São Paulo – Se, como disse José Maurício Andreta Júnior, presidente da Fenabrave, entidade que representa os revendedores oficiais de veículos, os descontos concedidos pela MP 1 175 fizeram “voltar a bater o coração” do mercado de automóveis, o mesmo tratamento não serviu ao segmento de caminhões, que segue na UTI, ainda fortemente impactado pela alta de 15% a 25% nos preços dos novos modelos Euro 6, produzidos no País desde janeiro deste ano para atender à fase 8 do programa brasileiro de redução de emissões de veículos pesados, o Proconve P8.
Também conta em desfavor do mercado de caminhões o ritmo lento da atividade econômica de todos os setores com exceção do agronegócio, além da falta de financiamentos com custos atrativos para justificar o investimento em veículos novos. Com isto o programa, que direciona R$ 700 milhões em créditos tributários para patrocinar descontos na compra de veículos para transporte de cargas, teve quase nenhum efeito para reaquecê-lo.
Em junho, quando os descontos começaram a ser aplicados, de acordo com dados do Renavam divulgados pela Fenabrave na terça-feira, 4, foram emplacados 7 mil 722 caminhões, segundo volume mais baixo do ano e 2,2% inferior ao de maio, quando não havia descontos. Na comparação com junho de 2022 o tombo é bem maior: quase 29%.
Os emplacamentos acumulados de janeiro a junho somam 50,3 mil caminhões, 12,1% abaixo do mesmo período de 2022. Este volume só não é mais baixo porque nos três primeiros meses do ano ainda foi permitida a venda do estoque de modelos Euro 5, produzidos até dezembro.
Programa não funciona
Segundo dados do Ministério da Indústria dos R$ 700 milhões reservados pelo governo para patrocinar descontos para caminhões novos, apenas R$ 100 milhões foram solicitados por oito fabricantes. O que emperra o avanço do programa é que ele só serve para compra de veículos 0 KM e atrela o abatimento à entrega para reciclagem de um veículo similar com mais de vinte anos de uso. Como a distância do preço do caminhão velho para o novo é muito grande a conta não fecha, o caminhoneiro dono do veículo não tem condições de cobrir a diferença ou sequer conseguir financiamento do mercado.
É como ilustra Andreta Jr.: “Ninguém que tenha um caminhão que vale R$ 30 mil vai conseguir comprar outro de R$ 300 mil, por maior que seja o desconto”. A projeção da Fenabrave para vendas de caminhões este ano é de crescimento zero, um empate com as 124,6 mil unidades vendidas em 2022. “Só não colocamos ainda projeção de queda este ano esperando que o programa de descontos faça algum efeito”.
Segundo a diretoria da entidade os caminhões foram incluídos de última hora no programa de descontos para compra de veículos sem nenhuma conexão com o Renovar, programa lançado no ano passado para estimular a renovação da frota de veículos pesados que prevê a possibilidade de trocar um modelo com mais de vinte anos por outro usado mais novo, o que reduz a distância de preço.
Marcelo Franciulli, diretor executivo da Fenabrave, diz que o governo foi alertado sobre o problema: “Quando o programa foi aprovado avisamos que desse jeito não funcionaria. Estamos estudando propor uma ligação com o Renovar, que é um programa que negociamos há mais de dez anos. Também é necessário resolver uma séria de questões legais para a entrega do veículo para a recicladora pois hoje não há padrões definidos”.
“Para caminhões o desempenho da MP só vai acontecer se ajustar o programa para compra de veículos usados, mas este mercado também depende de crescimento econômico”, observou Tereza Fernandez, consultora econômica da Fenabrave. “Se o cenário que estamos vendo à frente se confirmar com câmbio acomodado, inflação tranquila e crescimento do PIB da ordem de 2%, deverá acontecer uma retomada mais forte das vendas de caminhões.”
Andreta Jr. acrescentou que é necessário, também, criar linhas de financiamento subsidiadas para atender este público que tem caminhões velhos de desvalorizados: “Se financiar em dez anos, com carência de dois para começar a pagar, a uma taxa em torno de 6% ao ano, tenho a certeza que arrebenta de vender caminhões”.
Ônibus têm melhor resultado
Muito mais por causa da recuperação de anos de queda profunda e menos por causa dos descontos patrocinados pelo governo as vendas de ônibus apresentam melhor desempenho este ano, apesar do segmento enfrentar o mesmo problema da alta de preços trazida este ano pela adoção da motorização Euro 6.
Segundo dados consolidados pela Fenabrave em seis meses foram emplacados 13,4 mil ônibus, em expressiva alta de 45,8% sobre o mesmo período de 2022.
Em junho foram vendidas 2,1 mil unidades, também em forte crescimento de 22,2% na comparação com o mesmo mês do ano passado, mas o volume se enquadra dentro da média mensal deste ano e foi 5,4% inferior ao de maio, mostrando que a concessão de R$ 300 milhões em descontos para o segmento – dos quais R$ 140 milhões já tinham sido requisitados até o dia 3 – teve pouca influência neste mercado até o momento.
Segundo Marcelo Franciulli a alta no mercado de ônibus vem sendo alimentada por dois grupos de produtos: o de modelos rodoviários, com compras estimuladas pelo aumento da demanda de passageiros em busca de preços mais acessíveis do que as passagens de avião, e os escolares estimulados pelo programa Caminho da Escola, com grandes renovações de frota.
A Fenabrave segue com a mesma projeção feita em janeiro para vendas de ônibus este ano: 23 mil unidades e crescimento de 5% sobre 2022.