A revisão das projeções da Anfavea, apresentada nesta quarta-feira, 7 de agosto, é um lembrete importante: o setor automotivo brasileiro vive um momento de leitura dupla. A depender da lente os números podem ser animadores ou preocupantes. Tudo depende do lado da moeda – ou do copo – que se escolhe observar.
Pelo lado positivo a produção de veículos deve crescer 7,8% em 2025, mantendo a projeção feita no início deste ano de 2 milhões 749 mil unidades. Esse número, por si só, já seria uma boa notícia. Melhor ainda quando se observa o que impulsiona esta alta: as exportações, que ganharam força inesperada com a recuperação, principalmente, da demanda do mercado argentino. A expectativa de crescimento nas vendas externas saltou de 7,5% para 38,4% sobre 2024, com 551 mil unidades projetadas para o ano.
Mas o outro lado da moeda traz um sinal de alerta importante. A projeção de crescimento do mercado interno também foi revisada, só que para baixo, de 6,3% para 5%. O setor de caminhões, especialmente os modelos pesados dedicados ao transporte de longa distância, tem sido o principal responsável pela desaceleração nos últimos meses.
Os juros elevados continuam impactando o crédito e reduzindo o apetite de renovação de frota. A demanda por automóveis segue quase estável, por comerciais leves mantem-se em leve crescimento, mas nada que compense a retração observada nos pesados.
Neste cenário de equilíbrio delicado o programa Carro Sustentável, lançado em julho, aparece como um sinal de estímulo. Nas três primeiras semanas de vigência os modelos inscritos registraram aumento de 16,7% nas vendas ao varejo. É o tipo de política que, mesmo que pontual, pode estar revelando o potencial de reação do mercado quando há o incentivo certo.
Outros dados ajudam a compor este cenário ambíguo. A participação de veículos eletrificados leves nas vendas subiu de 6,7% para 10,9% em um ano — com destaque para os híbridos produzidos no Brasil. Julho também marcou recorde de emplacamentos de ônibus elétricos nacionais, com 160 unidades. São sinais de que a indústria pode, sim, estar se movimentando na direção certa.
Mas pode haver nuvens no horizonte. O tarifaço dos Estados Unidos sobre máquinas brasileiras pode adicionar US$ 960 milhões em custos às exportações, afetando a competitividade de empresas brasileiras em um mercado estratégico. E a recente resolução do Gecex, que zerou o imposto de importação de CKD e SKD por seis meses, dentro de cotas, ainda é vista com cautela.
No fim das contas, o que os dados mostram é uma indústria que tem buscado caminhos para manter sua relevância — e que parece que talvez esteja, por ora, conseguindo compensar a fraqueza do mercado interno com o fortalecimento externo. Mas isso não pode ser visto como permanente.
O setor automotivo precisa de um ambiente, e de políticas industriais, que favoreçam não apenas a produção mas, também, o consumo. Incentivos, é lógico, são sempre bem-vindos, mas o que sustentará o crescimento lá na frente é crédito acessível, previsibilidade regulatória e política industrial consistente.
Porque, se quisermos ver o copo cada vez mais cheio, precisamos começar a enchê-lo dos dois lados.







