Empresas do setor passam por dificuldades para atrair e manter mão de obra qualificada em tempos de geração Z e automação, aponta estudo da Robert Half
São Paulo — O avanço tecnológico estabeleceu dilema relacionado à mão de obra no setor de veículos: a que está disponível nem sempre atende às novas demandas ou busca o posto, e a qualificada às funções são escassas e disputadas também por outros setores, por vezes mais atrativos financeiramente. Este momento que a indústria atravessa levou a Robert Half, consultoria especializada em recrutamento, a estruturar o Panorama Setorial Automotivo 2025.
Apresentado em primeira mão à Agência AutoData o estudo busca trazer informações e sugestões sobre como as empresas podem se adequar ao cenário e superar os desafios. Segundo Caio Rodrigues, especialista em recrutamento da Robert Half, o cenário atual do setor está relacionado não somente à intrínseca automação como ao histórico dos últimos quinze anos.
“As montadoras colocam os projetos de veículos, muitos deles agora relacionados à eletrificação, hibridização, novas plataformas de motor e tecnologias embarcadas nos veículos, acionam a cadeia toda, e o que temos visto é uma grande mudança no perfil que elas procuram. Temos tido problema de trazer esses trabalhadores com novas habilidades e competências exigidos pelas empresas.”
O mesmo vale para mão de obra tradicional, disse Rodrigues. O mercado global mudou muito e, inclusive, o perfil de consumidor é outro: “As pessoas têm comprado menos carros, o que faz com que as montadoras e os sistemistas precisem reinventar um pouco a forma de produzir veículos, de se conectar mais com esses consumidores e a se colocarem como empresas de mobilidade”.
Por um lado a indústria tradicional segue precisando de funcionários para o chão de fábrica, o que mantém oportunidades para operadores de máquinas, empilhadeiras, de logística e analistas de produção. Por outro a geração Z, dos nascidos de 1997 a 2012, busca empregos que estão conectados com tecnologia, enxerga o mundo por meio de um smartphone.
“Eles entendem que a carreira no chão de fábrica talvez não seja a melhor, e em alguns casos a veem como algo temporário. Não à toa há alta rotação nestas áreas. A própria proposta de valor da carreira dentro da montadora, de vinte, trinta anos, já não tem o mesmo peso que antigamente.”
Este pensamento torna desafiadora a atração às fábricas mesmo em posições convencionais, assim como a retenção da mão de obra. É aí que se reforça a necessidade de engajamento à nova geração por meio de planos que vão além de bater o ponto e entregar a meta de produção: “É preciso pensar um pouco mais em como construir uma carreira que faça sentido, dar essa sensação de movimento, de projeto, de conexão com tecnologia”.
Outro ponto sensível abordado no estudo é a dificuldade de transferir conhecimento das gerações que estão há décadas na mesma companhia. Estes trabalhadores estão se aposentando e, com eles, o conhecimento do processo fabril. Até porque o perfil de maquinário mudou mas ainda há equipamentos de quarenta anos em operação, e o ensino técnico foca nas novas tecnologias.
O acesso à informação, inclusive aos salários, está mais factível, diferentemente de anos atrás, portanto, é mais fácil para o profissional escolher em qual setor trabalhar.
“Hoje uma pessoa que está no automotivo tem conhecimento de outros pacotes de remuneração, consegue observar, por exemplo, que no óleo e gás ou na mineração são ofertados múltiplos de bônus no fim do ano muito melhores, apesar das atraentes PLRs. As indústrias farmacêutica e alimentícia também têm feito frente, com boas ofertas.”
Caio Rodrigues, especialista em recrutamento da Robert Half no ABC Paulista. Foto: Divulgação.
Empresas do setor tendem a apostar mais em capacitação interna
Rodrigues contou que as empresas têm demandado maior orientação e que a capacitação e o desenvolvimento interno têm surgido como o caminho mais eficiente de se desenvolver mão de obra e qualificar dentro de casa . O fato de a nova geração ser mais questionadora e ouvir menos desaforos também são ganhos importantes ao ambiente de trabalho, apontou o especialista.
“Vemos muito o viés de que o crescimento profissional está atrelado a uma boa comunicação, ao equilíbrio da vida na empresa e a pessoal. Então a construção de um bom ambiente, com valores sólidos, também está muito conectado a planos de retenção.”
Apesar das instabilidades vivenciadas o especialista acredita que a indústria automotiva tem muita resiliência, mesmo com certa sensibilidade por estar exposta ao consumidor: “O setor está passando por reestruturação e transformação. Mas eu não vejo que não sairá mais forte disso, é muito resiliente. E tem capital humano e tecnológico muito fortes”.
Rodrigues entende que, como resposta natural ao avanço da automatização há enxugamento de vagas, assim como postos com maior valor agregado: “Eu deixo de demandar um operador, mas preciso que ele se capacite para trabalhar com automação. Hoje falamos muito de profissões mais multidisciplinares e generalistas. Então é preciso dar também esta mobilidade para que os profissionais se atualizem para outras áreas dentro da empresa”.
Profissões com protagonismo no setor
Há posições que são bem particulares do mundo automotivo brasileiro, um dos poucos segmentos que realmente colocam estes profissionais para se desenvolverem no Brasil, seja engenheiro de produto, de P&D ou de simulação, ressaltou o especialista da Robert Half. Na área tecnológica há espaço aos desenvolvedores, engenheiros de software embarcado, de hardware, de testes, de inteligência artificial.
No chão de fábrica o engenheiro de automação está muito conectado a mecânicos e a profissionais de manutenção. E, na área financeira, a tendências macro, não necessariamente para o automotivo, dada a pressão por redução de custos e até para capturar oportunidade, o que por vezes exige mudança de fornecedor, há viés forte com o ambiente de controladoria e contábil e tributário. Isto atrelado à posição de compras. Postos de analista sênior, coordenador especialista e gerente deverão ser mais demandados.