São Paulo – Retirada de última hora do texto da reforma tributária aprovado na Câmara dos Deputados, e que no momento tramita no Senado Federal, a extensão até 2032 dos regimes automotivos do Nordeste e Centro-oeste preocupa as bancadas de parlamentares destas regiões, especialmente de Pernambuco, onde está localizada a fábrica da Stellantis, em Goiana, e da Bahia, onde pretende se instalar a BYD, na antiga fábrica da Ford em Camaçari. As duas empresas aguardam o desenrolar destas negociações, que estão na esfera política, para definir os rumos de seus planos.
A BYD anunciou recentemente investimento de R$ 3 bilhões na Bahia e a Stellantis trabalha no seu novo ciclo de aportes no País, que, segundo seu presidente para a América do Sul, Antonio Filosa, já adiantou, deverá ser o maior de sua história – e o atual é de nada menos do que R$ 16 bilhões.
“Poderá haver surpresas”, disse à reportagem Alexandre Baldy, conselheiro e porta-voz da BYD no Brasil, na semana passada. Ele se referia ao valor e ao escopo do investimento na Bahia, condicionando o plano atual à extensão ou não dos regimes regionais automotivos até 2032. Da mesma forma Filosa deu o seu recado em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo de 11 de agosto: “Certamente muda porque a previsibilidade econômica mudaria. Teremos de ver que impactos teremos, mas neste momento não sei quantificar”.
O tema mobiliza a bancada de parlamentares do Nordeste, as empresas que já utilizam dos benefícios do regime [no caso a Stellantis e a Moura, com operações em Pernambuco], além da BYD e de outras fabricantes em negociação para desembarcar no Brasil. Uma delas é a Yutong, uma das maiores fabricantes de ônibus elétricos da China, com 28% do maior mercado do mundo, e que entrou em contato com o governo da Bahia para instalar uma fábrica no Estado, segundo o governador Jerônimo Rodrigues.
Tanto os governadores como os deputados e os senadores da Bahia, do Ceará e de Pernambuco trabalham em Brasília, DF, para demonstrar a importância da extensão do regime de desenvolvimento regional até 2032. Rodrigues acrescentou: “Nosso partido, o PT, e a Casa Civil também trabalham para incluir esta importante ferramenta de fomento regional na reforma tributária. Esta é uma condição que foi apresentada pelo governo federal durante a visita do presidente Lula à China, em abril”.
Rodrigues argumentou que sem as contrapartidas do regime automotivo regional será difícil promover a descentralização da produção industrial no País, muito concentrada nas regiões Sudeste e Sul. Por isto acredita que haverá novidades no texto que tramita no Senado: “Nosso desejo é que a reforma tributária crie um ambiente favorável para todas as empresas se instalarem no Nordeste. Se não for até 2032 [a manutenção do regime automotivo regional] que a gente tenha um fôlego para que esses investimentos cheguem à Bahia”.
O regime especial
Os regimes automotivos regionais são disciplinados pela lei nº 9 440, de 14 de março de 1997, e pela lei nº 9 826, de 23 de agosto de 1999, e têm o objetivo de promover a distribuição da produção industrial de veículos e de autopeças no País por meio da concessão de linhas de crédito especiais, isenções na importação de bens de capital e benefícios tributários – o principal deles, no Nordeste, é um mecanismo que garante a isenção, total ou parcial, do IPI dos veículos produzidos nos estados nordestinos e vendidos no País.
O programa de isenções foi concebido em um contexto em que quase todas as fabricantes estavam instaladas apenas na região Sudeste. Além do Nordeste, a Região Centro-oeste também foi contemplada com benefícios similares dessa ferramenta, mas o desconto do IPI é fixado em 36%. A Caoa, das marcas Hyundai e Caoa Chery, e a HPE, da Suzuki e da Mitsubishi, têm fábricas em Goiás e usufruem das isenções.
Além do incentivo federal os estados também oferecem generosos descontos do imposto estadual para as empresas que se instalam na região. No caso de Pernambuco os fornecedores da Stellantis pagam alíquota de ICMS de 4%. Já na Bahia a oferta para a BYD, igual ao que era para a Ford, é que a fabricante pague, até 2032, 5% do ICMS sobre os carros produzidos no Estado.
Trabalhando no sentido oposto das empresas que investiram nestas duas regiões estão as fabricantes já instaladas no Sul e Sudeste. Executivos destas montadoras argumentam que incentivos como redução de IPI e ICMS, dentre outros benefícios àquelas instaladas nas regiões contempladas pelo regime, reduzem a competitividade dos seus produtos. Contudo essas mesmas empresas têm toda a infraestrutura e mão de obra mais especializada próximas de suas unidades produtivas, além do maior mercado consumidor a poucos quilômetros, portanto têm custos operacionais e logísticos bem menores do que teriam no Nordeste.
Também ignoram que no passado receberam muitos incentivos para realizar seus investimentos, como foi o caso do Regime Automotivo de 1995, que atraiu investimentos estimados em mais de US$ 20 bilhões, até o fim daquela década, tanto de montadoras que já estavam no País como das chamadas newcomers – isto sem contar os muitos fornecedores internacionais que vieram junto com elas.
Pressão política
A Anfavea, entidade que congrega a maioria dos fabricantes nacionais, disse por meio de seu presidente, Márcio de Lima Leite, que não está envolvida em qualquer tratativa sobre o tema: “A questão é parte de planos e objetivos individuais de cada empresa. As discussões são individuais e nós não nos envolvemos”.
Dessa forma governadores como o da Bahia, que trabalha para atrair investimentos para seu Estado, atuam junto ao Legislativo para garantir que, ao menos, haja mais tempo para novas fabricantes terem acesso ao principal benefício tributário vigente na atual fase do Regime Nordeste, estendida de 2020 até 2025, que prevê para as empresas já credenciadas a concessão de crédito presumido do IPI equivalente ao valor devido de PIS/Cofins sobre as vendas no mercado interno, multiplicado por 1,25 no primeiro ano, por 1,0 do segundo ao quarto ano e por 0,75 no quinto ano.
Não é o caso da BYD, que sequer foi credenciada ao Regime Nordeste. Muito menos da Yutung, que ainda não se pronunciou sobre sua intenção de nacionalizar a produção de ônibus elétricos.
Rodrigues afirmou à reportagem que em momento algum houve qualquer sinalização da BYD sobre voltar atrás em seus investimentos por causa de um suposto fim do regime do Nordeste. Ele insistiu que a manutenção dessas condições faz parte do compromisso dele e do próprio presidente Lula, durante reunião em Pequim. Porém já trabalha com outras hipóteses:
“Claro que, se não houver mais Regime do Nordeste, o Estado pode estudar formas de compensação. Já estamos oferecendo o próprio terreno, a infraestrutura, o porto privado que era da Ford e já retomamos também a fábrica. Estamos estudando o que mais pode ser oferecido como contrapartida”.