São Paulo – A ebulição vivida pelo mercado de automóveis e comerciais leves seminovos e usados – que de janeiro a julho acumulam alta de 54,7% nas vendas com relação ao mesmo período em 2020, com 6,5 milhões de unidades, conforme dados da Fenauto – tem atraído startups que fazem toda a negociação de forma online. Creditas/Volanty, InstaCarro e Kavak são alguns dos players que, de olho neste filão, cuja expectativa é encerrar o ano com 11 milhões de veículos negociados, estão ingressando no segmento ou fortalecendo sua presença por meio de investimentos que chegam a até R$ 2,5 bilhões.
Hoje o segmento de seminovos e usados é quase seis vezes maior do que o de novos. Nos primeiros sete meses do ano os emplacamentos de veículos de passeio somaram 1 milhão 169 mil unidades, incremento de 26,2%, segundo dados da Fenabrave.
Embora InstaCarro e Volanty tenham iniciado operação em 2016 e 2017, respectivamente, a pandemia do novo coronavírus foi a mola propulsora para que essas empresas resolvessem apostar alto ao angariar recursos vultuosos com fundos de investimento internacionais para expandir a atuação, e conquistassem cada vez mais adeptos no modelo de negócio. Contribuíram a crise dos semicondutores, que derrubou a produção das montadoras e reduziu a oferta de modelos 0 KM a pronta entrega, e o hábito de fazer compras pela internet, que começou a se estender também aos carros.
Cenário favorável estimulou o ingresso da mexicana Kavak no mercado brasileiro com aporte de R$ 2,5 bilhões em julho, mesmo mês em que a Creditas adquiriu a Volanty, por valor não divulgado, para ampliar a experiência digital do cliente e oferecer financiamento próprio. Antes da operação já havia sido injetado um total de R$ 91,5 milhões. Há cerca de duas semanas a InstaCarro anunciou investimento de R$ 115 milhões para ampliar presença em território nacional, aporte que se soma a R$ 100 milhões captados anteriormente.
As startups prometem, dentre as facilidades, preço competitivo, garantia de até dois anos, possibilidade de devolução do veículo em até sete dias após a compra caso o modelo não agrade, financiamento a taxas menores e prazos maiores e revenda em até 24 horas. O tíquete médio das transações por meio dessas plataformas gira em torno de R$ 40 mil a R$ 50 mil.
Na avaliação do presidente Ilídio dos Santos, da Fenauto, entidade que representa lojistas multimarcas em todo o Brasil, a negociação em ambiente virtual é tendência que vem sendo discutida há alguns anos, pois o consumidor vem gradativamente mudando seus hábitos e muitos lojistas têm se preparado para exibir seus produtos de forma online, principalmente com a covid-19, que deixou as lojas fechadas por bastante tempo.
No entanto Santos ainda acredita na força do negócio tradicional, no tête-à-tête: “Cerca de 80% dos clientes gostam de ir à loja, sentir o cheirinho do carro, conferir o estepe, dirigir. Acredito que apenas 20% façam transações online”, estimou. “Trabalhamos com o fator confiança, fundamental para o nosso negócio. É como a relação que se tem com médico ou dentista da família. Gerações inteiras costumam frequentar as mesmas lojas há anos, então atendemos o avô, o pai e o filho. Aliás, cada carro vendido é como um filho que se põe no mundo. E se aparecer uma multa daqui a três anos o cliente sabe a quem recorrer”.
Com relação ao fato de as startups sustentarem que têm preços mais competitivos o presidente da Fenauto rebateu: “Não é comprovado que elas podem baratear o custo, pois não existem dois carros usados iguais”.
Parceria – O argentino Luca Cafici, que está há mais tempo no ramo das plataformas online, escolheu o Brasil para atuar com a InstaCarro pelo fato de o País concentrar o terceiro maior mercado de seminovos e usados do mundo. A startup, que faz a intermediação da venda de carros de pessoas físicas para revendedores, já movimentou R$ 1 bilhão em transações nos seis anos de atuação.
“Nossos clientes são lojistas, não somos concorrentes. Conseguimos realizar a venda em até 24 horas porque realizamos espécie de leilão virtual por até oito horas com nossa base, composta por 4 mil deles [8,2% dos 48 mil 545 revendedores brasileiros]. Alguns são especializados em determinados modelos, o que facilita a venda, e os que estão na Região Sul, por exemplo, costumam pagar melhor do que os da Norte e da Nordeste. Então eu pergunto: qual a maior possibilidade de vender seu carro, indo de loja em loja ou conosco? Recebemos em média quinze ofertas e repassamos à pessoa física. Já aconteceu de não aceitarem nenhuma e não fecharem negócio, mas depois voltarem porque conseguimos preço melhor”.
Ele diz que em cerca de 20% das negociações acontece isso. A comissão gira em torno de 3% a 6% do negócio.
Hoje a InstaCarro soma 35 mil clientes, número que Cafici quer levar a 300 mil nos próximos cinco anos. Até o fim de 2021 pretende duplicar o efetivo, hoje de 120 funcionários, e ingressar também no ramo de venda para pessoa física — o que seus concorrentes já fazem. A ideia é, em até cinco anos, fazer com que isso represente 20% da operação.
Sua plataforma trabalha com modelos a partir de 2000, enquanto que as outras lidam com veículos de no máximo dez anos de uso. Ele disse que, até o momento, não pretende abrir oficina própria para efetuar reparos, que este será um segundo passo, uma vez que atualmente prioriza exemplares que requerem poucos reparos: “Estamos construindo projeto de precificação. Esse é o nosso foco”.
Ecossistema – Com a recente aquisição da Volanty pela Creditas o plano é verticalizar toda a operação. A partir da experiência prévia em fazer empréstimos usando carros como garantia, e da Creditas Auto, que oferece serviços financeiros para adquirir veículos de forma digital há cerca de um ano, o plano adotado para crescer e aparecer é agressivo:
“Temos cabeça industrial, de linha de produção, para trabalhar em escala e reduzir os custos para o consumidor. Por isso investimos em oficina em Barueri com dois turnos de operação. Somada a operação com os showrooms na cidade e em São Paulo hoje já temos trezentos funcionários e queremos encerrar o ano com de oitocentos a 1 mil”, contou Fábio Zveibil, vice-presidente de desenvolvimento de negócios da Creditas. “Entregamos um carro usado com cara de novo. Esteticamente próximo do impecável. E se houver um problema que não dê para consertar somos transparentes”.
A Creditas/Volanty chama suas oficinas de fábrica porque tem, segundo seu vice-presidente, esquema similar ao de uma linha de produção. Também fez parceria com 5 mil revendedores físicos, ofertando financiamento e seu estoque: “O lojista pode consultar meus veículos se não tiver um modelo que seu cliente queira. Normalmente ele conta com cerca de trinta modelos. Mas, se quiser, pode contar com 1 mil 630. Pode comprar e revender ou indicar o cliente e ganhar comissão”.
A fintech oferece juros a 1,15% ao mês e prazo de até sessenta meses: “A ideia é arquitetar ama transação integrada, complementando nosso ecossistema de veículos. É uma equação em que todos ganham”.
Embora ofereça a possibilidade de devolução, o que pode acontecer simplesmente pelo fato de não ter gostado do modelo – o qual pode ser conferido in loco nos showrooms –, em até sete dias da compra ou 300 quilômetros rodados, Zveibil disse que o porcentual de veículos devolvidos é baixo, sem especificar, pois eles lançam mão de oferta de outro modelo que agrade mais. O executivo disse que o intuito é ampliar o sortimento do estoque, hoje em 1,6 mil veículos, sendo 1,3 mil da Creditas e trezentos da Volanty, o que deve ser unificado nos próximos meses: “O desafio é comprar bem para depois vender a preço de tabela. Também queremos ampliar a oferta de modelos mais acessíveis, com valores de R$ 20 mil a R$ 40 mil”.
Garantia – A mexicana Kavak também aceita a devolução do carro em até sete dias e é a que oferece maior tempo de garantia: dois anos. É a que está investindo mais na operação brasileira. Aliás, também está contratando, trezentos profissionais, para instalar centro de tecnologia e inovação, que será responsável por desenvolver aplicativo global. A operação local será polo de estudo do consumidor, pois, de acordo com o CEO Roger Laughlin, isso se deve ao fato de o brasileiro ser apaixonado por carros e pelo País concentrar o terceiro maior mercado do mundo.
Até o fim do ano catorze lojas serão abertas, totalizando vinte. Parte do aporte foi dedicada à construção de centro de reparação automotiva em Barueri, SP. Cerca de 2 mil automóveis já foram comprados e inspecionados. A meta da Kavak é vender 50 mil carros até o fim de dezembro e comprar mais de 100 mil.
Foto: Creditas/Divulgação.