São Paulo – A Volkswagen, a Raízen e a Shell anunciaram na sexta-feira, 29, iniciativa conjunta que visa a acelerar o processo de descarbonização. A parceria prevê o fornecimento de gás natural renovável pela Raízen, gerado por resíduos da cana de açúcar, para substituir parte do uso de gás natural das fábricas da Volkswagen no Brasil. Trata-se de projeto pioneiro na indústria automobilística.
O projeto contempla, ainda, o desenvolvimento de potenciais novas fórmulas de etanol pela Raízen, licenciada da marca Shell, para serem testadas em veículos Volkswagen: a empresa já está trabalhando com testes programados. A montadora adotou a postura de utilizar apenas etanol para abastecer sua frota.
A proposta também engloba o fornecimento de energia para rede de concessionárias da marca por meio das usinas de geração de energia renovável da Raízen e a instalação de rede de eletropostos, a começar por São Paulo. As medidas serão adotadas até 2023.
De acordo com Ricardo Mussa, CEO da Raízen, todo biogás tem origem no resíduo que vem da própria produção de etanol, o que antes não era aproveitado: “Essa é a economia circular. Fizemos investimento enorme em Piracicaba, que injetará diretamente na rede que abastecerá a Volkswagen”.
A Raízen aportou pouco mais de R$ 250 milhões em estrutura que não atenderá apenas à montadora.
Segundo Raphaella Gomes, diretora de transição energética e renováveis da Raízen, o pioneiro nessa história é a visão holística ao compreender as capacidades de todas as empresas envolvidas num projeto de redução de emissões: “Estamos provando que a descarbonização é possível hoje e com produtos que já existem, usando o etanol para os carros e os resíduos do etanol, que são a vinhaça e a torta de filtro, para produzir o biogás que gerará nosso gás renovável e abastecerá as fábricas da Volkswagen”.
Quando se compara o gás natural com o gás renovável, disse Gomes, têm-se mais de 90% de descarbonização. “Com um produto que é essencialmente a mesma molécula, uma substituição fácil de fazer”.
Com a iniciativa a Volkswagen deixará de emitir 19 mil toneladas de CO2 por ano. O presidente e CEO da Volkswagen América Latina, Pablo Di Si, constatou que isso coloca a marca à frente e contribui para o programa global da companhia, WayToZero, que pretende, até 2050, torná-la neutra em carbono. Di Si citou que o fato de apenas abastecer a frota da montadora com etanol já reduziu 1,7 mil tonelada de carbono.
Atualmente, de acordo com Mussa, quase 90% da frota nacional é flex, mas apenas 52% abastecem com etanol: “Temos ainda muito a fazer. Por isso incentivamos o uso do etanol: além de trazer grande benefício ao meio ambiente, quanto mais usado mais resíduo gera para abastecer a produção de eletricidade renovável”.
Com relação ao fornecimento de energia limpa às concessionárias o CEO da Raízen afirmou que consegue ter escala nacional devido à aposta em biogás, nas pequenas centrais hidrelétricas e em energia solar, esta última matriz que, segundo ele, já compõe mais de cinquenta projetos de geração de energia em andamento na companhia, que em meados de outubro adquiriu a Gera Energia: “Hoje conseguimos distribuir energia renovável e com custo competitivo. Toda essa eletricidade trará para o nosso cliente, neste caso o concessionário Volkswagen, redução no custo da conta de luz e redução das emissões”.
Produção – Di Si ressalvou que, pelo fato de a geração de gás renovável ser algo relativamente novo no Brasil, é preciso haver mais investimento e capacidade industrial para democratizar seu uso, à medida que a matéria-prima é abundante.
O potencial brasileiro de produção de gás renovável é de 120 milhões de m3 por dia, informou Raphaella Gomes, o que se trata de algo “gigantesco”, equivalente a cinco vezes o potencial estadunidense: “E metade desse potencial está na indústria da cana, que tem grande parte situada no Estado de São Paulo. Então São Paulo está sentado em cima de uma reserva gigantesca de gás natural renovável e a Raízen também. E essa parceria ajuda a tirá-lo do solo para criar essa indústria e favorecer o acesso ao combustível, substituto imediato dos fósseis e com aplicação industrial".
A demanda atual é de 50 mil m3 a 60 mil m3 de gás, o equivalente a uma planta da Raízen, o que varia conforme a disponibilidade de vinhaça, disse a diretora: “A vinhaça que atenderá à Volkswagen não vem só do etanol de primeira geração. Porque o etanol celulósico, a partir do bagaço da cana, também produz vinhaça. Temos tecnologia que permite elevar a produção de etanol em 50%. O biogás, portanto, será de terceira ou quarta geração. É o resíduo do resíduo”.
Elétricos – Dentro dessa parceria das três empresas a Shell instalará rede de eletropostos no País, começando por São Paulo e, posteriormente, expandindo para outros grandes centros. A ideia é estabelecer a infraestrutura em corredores como São Paulo – Belo Horizonte e São Paulo – Rio de Janeiro, disse Mussa: “Não temos números finais dos investimentos, mas junto com a Volkswagen, que está trazendo nova linha de elétricos, o ID.3 e o ID.4, queremos acompanhar a evolução desse mercado”.
Lauran Wetemans, vice-presidente de negócios de downstream da Shell para a América Latina, destacou que a empresa não acredita em uma só via, se a aposta deve ser nos carros elétricos ou no hidrogênio: “No mundo inteiro vimos discutindo que há várias opções. E a alternativa que temos no Brasil é fantástica. Traz muitos benefícios para a sociedade e para o consumidor”.
Wetemans mencionou que a Shell possui, no mundo, frota de 500 mil carregadores em operação: “A velocidade da carga é importante quando você está na rota, não dá para carregar com 11 kW: é preciso ter uma carga rápida, e estamos aprimorando isso também para oferecer aqui”.
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