EXCLUSIVO PARA ASSINANTES: Equipe liderada por Marcos Passos dá suporte principalmente para ações nos Estados Unidos para colocar nas ruas veículos com motor a combustão movido a hidrogênio
São Paulo – A engenharia brasileira da Phinia, de Piracicaba, SP, possui participação ativa no projeto global de desenvolvimento de solução que permita a um veículo a combustão rodar com hidrogênio. Na Europa três vans da companhia estão em testes e uma quarta está sendo construída nos Estados Unidos. O plano é aprimorar o sistema enquanto divulga o uso do hidrogênio como solução eficaz para a descarbonização.
Dos trinta engenheiros que trabalham em Piracicaba três estão envolvidos com a iniciativa. Globalmente são cerca de quatrocentos profissionais trabalhando no desenvolvimento de softwares, sistemas, calibrações e produtos dedicados ao sistema de gerenciamento de motor que inclui o hidrogênio. Vinte deles estão nas Américas, o que engloba Estados Unidos, México e Brasil.
Com a proposta de colocar na rua motor a combustão que rode com hidrogênio a Phinia desenvolveu sistema de injeção responsável pela queima do hidrogênio durante o processo de combustão. Marcos Passos, seu gerente de engenharia de desenvolvimento de produtos e sistemas, afirmou que a estrutura é similar a de um motor tradicional, a gasolina ou etanol, com vela e bobina de ignição.
A diferença é o hidrogênio, o menor elemento químico da tabela periódica, não ter cor nem cheiro e ser altamente inflamável. E é aí que mora o perigo. E requer a inteligência da Phinia para tornar a tecnologia viável.
“Por isto precisamos tomar alguns cuidados. Por exemplo: o aço por onde vai passar o hidrogênio tem de ser um produto especial da indústria, chamado de aço marinho. Como ele é muito pequenininho pode entrar nas estruturas químicas dos materiais comuns e danificá-las. O aço pode ficar poroso, o que poderá permitir vazamento indesejável de hidrogênio. Então o corpo do injetor, a tubulação e a linha de combustível, todo o caminho percorrido pelo hidrogênio, precisa ser de aço especial.”
De forma similar ao que acontece com os veículos flex, especialmente quando abastecido com etanol e partindo em temperaturas mais baixas, em que certa quantidade de combustível pode descer pela lateral dos pistões em direção ao cárter de óleo – e que lá fica armazenada sem maiores problemas podendo inclusive evaporar e voltar a ser queimada pela câmara de combustão –, no caso do hidrogênio ponto de atenção está no risco de pegar fogo.
“Pode haver uma explosão, eventualmente, dependendo da quantidade acumulada naquela parte de baixo do pistão, que culmina no cárter de óleo. Para evitar que este hidrogênio se acumule é preciso que ele seja dotado de sistema de ventilação contínua, a fim de não haver resquícios.”
A outra forma de uso do hidrogênio no setor automotivo, que utiliza células de combustível e é adotada pelo Toyota Mirai e pelo Hyundai Nexus, requer um hidrogênio com porcentual de pureza muito grande, se não a célula se degrada rapidamente, envelhece e traz problemas, disse Passos. Neste caso o hidrogênio é injetado em tanques similares ao do gás natural, entra na célula de combustível, une-se ao oxigênio e é feita reação química a fim de gerar eletricidade, o que permite que o carro elimine apenas vapor d’água. Essa eletricidade é canalizada para uma bateria menor do que a de um veículo elétrico e alimenta o motor.
No mecanismo desenvolvido pela Phinia o hidrogênio não precisa ser tão puro assim, segundo o executivo: “A indústria está caminhando para desenvolver um hidrogênio nestas condições, creio que será até mais barato, porque não precisa ficar purificando tanto. E o fato de ser mais sujinho até contribui, pois acaba sendo lubrificante”.
Em razão disto há outro sistema necessário que pingue uma gota de óleo a cada dez horas de uso para que ele reforce a lubrificação do corpo do injetor: “Fisicamente a estrutura é basicamente a mesma do carro a combustão, a não ser pelos tanques que armazenarão o hidrogênio”.
Equipe brasileira tem missão apoiar a dos Estados Unidos
Tudo isso é controlado por meio do sistema de gerenciamento de motor, módulos de controle eletrônico que ajudam a gerenciá-lo – e é onde entra a equipe brasileira de engenheiros. Em Piracicaba há uma bancada montada por eles com um computador e alguns injetores.
“Tenho acompanhado as atividades práticas em laboratórios dos Estados Unidos, como responsável para contribuir com que elas sigam em frente sem grandes dificuldades técnicas. E quando eu esbarro em algum percalço entro em contato com a Europa, com os outros especialistas globais, que ajudam também.”
O executivo contou que lá há dinamômetros rodando motores que foram convertidos de motor a gás ou diesel em hidrogênio. Junto com o Departamento de Energia dos Estados Unidos, que tem aportado recursos para apoiar a ação, e montadoras interessadas, eles desenvolveram e testaram módulos de controle eletrônico usados nesses projetos.
Phinia equipará sua quarta van a hidrogênio ainda este ano
Para realizar seus testes nas ruas a Phinia está montando veículos protótipos, sendo três vans na Europa e uma nos Estados Unidos, que deverá ficar pronta a partir de outubro. A escolha pelo modelo se deveu à finalidade de transporte urbano a fim de demonstrar melhor seu potencial.
O desempenho do motor de uma van a hidrogênio com relação a outra a diesel, de acordo com Marcos Passos, é praticamente o mesmo. A diferença é que o hidrogênio confere alto poder ao veículo devido à sua eficiência: “Então é preciso injetar menos hidrogênio para ter a mesma resposta que a obtida com gasolina e etanol”.
No comparativo de lançamento de carbono na atmosfera foi registrado o lançamento de 0,7 grama de CO2 por quilômetro rodado com o hidrogênio em vez de 250 gramas de CO2 com o diesel. Outro teste confrontou a boca do motorista, a partir de um ponto de prova, e foi constatado que ao respirar ele liberava 1 grama de CO2, ou seja, sua boca poluiu mais do que o próprio gás de escapamento de uma van, num veículo movido a hidrogênio.
Incentivo do governo é fundamental para propagar tecnologia
As vans da Phinia têm sido expostas no Parlamento Europeu, em simpósios em Viena e em eventos de montadoras e sistemistas a fim de que sejam testadas e chamem atenção para que os governos aprovem legislações que promovam esses tipos de veículos, para facilitar investimentos em P&D e estimular a introdução do hidrogênio nas matrizes energéticas desses países – semelhante ao que ocorreu no Senado recentemente, ao aprovar o hidrogênio como parte da matriz energética brasileira.
O gerente de engenharia da Phinia considera que o governo, agora, precisará dispor de mecanismos para azeitar ambiente para as empresas trabalharem, em primeiro lugar, com a produção do hidrogênio: “Poderia reduzir pela metade ou na totalidade o imposto de importação de uma máquina, de um eletrolisador, que vai dissociar o hidrogênio da água, vindo da Suíça, até que seja fabricada uma dessas daqui a um tempo. Ou, então, metade das horas dos engenheiros que trabalham no avanço do tema poderia ser financiada com verba pública”.
Se por um lado o Brasil tem a vantagem natural de gerar eletricidade a partir de fontes renováveis por meio do vento ou do sol, o que favorece a eletrólise para a produção do hidrogênio verde, por outro essa atividade deverá se concentrar no Nordeste, ao passo que boa parte do consumo estará no Sudeste. A solução, de acordo com Passos, será transformar o hidrogênio em amônia e, assim, transportá-lo sem riscos. Mas, ao chegar ao destino, terá de ser dissociado mais uma vez, o que implica custos e requer incentivos.
Sobre se há alguma perspectiva de a Phinia trazer essa iniciativa ao Brasil o executivo disse que o ponto de partida é simples: o País abraçará a causa do veículo a hidrogênio, ainda que comece pela questão do reformador de etanol?
“Enquanto isso participamos de eventos para divulgar nossa tecnologia. E trabalhamos em colaboração com unidades com as quais empresa opera e em que o uso do hidrogênio está começando a ser disseminado.”
Como a Europa e os Estados Unidos estão focados apenas na descarbonização e na substituição de combustíveis de origem fóssil por outro menos poluente, de acordo com o executivo ainda não foi aventada a possibilidade de que esses veículos rodem com mais de um combustível, por exemplo, com o hidrogênio como segunda opção, ao lado do etanol, ou terceira, se considerarmos a gasolina. Passos entende que mais adiante, quando a tecnologia começar a se espalhar pelo mundo e ganhar as ruas no Brasil, é possível que haja esse tipo de desenvolvimento no País.