PARA ASSINANTES: Em torno de 1,5 mil ônibus elétricos circulam pelas ruas da capital colombiana, um sistema de transporte que é exemplo na América Latina
Bogotá, Colômbia – As casas sem reboco na subida do morro indicam que o bairro, afastado do Centro, reúne moradores mais simples, com infraestrutura que deixa a desejar ao comparar com os locais habitados por gente endinheirada, como é comum em quase todas as cidades da América Latina. Bogotá, Capital da Colômbia, pouco difere de São Paulo com relação à má distribuição de renda, ao trânsito caótico e a qualidade do ar. No entanto, sua administração soube iniciar uma transição bem-sucedida para a eletrificação de seu sistema de transporte público.
A Transmilenium, uma sociedade pública do distrito de Bogotá, referência no transporte público na América do Sul, tem circulando pela cidade em torno de 1,5 mil ônibus elétricos, parte de uma renovação iniciada em 2022 e que seguirá pelos próximos anos, em futuras licitações para as quais as fabricantes de ônibus estão com os olhos atentos.
No topo da ladeira com as casas sem reboco, igrejas evangélicas e comércios simples está a garagem da operadora La Rolita. Nela 183 ônibus 100% elétricos com chassi BYD e carroceria Busscar passam a noite sendo recarregados. Todos ao mesmo tempo.
A garagem da La Rolita derruba um dos mitos que surgiu diante do processo de renovação de frota da Capital paulista, cuja Prefeitura, no ano passado, anunciou a intenção de adquirir 2,5 mil ônibus elétricos até o fim de 2024: o de que não é possível gerar a eletricidade necessária para recarregar tantos veículos ao mesmo tempo em áreas longe das regiões centrais. A operadora de energia elétrica de Bogotá é a mesma Enel de São Paulo.
É preciso, porém, planejar e investir. Foi o que fez a VG Mobilty, empresa de mobilidade urbana que adquiriu os ônibus, montou a infraestrutura e concedeu a operação para a La Rolita, empresa da qual a Transmilenium detém participação. O modelo complexo de negócio tornou viável a ampliação do alcance do transporte público aos habitantes de Bogotá, pois parte da circulação dos novos ônibus elétricos é feita em bairros onde a Transmilenium ainda não chegava.
Sistema de carregamento aéreo
Os ônibus começam a chegar à garagem às 21h00. Das 23h00 até as 3h00 todas as estações de recarga de La Rolita estão ocupadas por um ônibus, que pode levar até sete horas para ser recarregado. Caso esteja sozinho no sistema sua carga leva uma hora e meia.
A garagem foi projetada para a operação 100% elétrica. As 183 vagas de ônibus dispõem de uma mangueira para serem conectadas aos ônibus que ali dormem. Esta mangueira está integrada a um dispensador que, por sua vez, recebe a energia do que eles chamam de supercarregador, com 8,4 mW. São 21 supercarregadores e 93 dispensadores, alimentados por uma subestação de 34,5 kW dedicada à recarga dos ônibus. E independente da rede elétrica usada pela garagem para iluminação e outros processos.
Foi assim que La Rolita se estruturou para garantir que todos os ônibus estejam carregados todos os dias pela manhã, quando saem para cumprir seus trajetos na Transmilenium. Com chassi BYD importado da China e carroceria Busscar produzida localmente, em Pereira, têm autonomia de até 280 quilômetros e chegam com cerca de 30% da bateria após um dia de operação.
Toda essa estrutura foi colocada de pé em dezoito meses. Os primeiros ônibus começaram a circular em setembro de 2022 e, desde então, a operação segue sem imprevistos. Além da energia vinda de Bogotá existe uma estrutura reserva, ligada a Soacha, de quem La Rolita é vizinha. Assim, se faltar energia em uma é possível ativar o plano B.
A operação é considerada exemplo para a Transmilenium. Sebastian Saenz, líder de infraestrutura de La Rolita, afirmou com orgulho que 60% das motoristas dos ônibus são do sexo feminino.
“E eles não fazem barulho, o que colabora com a qualidade de vida dos motoristas e dos vizinhos, que podem dormir sossegados na madrugada sem o barulho de ônibus com motor diesel entrando e saindo da garagem.”
Existe até uma horta comunitária, compartilhada com a comunidade que vive ao redor da garagem. Saenz calcula que os 183 ônibus de La Rolita evitam a emissão de 6 mil toneladas de CO2 por ano.
A maior da América Latina
A alguns quilômetros de La Rolita, também em local com terrenos mais em conta, está a Green Móvil. Ocupando área de 40 mil m² é, segundo a Transmilenium, a maior garagem de ônibus elétrico da América Latina e da Europa: são 406 ônibus 100% elétricos.
Também são todos chassis BYD, produzidos na China, mas com carroceria Marcopolo, montada pela Superpolo, joint-venture da caxiense Marcopolo com a colombiana Fanalca. Para a estrutura, cuja operação não requer o carregamento de todos os ônibus ao mesmo tempo, foram investidos US$ 20 milhões.
Diferente da La Rolita o sistema de carregamento escolhido não foi o aéreo. A estrutura está toda no chão, da forma mais usual, com as mangueiras saindo dos dispensadores para serem conectadas aos veículos. É mais parecido com um grande hub de recarga para ônibus.
Na Green Móvil são 111 supercarregadores com 381 dispensadores. Como são muitos ônibus não existe momento em que todos estão sendo recarregados ao mesmo tempo. O tempo de recarga varia de uma hora e meia a duas horas e meia.
Toda a energia consumida, suficiente para abastecer um município de 200 mil pessoas, é comprada no mercado livre de energia colombiano a taxas inferiores às aplicadas na geração comum. Os preços são negociados com a Enel e a Terpel, segundo Jimmy Daza, diretor de operações da Green Móvil.
Ele conta que a construção de toda a estrutura, que envolveu preparação também de segurança com um complexo sistema de combate ao incêndio, demorou um ano. Em abril de 2022 os primeiros ônibus começaram a circular por Bogotá. “Hoje transportamos, em catorze rotas, de 60 mil a 70 mil passageiros”.
Contratos de quinze anos
Para dar sequência ao seu plano de descarbonização, idealizado pouco antes do início da pandemia, a Transmilenium mexeu em seu plano de contratação. Enquanto os ônibus a diesel ou GNV podem operar por dez anos para os elétricos o contrato foi estendido para quinze anos.
Hoje são dez pátios com ônibus 100% elétricos, que já representam 14% de toda a frota circulante de Bogotá. A operação dos elétricos é carbono neutro, com a energia provinda de fontes renováveis – na Colômbia 80% da energia vem de fonte hídrica, 15% térmica e 5% das demais, como solar e eólica. As garagens começam a instalar painéis fotovoltaicos para gerar energia limpa para a operação.
O próximo passo, contou Deizy Rodriguez, diretora de planejamento da Transmilenium, é incorporar modelos articulados elétricos ao sistema. Licitações, com cerca de 3 mil ônibus, deverão ocorrer nos próximos anos e diversas empresas, como Volvo, Scania e a própria BYD, além de outras chinesas como a Yuton, estão de olho.
“Com a primeira etapa e a incorporação destes 1,5 mil ônibus passamos a deixar de enviar à atmosfera 94,3 mil toneladas de CO2 por ano.”
Ônibus é a parte mais fácil
Em São Paulo segue o imbróglio. Quem acompanhou o Seminário Megatendências 2024, organizado por AutoData em março, foi informado que a infraestrutura é o maior gargalo para o avanço da eletrificação no transporte público de passageiros no País. Mas, se em Bogotá funcionou, porque na maior cidade da América Latina existem empecilhos?
A Enel, que distribui a energia para a Capital paulista, disse precisar de até quinze meses para instalar infraestrutura de alta voltagem, o que está dentro do prazo de construção de uma garagem que a Agência AutoData visitou na Capital colombiana. Outro fator que trava é o investimento, que pode variar de R$ 50 milhões a R$ 100 milhões.
De todo modo a Prefeitura de São Paulo está disposta a seguir adiante com seu plano e conseguiu os financiamentos para que os operadores troquem seus ônibus e até arcará com parte do investimento nos veículos. Mas as garagens deverão investir em sua infraestrutura.
Diante de toda essa situação Bruno Paiva, diretor da divisão de ônibus elétricos da BYD, afirmou: “O ônibus é a parte mais fácil de todo o processo”.
Para finalizar: a tarifa em Bogotá é de 2 mil 950 pesos colombianos, o equivalente a cerca de R$ 4,00. Ou 10% abaixo da tarifa cobrada em São Paulo.