pode ser feito com a aprovação da reforma tributária: “É preciso diminuir resíduos tributários na cadeia, o que onera sobremaneira as exportações. O acúmulo de crédito tributário também representa custo para grandes empresas internacionais, que passados dois anos precisam lançar esses valores como perdas”.