Estimativa do fundador Arthur Rufino é que ele possa movimentar R$ 40 bilhões por ano
São Paulo – A partir do conhecimento acumulado no negócio fundado por seu pai há 37 anos – a JR Diesel, que opera no mercado de peças de reposição para caminhões – Arthur Rufino decidiu colocar em prática iniciativa que aplica conceitos de economia circular e que faz a ponte com aqueles que têm veículos depreciados, os que desmancham veículos e que desejam adquirir produtos certificados, a fim de inibir o comércio de componentes obtidos ilegalmente. Embora a Lei do Desmanche ainda engatinhe no Brasil a startup quer um lugar para si neste mercado potencial de R$ 40 bilhões.
A Octa, sua startup, usa a tecnologia para diminuir o déficit de peças usadas legalizadas no Brasil, como definiu Rufino, ao criar plataforma que faz a intermediação de vendas de produtos certificados: “É como se fôssemos um Mercado Livre específico desse segmento. Resolvemos a venda de veículos para centros de desmontagem e a venda de peças para o mercado”.
Fundada em meio à pandemia, em dezembro 2020, a Octa nasceu da união com a Fisher, uma construtora de startups. Embora com breve tempo de vida e enxuto quadro de funcionários, doze ao todo, a startup, localizado no bairro de Pinheiros, em São Paulo, já coleciona grandes feitos e números igualmente expressivos.
Nos cinco primeiros meses de vida angariou R$ 1 milhão de investidores-anjo e, no mês passado, foi selecionada pelo projeto Google for Startups para integrar o Black Founders Fund, iniciativa que injeta recursos, sem participação no quadro societário, em startups fundadas e lideradas por negros no Brasil. Pré-requisito é que estejam buscando investimentos – e a Octa está em fase avançada de uma segunda rodada de aportes para garantir a atratividade do negócio.
Rufino não abriu a parcela que caberá ao seu negócio, mas ao todo o Google aportará R$ 8,5 milhões em 33 startups pelo período de dezoito meses.
A startup reúne dois marketplaces: o de venda de veículos em final de vida para centros de desmontagem e o de comércio de peças para o mercado:
“A Octa nasceu do objetivo de levar capacidade de acesso às frotas, para que centros de desmontagem possam comprar esses veículos em fase final de vida, e da ideia de encontrar um meio de ajudar esses estabelecimentos a dar vazão saudável a essas peças. Queremos migrar o consumo do item ilegal para o universo certificado e garantir que essa circularidade aconteça na cadeia.”
Segundo o empreendedor faltam canais confiáveis no País para obter esses produtos. “O desmontador oficial no Brasil compra de leilões de seguradora e de Detran. Todo o resto das origens de veículo em final de vida é dez vezes maior do que isso”.
Ele ponderou que, ao mesmo tempo em que o nicho traz oportunidade, também evidencia problema devido à fiscalização deficiente na origem dos produtos:
“O potencial desse mercado ativo é de R$ 4 bilhões, em que destinamos corretamente 500 mil veículos por ano, entre pesados, leves e motos. Qualquer país maduro na desmontagem veicular, no entanto, endereça 5% da frota anualmente à reciclagem, o que no Brasil significaria 5 milhões de veículos. E desenvolveria oportunidade potencial de R$ 40 bilhões que ninguém está endereçando, pois está nas mãos de bandidos”.
Cerca de 70% das peças provenientes de desmanches são destinadas ao consumo, segundo Rufino. Mas a ideia é, também, fomentar a logística reversa tanto de itens que podem ser direcionados para a manufatura e para o recondicionamento como de recicláveis para a indústria em geral, a exemplo das fabricantes de aço, de plástico, de vidro, que poderiam consumir esses produtos e transformá-los em insumos.
O empreendedor mencionou estatística japonesa que indica que a cada carro desmontado da forma correta deixam de ser emitidas 3,7 toneladas de CO2. E exemplificou que isso é possível a partir do momento em que um motor ou uma cabine recondicionados deixam de ser produzidos, ou quando 1 tonelada de aço é reciclada. A atividade da peça usada, portanto, deixa de ser concorrente da nova e se apresenta como complementar: “Queremos trazer forte carga de ESG ao segmento por meio da complementariedade”.
“Nunca venderei um freio usado porque ele acaba. O mesmo vale para um cinto de segurança ou amortecedor. Vou vender aquilo que o distribuidor não vê sentido em manter em estoque, tudo o que valha a pena neste momento de escassez de peças, pois a prioridade é dada às montadoras. É possível optar para que o carro se mantenha em circulação de forma saudável. E nós damos garantia de que os desmanches seguem processos mínimos necessários para ter rastreabilidade e controle de qualidade.”
Arthur Rufino
Balanço – No primeiro ano de atividades a Octa negociou oitenta caminhões e ônibus ao conectar 52 frotistas e cinquenta desmanches. Na equação da redução de CO2 deixaram de ser emitidas, de acordo com Rufino, 560 toneladas de carbono.
Para este ano ele projeta intermediar a compra e a venda de 1 mil veículos: “Trabalhamos em base composta por duzentos centros de desmontagem e seiscentos frotistas atuando na plataforma, ou como vendedores de veículos ou como compradores de peças”.
Embora avalie sua meta como conservadora o expressivo crescimento se justifica no fato de a Octa facilitar transações num mercado que, segundo ele, já é muito demandante: “Os frotistas estão muito estocados de veículos que chamamos de fundo de pátio, difíceis de vender porque assumiram características que fazem com que percam liquidez. E na outra ponta temos frotistas que reclamam que não encontram peças. Nós então os conectamos e auxiliamos o processo para que esse fluxo se realize”.
A startup já conta com grandes empresas em sua carteira de clientes, como Enel, EDP, Grupo Petrópolis e locadoras de veículos. Por exemplo: as concessionárias de energia elétrica possuem caminhões com configurações específicas, como modelos com cesto aéreo, muito depreciados e que não são compatíveis com o mercado de revenda:
“Ninguém compra isso. E essas empresas têm uma estrutura de compliance segundo a qual elas precisam dar uma destinação correta a esses veículos, a fim de que não gerem passivo ambiental. Então não podem, simplesmente, jogá-los em um sucateiro ou desmontador”.
A certificação da plataforma é feita por meio de documentação exigida pela Octa para quem quer comprar e realizada vistoria para conferir a estrutura e a capacidade de rastreabilidade antes de incluir quem quer vender: “Só estamos credenciando centros de desmontagem em estados onde a Lei do Desmanche já foi regulamentada. À medida que o negócio for avançando queremos que nosso próprio sistema nos dê esse suporte de fiscalização”.
Novos negócios – Sem entrar em pormenores por envolver contrato de confidencialidade Rufino contou que duas empresas fabricantes de veículos, uma de leves e outra de pesados, querem em um primeiro momento levar a Octa como ferramenta de desmobilização de frotas mais complexas, composta por veículos de difícil venda, a fim de que possam ser usados como moeda de troca para a compra de um modelo novo: “É parecido com a proposta do programa de renovação de frota do governo, só que promovido por empresas privadas”.
Em um segundo momento as duas companhias estudam a possibilidade de algumas linhas de peças trabalharem com itens usados para o consumo, com selo verde e certificados, e também usar centros de desmontagem certificados pela Octa como fonte para linhas de remanufatura. São hábitos, segundo ele, bastante disseminados na Alemanha e que dão os primeiros passos por aqui.
O empresário estima que, em cinco anos, a iniciativa consiga estabelecer rede que conecte 2 mil desmanches, 30 mil frotistas e 150 mil veículos por ano.