Executivas falam da importância de ocupar seu espaço dentro da corporação com base no conhecimento e na experiência adquiridos como chave para o crescimento profissional
São Paulo – Pouco a pouco profissionais do gênero feminino vão galgando posições dentro de empresas do setor automotivo e conquistando funções de destaque não somente regionais mas globais. Isto tem ocorrido, também, em multinacionais da cadeia de suprimento.
É o caso das profissionais Renata Costa Silva, vice-presidente global de marketing e comunicação para o aftermarket da Schaeffler, dona das marcas LuK, INA e FAG, e Camila Rocha, gerente global de shows e eventos de aftermarket da Phinia, que nasceu da cisão da BorgWarner para dedicar-se ao mercado de reposição e detém as marcas Delphi, Delco Remy e Hartridge.
Embora tenham histórias de vida diferentes possuem muitos pontos em comum na trajetória que as levou aos atuais cargos. Um deles, por exemplo, é que ambas aprenderam inglês, ferramenta primordial para o seu dia a dia, de forma autodidata, a partir de leituras, busca em dicionários e tradução de letras de música e filmes ainda na adolescência.
O mesmo ocorreu com o espanhol, uma vez que antes de assumirem posições globais passaram pelo desafio de encabeçar suas áreas na América do Sul. E agora as duas, coincidentemente, desafiam-se a aprender alemão. Silva por estar morando há oito meses nos arredores de Frankfurt com seu marido e filho de 9 anos – além de compreender e lidar melhor com a burocracia local. Rocha, casada, sem filhos e residindo em Piracicaba, SP, desde 2015, por considerar que a ajudará a se comunicar melhor com a operação alemã, ainda que a matriz de sua empresa seja estadunidense.
Elas tiveram de ocupar seu espaço dentro do próprio ambiente de trabalho
As duas executivas foram uníssonas quanto à importância de manter o foco e se posicionar de forma correspondente à sua atribuição dentro da corporação, com firmeza, a fim de conquistar respeito e driblar eventuais ações que demonstrem qualquer tipo de preconceito.
“Eu não sou uma pessoa que recua. Em reuniões de gerência ou diretoria, seja no Brasil ou no Exterior, em situações que poderiam me deixar acuada, penso: eu sou a especialista de marketing, sei o que estou falando. Eu ocupo meu espaço”, disse a vice-presidente global da Schaeffler.
Costa Silva contou que busca estar preparada para essas ocasiões a fim de ter propriedade no que será apresentado. Formada em jornalismo pela Uniso, de Sorocaba, SP, cursou MBA em marketing na Esamc e se pós-graduou em gestão, comunicação e relações públicas na USP:
“Fiz tudo de forma estratégica, ainda que não houvesse possibilidades concretas de promoção. Sempre fui certa dos próximos passos que gostaria de trilhar dentro da empresa, queria ser gerente, diretora… para quando houvesse qualquer possibilidade, ainda que remota, eu conseguisse me aplicar a ela, e aqui estou”.
Sua escalada na carreira começou quando, como coordenadora de marketing, voltou da licença maternidade, após seis meses em casa, no fim de 2014 para o início de 2015. Seu então chefe havia pedido demissão e ela lamentou ter perdido a possibilidade pelo fato de estar afastada, mas para sua surpresa ninguém havia ocupado o posto e o processo seletivo, aberto inclusive para fora da companhia, foi iniciado um mês após o seu retorno.
Foi quando se tornou chefe de marketing e comunicação para a América do Sul, fez sua primeira viagem à Alemanha para participar de reuniões, deixou Pedro, ainda bebê, no Brasil e passou a responder ao presidente de aftermarket. Em 2020, em meio à pandemia, foi promovida a gerente e assumiu também o México, onde estruturou departamento de comunicação, inicialmente, à distância. E em 2023 recebeu o convite para assumir a vice-presidência global e passou a reportar ao presidente global de vendas e marketing.
Camila Rocha, gerente global de shows e eventos de aftermarket da Phinia: “Ninguém tem o direito de te diminuir”. Foto: Divulgação.
Jovens, executivas construíram carreira em uma só companhia
Outro ponto em comum é que ambas fizeram carreira nas empresas praticamente desde os tempos de faculdade e são jovens: Renata Costa Silva tem 40 anos, sendo dezessete na empresa e, Rocha, 33, com doze na companhia. Ou seja: além da questão de gênero desafio adicional foi driblar prejulgamentos e mostrar o que as colocou em suas cadeiras atuais, como conhecimento – inclusive de suas capacidades, especialização e domínio do produto da empresa.
Rocha ingressou estagiária e passou a assistente na Delphi em São Caetano do Sul, SP, e em 2015, com a transferência da unidade para Piracicaba, SP, mudou-se também. Tornou-se analista, coordenadora, supervisora, manteve o cargo na incorporação pela BorgWarner, chegou à gerência de marketing e desenvolvimento de produto e, com a cisão e a criação da Phinia, assumiu sua posição atual.
Ela lembrou, ao longo do seu percurso profissional, das diversas vezes em que teve de respirar fundo ao entrar em uma sala repleta de pessoas mais experientes e também de homens, em que sentia como se os presentes perguntassem mentalmente: será que ela sabe do que está falando?
“Pensava que eles tinham que dar uma oportunidade ao que tinha que lhes apresentar pois, afinal, detenho conhecimento técnico, me especializei, domino informações do produto que fabricamos e vendemos. Foi preciso conquistar este espaço dentro do nosso próprio ambiente de trabalho. E infelizmente não podemos demonstrar fragilidade nesses momentos.”
Formada em publicidade e propaganda na USCS, Universidade Municipal de São Caetano do Sul, e pós-graduada em marketing pela ESPM, a gerente global da Phinia contou que tem lidado com desafio adicional desde meados do ano passado, quando foi promovida.
Profissionais avaliam que cultura brasileira pesou a favor em integração no Exterior
Embora não viva no Exterior, uma vez que o Brasil possui horários e distâncias mais compatíveis com os das unidades da companhia mundo afora, ela responde ao diretor global de comunicação e marketing, de origem inglesa, e viaja com frequência a Estados Unidos, Alemanha, China, Japão e Índia, onde possui interfaces locais para elaborar planos de como apresentar o produto a clientes.
“Não conhecia nada do mercado indiano, por exemplo, onde a equipe ainda é 100% masculina. Então pesquiso muito, leio, ouço podcasts a fim de conhecer melhor os hábitos e cultura locais. Sigo humilde e muito disposta a aprender.”
Ela relatou situação curiosa na China, país mais desafiador, em sua avaliação, em que foi orientada a cobrir tatuagens e a retirar alargador da orelha para não chocar os clientes mais tradicionais.
“Mas mantive a minha essência, confiei no meu trabalho e fui assim mesmo. É o que digo: se estiver com medo vá com medo mesmo. Só esteja preparada. A parte boa é que com o jeitinho brasileiro, descontraído, fácil de se adaptar, para tudo dá-se um jeito e tende a conquistar as pessoas.”
Renata Costa Silva também acabou beneficiando-se de características culturais brasileiras para melhor interagir com sua equipe de vinte profissionais e também com suas interfaces nas regiões das Américas, Europa, Ásia Pacífico e China, em que o guarda-chuva é estendido a 170 unidades.
“Quando cheguei queria conhecê-los melhor, achei que isso facilitaria nossa adaptação. Então comecei a perguntar como tinha sido o fim de semana, me desculpando, antecipadamente, caso tivesse sido intrometida, mas que isso no Brasil era comum e que costumava criar laços com as pessoas.”
Ela relatou que, passado um choque inicial, os profissionais sentiram-se à vontade para mostrar fotos, inclusive de filhos e animais de estimação, e esta troca estabeleceu ambiente de empatia, principalmente com as outras mães, e trouxe um sentimento de família.
“Esse espírito de integração eu levo para as outras localidades em que a Schaeffler possui fábrica. Meu objetivo é promover uma unidade global, com projetos colaborativos. Pelo fato de as culturas serem diferentes isso só tem a agregar. Por exemplo: o que a Índia faz de interessante pode ser aplicado no Brasil.”
Ambas foram inspiradas e estimuladas por seus pais a ingressarem no setor
Mais um fator compartilhado pelas duas foi a inspiração em seus pais, que fizeram carreira no setor automotivo e estimularam o ingresso de suas filhas em empresas do ramo. O de Rocha na Volkswagen, em São Bernardo do Campo, SP. O de Costa Silva na LuK, posteriormente incorporada à Schaeffler.
Mulheres e jovens as duas executivas trabalham para que seja aberto cada vez mais espaço em suas companhias para que profissionais do gênero feminino possam ocupar, de forma gradativa e exponencial, cargos de liderança. Costa Silva ministrou aulas no programa Formare para ajudar a qualificar meninas para este mercado de trabalho, e Rocha exerce trabalho de mentoria também para ajudá-las no processo de educação.
“Algo que falo sempre, e para todos, independentemente do sexo, é que ninguém tem o direito de te diminuir”, disse, referindo-se ao fato de que o respeito vale para todos, assim como as oportunidades. Afinal, este é o caminho para que haja cada vez mais equidade não só na indústria automobilística mas em todo o mercado de trabalho.