Cláusulas importantes, como as exclusividades de marca e de territorialidade, foram colocadas em xeque por, em tese, descumprir preceitos fundamentais da Constituição
São Paulo – A PGR, Procuradoria-Geral da República, entrou com uma ADPF, arguição de descumprimento de preceito fundamental, para questionar no STF, Supremo Tribunal Federal, alguns termos da Lei 6 729/79, alterada pela Lei 8 132/90, mais conhecida como Lei Renato Ferrari, que regulamenta a relação comercial das montadoras com o setor de distribuição. Dentre os artigos questionados estão aqueles que garantem a cláusula de exclusividade, e impedem que no mesmo local sejam vendidos veículos produzidos por outras empresas, e a da exclusividade territorial, que estabelece os limites geográficos para a atuação de uma determinada concessionária.
Há ainda questionamentos com relação à manutenção de estoque e sobre cotas de compras de peças e veículos. A PGR enxerga que “a política industrial e comercial automotiva implementada pela lei intervém indevidamente na economia e viola princípios constitucionais como o da livre concorrência, da defesa do consumidor e da repressão ao abuso de poder econômico”.
Em suma a ação da PGR ataca justamente os pilares que fundamentam a Lei Renato Ferrari e as relações das montadoras com as concessionárias. Para Orlando Merluzzi, sócio-gestor da MA8, a derrubada da lei seria ruim para o setor automotivo nacional.
“Os grupos concessionários precisam investir, e investem, muito para garantir qualidade e bom atendimento ao consumidor. A derrubada destas cláusulas não seria boa para ninguém e permitiria a entrada de aventureiros, sem a mesma qualidade e o mesmo comprometimento com a marca”.
Com a queda da cláusula territorial, por exemplo, grandes grupos evitariam investir em concessionárias com o receio de que do outro lado da rua uma outra revenda, sem o compromisso com a qualidade, garantia e estoque de peças, seja aberta.
Segundo o consultor existe a falsa impressão de que derrubando estas cláusulas os preços dos veículos também cairiam: “Ao contrário eles ficariam mais caros. E com o risco de não ter a mesma qualidade, em especial no pós-venda, com o risco de peças de procedência duvidosa. O sistema de representação comercial não funciona para o setor automotivo brasileiro. Quem investiria, por exemplo, em concessionárias em áreas não tão atrativas? A falta de regras faria com que os investimentos se concentrassem em cidades grandes e deixaria alguns locais desassistidos”.
Para Merluzzi as concessionárias brasileiras são aliadas das montadoras e possuem a expertise das vendas: “Em alguns locais, por exemplo, eles facilitam a vida do comprador. Aceitam o parcelamento de parte da entrada no cartão, admitem animais ou outros veículos como parte de pagamento, dentre outros relacionamentos comerciais que as montadoras não conseguiriam fazer”.
O consultor admite, porém, que a lei, que este ano completará 45 anos, precisa ser atualizada: “Em especial com o surgimento da tecnologia na relação das concessionárias com as montadoras. Alguns pontos deveriam ser modernizados, mas ela é fundamental para o setor”.
A ADPF 1 106 tem como relator o ministro Édson Fachin, que recebeu a ação no início do ano. Não há prazo para sua apreciação nem previsão de tramitação. Procurada pela reportagem a Anfavea afirmou ainda estar em fase de diálogo com todos os atores e não tem posicionamento oficial. Não houve, ainda, contato com o governo.
A Fenabrave não respondeu até a publicação da reportagem.