São Paulo – Em meio à transição para a eletrificação muito se interroga sobre o papel das empresas fabricantes de autopeças nesse novo cenário que já é realidade para as montadoras. Empresas que atuam no mercado de reposição acreditam que seus negócios, vocacionados para veículos movidos por motores a combustão interna, continuarão pujantes por muito tempo ainda, mas ponderam que é preciso investir em tecnologia para digitalizar seus processos, reduzir a morosidade e melhorar a produtividade.
Para César Ferreira, diretor de inovação e tecnologia do produto do Grupo Randon, é preciso que essas companhias se perguntem em qual era está a reposição de autopeças: se na da máquina de escrever ou na do computador, e onde quer chegar:
“Há novos players na indústria automotiva e, ainda que sejam pequenos, temos de estar atentos a eles porque estamos em momento de transformação e eles possuem uma velocidade diferente da qual estamos acostumados. Não há como falar em transformação no setor sem mencionar a conectividade e o poder que o acesso a esse dado tem para mudar o nosso negócio”.
César Ferreira, diretor de inovação e tecnologia do produto do Grupo Randon
Ferreira argumentou, durante o 3º Encontro da Indústria de Autopeças, realizado na segunda-feira, 20, pelo Sindipeças, que demorou muito tempo para a indústria reagir à eletrificação, que por mais de dez anos foi reinado da Tesla.
“Como indústria demoramos a acreditar que a eletrificação vinha e ainda há discussão sobre se vem mesmo. Mas existe um compromisso dos governos em reduzir as emissões. O Parlamento Europeu afirmou que até 2035 banirá a venda de veículos a combustão. E para quem pensa que veículo elétrico é coisa de luxo e nicho, as montadoras estão começando a trazer modelos de entrada a bateria.”
O mercado de eletrificados no Brasil cresceu 250% nos últimos dois anos até 2021. E o volume comercializado nos primeiros cinco meses deste ano superou 2019. Ao todo a frota é composta por 93 mil 496 veículos. E como a manutenção dos elétricos é mais simplificada com o tempo boa parte das peças deixará de existir, pois o volume diminui significativamente e é preciso pensar em como lidar com isso, afirmou.
Rota definida – Parafraseando conversa de Alice com o Chapeleiro Maluco no livro Alice no País das Maravilhas Delfim Calixto, vice-presidente de aftermarket da Bosch, citou que quando não sabemos onde queremos chegar qualquer caminho serve.
“Às vezes pensamos que está tudo muito longe, mas, na verdade, não. As megatendências da mobilidade, como eletrificação, conectividade, veículos autônomos e digitalização já são realidade. Estamos investindo muito nesses campos porque queremos continuar na vanguarda da tecnologia para a mobilidade.”
Calixto ponderou que a velocidade dessa transformação vem ocorrendo de maneira diferente em cada região e país. Como aqui a matriz energética é verde ele entende que o primeiro passo para a eletrificação será com o veículo híbrido:
“Alguns produtos deixarão de existir, porém continuarão existindo pneus, freios, suspensão, limpa para-brisas, bateria. O que vamos aprender é lidar com outros produtos. E a cadeia deverá se preparar”.
Delfim Calixto, vice-presidente de aftermarket da Bosch
Para ele a digitalização, que inclui internet das coisas e inteligência artificial, é um caminho sem volta, que a pandemia apenas acelerou. Mas há tarefas de casa a serem feitas: “A digitalização da cadeia de distribuição passa pela padronização de dados, e essa é uma grande dor de cabeça. É preciso desenvolver esse mercado porque temos também os desafios da logística e da informalidade”.
Paulo Gomes, diretor comercial de reposição do Grupo Randon, citou que o processo de transformação é complexo porque, além de a frota brasileira ser majoritariamente composta por veículos a combustão, os mecânicos gostam de encostar a barriga no balcão e folhear o catálogo para descobrir a peça de que precisa e então ligar para a loja e solicitá-la. Mas a digitalização é fundamental para que o segmento se mantenha, afirmou.
“Precisamos ter agilidade, assertividade, resposta rápida e a peça certa na hora certa. No entanto somos morosos. A Europa está a umas três décadas de nós, com processos mais digitalizados. A padronização de peças e veículos é importante, mas no Brasil nós não conseguimos estabelecer ainda. Conforme o catálogo o mesmo veículo é conhecido por nome diferente, assim como a peça, a depender da região do País.”
Paulo Gomes, diretor comercial de reposição do Grupo Randon
Conrado Comolatti Ruivo, diretor comercial da BR AutoParts, não acredita que o modelo praticado atualmente está ameaçado. Para ele o processo de digitalização é caminho natural, como se vê em outros segmentos. Ele classifica o setor de reposição de peças como analógico:
“A verdade é que o off-line funciona muito bem. Temos rede pit stop e temos realizado projetos de digitalização dessa rede para trazer melhor solução na busca de peças para as oficinas mecânicas. Vemos evolução do Mercado Livre e outras frentes, mas nosso mercado é muito grande e, assim, entendemos que ainda há espaço para o crescimento do e-commerce. Entendo que estamos apenas no começo dessa jornada”.