São Paulo – Carlos Ghosn conhece a indústria automotiva brasileira, conhece bem mais a Renault e a Nissan e, por isso, declarações suas sobre uma possível saída dessas empresas do Brasil, a exemplo do que fez a Ford, tem um peso gigante e agita o mercado. Mas o que isso tem de concreto? Algum sinal de que essa possibilidade está na mesa das companhias?
Ao blog Radar Econômico, da Veja, Ghosn, em análise sobre a indústria automotiva nacional, disse que “os mais fracos sairão do Brasil”. E exemplificou, dentre os mais fracos “a Aliança Renault Nissan”, alegando que “para competir no Brasil é preciso ter uma montadora forte”.
Não há dúvidas de que as incertezas do atual cenário para a economia brasileira assustam investidores e faz com que empresas multinacionais refaçam contas para justificar suas operações locais.
O contexto político e econômico foi tema de palestra do presidente da Anfavea, Luiz Carlos Moraes, esta semana. Além de criticar o governo federal e o Congresso ele foi taxativo: Brasília, DF, está mais preocupada com as eleições de 2022 do que com a economia real e atual, que é preocupante. E levantou uma questão: está mais difícil justificar, em suas reuniões rotineiras, os investimentos no Brasil junto às matrizes.
Investimentos são vitais para o negócio no longo prazo, pois a indústria precisa se atualizar, renovar seus produtos e apresentar novidades ao mercado, ainda mais no brasileiro, tão competitivo.
E tanto Renault como Nissan estão com planos: a primeira anunciou R$ 1,1 bilhão no País este ano e em 2022, para renovar cinco produtos e introduzir um motor turbo, ainda que neste momento importado, em seu portfólio. A segunda acabou de lançar o Novo Kicks e tem um projeto de exportação para a região que pode alavancar o ritmo de sua fábrica em Resende, RJ.
Mais: no ano passado as duas, por meio da Aliança Renault Nissan Mitsubishi, anunciaram que produzirão carros em plataformas compartilhadas no País. Isso significa que sairão das linhas de Resende modelos Nissan e Renault, o mesmo acontecendo na fábrica em São José dos Pinhais, PR. Ao menos sete modelos, dois hatches, dois sedãs e três SUVs, estão nos planos.
Juntas as duas marcas venderam, no ano passado, 190 mil veículos, quase 10% do total de veículos leves negociados no mercado brasileiro. Só perderam, em volume, para General Motors, Volkswagen e Fiat, da Stellantis, três companhias consolidadas, há mais de quarenta anos no País, e que nas últimas décadas se revezaram no topo do mercado.
São argumentos que contradizem as declarações de Ghosn, de que Nissan e Renault são fracos no mercado nacional. A quarta montadora do País deixaria o mercado, mesmo com investimentos e planos futuros traçados?
A Ford era a sexta e deixou. Vendeu, em 2020, 139 mil veículos, mais de 7% do total do mercado. Fez o mesmo com caminhões, segmento em que mantinha porcentual ainda maior de participação. E tinha planos futuros – um SUV, substituto do EcoSport, foi desenvolvido pela equipe brasileira e só aguardava o OK da matriz para sair do papel.
No mundo dos negócios as decisões são tomadas com muito estudo e cuidado – Ghosn sabe bem, pois participou desta indústria por mais de vinte anos. Moraes, da Anfavea, passou o recado que vem das matrizes.
Os que pensam nas eleições de 2022 deveriam olhar mais para o presente. O risco existe sim, e, se não for Renault e Nissan, pode ser outra.
Este texto foi originalmente publicado na coluna semanal que AutoData mantém no portal UOL, em 9 de abril de 2021.