São Paulo — O 22 de setembro ficou estabelecido como o Dia Mundial sem Carro, data que o mundo convencionou para iluminar o debate em torno da utilização excessiva do automóvel e pela diversificação por meio de outros modais de transporte como forma de reduzir emissões. Uma das alternativas que vinha ganhando força no mercado antes da pandemia era o compartilhamento: aumentar a ocupação dos veículos, em tese, diminuiria o volume da frota circulante e, baseados nessa premissa, surgiram modelos de negócios no País, como o do Waze Carpool e o da BlaBlaCar.
Ambas as plataformas viveram o volume de corridas compartilhadas cair de março a abril, momento crítico dentro da crise pandêmica, e tiveram de se adaptar a uma realidade diferente daquela experiementada antes de fevereiro: o mercado de compartilhamento de veículos, ou de caronas, terá espaço em sociedades preocupadas com o isolamento social?
A reportagem da Agência AutoData entrevistou executivos das duas empresas a respeito das tendências do momento nesse segmento de transporte, que mostrou pressões em adaptar a oferta às novas necessidades dos passageiros e, ainda, indicar que a modalidade compartilhada, no Brasil, é algo visto pelo usuários mais como uma oportunidade econômica do que uma escolha sustentável.
"Fatores como economia, a companhia de alguém durante um percurso e o conforto determinam a solicitação de uma carona", disse Ricardo Leite, diretor geral da BlaBlaCar no Brasil, em operação aqui desde 2015. "A questão ambiental ainda não entra na conta."
O executivo observou que o quadro, que foi pintado por meio de dados de pesquisas recorrentes realizada com frequência em sua base, formada por mais de 7 milhões de usuários, é reflexo da particularidade do mercado interno.
"Hoje o nosso usuário passageiro [há também o usuário condutor] percebe o compartilhamento, em primeiro lugar, como uma oportunidade de transporte a um custo interessante na comparação a outros. Mas isso não significa que a modalidade não seja uma oportunidade de se reduzir emissões, ao contrário. No ano passado as caronas da plataforma evitaram a emissão de 1,6 milhão de toneladas de CO²."
Até 2023 a empresa trabalha com a possibilidade de aumentar ainda mais essa redução, saltando para 6,4 milhões de toneladas de CO² a menos na atmosfera por ano.
No caso dos usuário do Waze Carpool a sustentabilidade aparece como seu motivador em solicitar uma carona como um dos itens considerados, mas não o principal, segundo Douglas Tokuno, coordenador da empresa criada pelo Waze, que controla a famosa aplicação móvel de mapas e geolocalização:
"Fizemos uma pesquisa para entender os motivadores das caronas, e o que mais surpreendeu foi que a cultura da carona está apoiada por quatro vigas: a sustentabilidade, a socialização, o compartilhamento e a gentileza. Esta é a força maior, a questão do usuário saber que está prestando um serviço ou usufruindo de um serviço social".
Em termos de mercado as empresas compartilham ponto de vista similar no que diz respeito ao seu novo desenho: há pouco para se projetar, dizem. Mas existem possibilidades relevantes que tomam forma em meio ao momento histórico de isolamento social.
Para Ricardo Leite, da BlaBlaCar, o compartilhamento em termos de custo se mostra atrativo diante do custo de ônibus e de avião em viagens de lazer, por exemplo: "Viagens a destinos mais próximos podem ocupar o lugar das viagens internacionais, e aí o compartilhamento surge como um modal atrativo."
Ele disse que isso pode surgir já no fim do ano como tendência: "No 7 de setembro registramos um volume crescente de caronas, e pode ser que no fim do ano isso se repita porque é momento das férias".
Tokuno, da Waze Carpool, acredita que o compartilhamento de veículos ganha força neste momento pois dispor da propriedade do veículo segue como algo oneroso no País: "Ter um veículo tem mais custos envolvidos do que usar serviços de compartilhamento. E o momento do Brasil é o de redução de custos, as pessoas buscam oportunidades de gastar menos com conforto".
Em 2019 a empresa registrou 2 milhões de caronas. A base de usuários não foi informada.
Caso se concretizem as perspectivas o mercado de caronas poderá reverter o quadro pintado pelas empresas fabricantes de veículos de que a venda de novos possa vir a crescer, agora, em função da preocupação social em torno dos riscos que envolve transportar-se por meio público. Locadoras, no mesmo sentido, apostam suas fichas em serviços de assinatura pelas mesmas razões.
"Vender ou alugar mais veículos acaba sendo um catalisador de novos negócios para nós, não são serviços concorrentes", disse Ricardo Leite. "Nosso negócio tem como desafio aumentar a oferta de condutores, não atender à demanda. Se há mais veículos circulando maiores serão as oportunidades de se oferecer caronas."
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