Primeiro encontro no Brasil da organização que reúne as entidades dos fabricantes está preocupada com a baixa adesão do consumidor e os altos custos dos produtos 100% elétricos
São Paulo — Após a realização de duas Copas do Mundo e dos Jogos Olímpicos no Brasil na quinta-feira, 26, completou-se a tríade de grandes eventos no País com a primeira reunião da Oica, a Organização Internacional dos Fabricantes com suas entidades, em São Paulo. Foi com esta divertida analogia que Márcio de Lima Leite, presidente da Anfavea, saudou os convidados, responsáveis pela produção e vendas de mais de 60 milhões dos quase 90 milhões de veículos que serão vendidos este ano no planeta – a China, o maior fabricante, e outras entidades das 36 que formam a Oica não estavam presentes.
O encontro, que teve um jantar de gala na quinta-feira, uma assembleia fechada aos convidados na sexta-feira e uma programação de relacionamento para todos no sábado, tem uma agenda extensa de debates, com dois temas que saltam aos olhos: a preocupação com os resultados de vendas de veículos elétricos que, neste ritmo, não atingirão os objetivos globais de descarbonização da mobilidade, e as oportunidades que o Brasil é capaz de oferecer, como os biocombustíveis e o hidrogênio verde.
John Bozzella, atual presidente da Oica, reconheceu as dificuldades para acelerar a descarbonização devido a diferentes desafios em várias partes do planeta. A realidade é que o atual ritmo da eliminação do CO2 na mobilidade é insuficiente para atingir os objetivos para 2030 e conter o avanço da temperatura global em 1,5 graus Celsius até 2050, quando as emissões líquidas devem ser zero.
“Sem uma estratégia regulatória para acabar com as emissões de CO2 não há como estar preparado para atingir este objetivo. A indústria automotiva precisa continuar trabalhando junto aos governos e outros setores da economia para convencer a todos de que não há condições para o net zero [em 2050] hoje.”
Executivo especializado em políticas públicas com passagens por Ford, DaimlerChrysler e FCA Bozzella também preside a Alliance For Automotive Innovation, entidade estadunidense de fabricantes que, segundo apresentação em seu portal na internet, pretende “tornar a vida das pessoas melhor”.
Bozella usa seu país de origem, os Estados Unidos, para demonstrar o tamanho do desafio que a indústria, os governos e a sociedade precisam enfrentar para tornar viável a descarbonização: “Hoje, nos Estados Unidos, não há condições de avançar com a eletrificação porque não há infraestrutura de carregamento suficiente”.
Ele continua: “É preciso garantir que haja carregadores para atender essa demanda e que a rede esteja capacitada para oferecer a energia mais limpa possível. Também precisamos de uma cadeia sustentável de fornecedores para que as empresas fabricantes de veículos possam obter insumos como matérias-primas minerais críticas que atendam às necessidades sem aumentar muito os preços”.
Neste momento as autoridades nos Estados Unidos estão revendo a legislação para as emissões, que terá efeito a partir de 2027. A expectativa é que haja avanços nas leis, reduzindo potencialmente as emissões. Porém Bozzella também espera que as autoridades federais e agências reguladoras reconheçam as dificuldades tanto da indústria em realizar investimentos como do próprio mercado em oferecer as condições necessárias para os veículos elétricos.
Esta é a mesma expectativa com relação à União Europeia, que tem metas ambiciosas para a eletrificação. Ele acredita que há conversas para construir um processo de revisão das leis que atualmente estão em vigor: “Esperamos que no futuro haja o entendimento de que é preciso rever as exigências no mercado europeu”.
Na Europa, apesar do aumento da participação dos veículos elétricos a bateria para 14,8% das vendas totais em setembro, na Alemanha, seu maior mercado, houve uma queda de 28,6%, atribuída à redução dos incentivos. A tendência é que esse movimento venha a ocorrer se não houver apoio para as vendas por meio de descontos oferecidos pelos governos.
Por tudo isto é providencial a reunião da Oica no Brasil. É o que argumenta Márcio de Lima Leite, que já antecipou aos integrantes da organização mundial dos fabricantes o potencial demonstrado pelas tecnologias desenvolvidas no Brasil: “Estamos confiantes de que podemos dar contribuição relevante para os desafios que se colocam em outros mercados. Temos a matriz energética mais favorável para a descarbonização, os biocombustíveis, sobretudo o etanol, com potencial para oferecer o hidrogênio verde e toda a tecnologia para os motores já bastante experimentada em nosso mercado”.
Bozzella afirmou que ainda não entrou em contato com os pormenores, mas que durante a assembleia geral com os representantes de África do Sul, Alemanha, Austrália, Áustria, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Holanda, Itália, Japão, Noruega, Portugal, Reino Unido e Suécia, além do pessoal da Acea, European Automobile Manufacturers’ Association, tomará conhecimento das soluções utilizadas no País.
Além de toda essa pauta de discussões na assembleia geral também se dará início ao processo para eleger o próximo presidente da Oica, que será indicado pelos nove representantes de entidades no conselho, no qual a Anfavea está presente. O mandato é de dois anos.