São Paulo – Acomodada a euforia da Fenatran, realizada em novembro com estimativa de recorde de negócios fechados ou alinhavados, na casa dos R$ 15 bilhões, neste início de 2025 a elevação dos juros começa a ventar contra as possibilidades de desempenho melhor para o mercado nacional de caminhões. Durante a feira a média das apostas convergia para possível alta de 5% nas vendas, que poderia surpreender e chegar até aos 10%.
Mas com o salto da taxa básica Selic, fixada em 11,25% ao ano naquele início de novembro e elevada para 12,25% em dezembro, com nova alta para 13,25% já contratada pelo Banco Central para janeiro e promessa de alcançar 14,25% neste março, os ânimos esfriaram. As expectativas, contudo, ainda não são tão ruins.
O Fórum AutoData Perspectivas Caminhões, que será realizado na terça-feira, 18 de março, debaterá o desempenho do setor com os principais representantes dos fabricantes de caminhões e implementos rodoviários. O evento é on-line e com acesso gratuito: basta acessar aqui e fazer sua inscrição para assistir.
No fim de dezembro a Anfavea, que reúne as empresas fabricantes de veículos, ajustou sua projeção de vendas domésticas de caminhões para ficar, no máximo, igual a 2024, quando foram vendidas 125 mil unidades, considerando todos os segmentos.
A maioria das consultorias segue a mesma linha, como a Power Systems Research, que prevê para este ano a venda de 120 mil caminhões acima de 6 toneladas de PBT, em leve crescimento de 2,1% – não entram nesta conta os modelos semileves de 3,5 a 6 toneladas.
Assim nem deu tempo de comemorar a boa alta nas vendas de caminhões de 15,7% sobre 2023, que foi apenas a recuperação da grande retração de 14,7% daquele ano, causada pela entrada em vigor da atual fase da legislação de emissões para veículos pesados, o Proconve P8, que tornou de 15% a 25% mais caros os caminhões pela adoção da motorização Euro 6.
Mas 2025 não começou mal: os 18,4 mil caminhões emplacados no primeiro bimestre significaram crescimento de 10,8% sobre o mesmo período de 2024, segundo consolidação da Anfavea. Fevereiro, com 9 mil emplacamentos, registrou recuo de 4,7% sobre janeiro, mas alta de 7,1% ante o mesmo mês do ano passado. Ambos os movimentos são justificados pelo menor número de dias de fevereiro, que este ano teve maior número de dias úteis porque em 2024 o carnaval caiu no meio do mês.
Na análise de Arcélio Júnior, presidente da Fenabrave, que representa os concessionários, a tendência ainda é de crescimento mas o embalo do primeiro bimestre ainda vem do fim de 2024: “O efeito Fenatran tem sido claro neste início do ano, com a confirmação dos pedidos realizados na feira. Embora a alta nas taxas de juros preocupe há a expectativa de se manter um bom desempenho em função da safra agrícola, que promete ser uma ser uma das melhores dos últimos anos”.
Horizonte preocupante
O problema é que o gás da Fenatran não deve passar do primeiro trimestre e já houve cancelamentos, embora poucos fabricantes admitam isto com todas as letras, como Alcides Cavalcanti, diretor executivo da Volvo Caminhões: “Foram cancelados perto de um terço dos pedidos tirados na Fenatran. Outro terço foi faturado e entregue e o restante foi adiado justamente por causa do ambiente econômico atual, que encareceu o crédito”.
E Cavalcanti prevê piora do cenário, especialmente no caso da Volvo, que tem produtos mais caros: “Estimamos uma redução de mercado de 10% este ano no segmento em que atuamos, que é o de caminhões acima de 16 toneladas de PBT. Embora a Selic esteja a 13,25% e com indicação de nova alta [para 14,25%] pelo Banco Central, a taxa de juros real [dos financiamentos] está bem acima disso. Isto está freando o mercado, em todos os segmentos. A maioria dos transportadores está adiando suas decisões de compra. Só estão comprando caminhão ou renovando parte da frota aqueles clientes que realmente precisam do veículo imediatamente”.
Atuando em faixa de mercado idêntica à da Volvo a Scania não observou tantos cancelamentos das vendas negociadas na Fenatran, mas tem percepção parecida sobre um ambiente mais difícil à frente, com menos recursos em caixa disponíveis para compra de caminhões, segundo avalia o diretor de vendas Alex Nucci: “O ano começou em compasso de espera, os negócios estão acontecendo em um ritmo menor se comparado a 2024. A taxa de juros elevada, com tendência de alta, se soma aos aumentos de preços do diesel, que impactam diretamente o custo operacional dos clientes”.
Jefferson Ferrarez, vice-presidente de vendas e marketing de caminhões da Mercedes-Benz do Brasil, segue o mesmo raciocínio: “Com a alta da taxa de juros alguns segmentos foram impactados e alguns operadores estão postergando a compra de novos caminhões”. Ele cita o exemplo do varejo, especialmente mercadorias transportadas por veículos rodoviários de maior porte: “Os modelos extrapesados têm preços mais elevados e, então, qualquer variação na taxa do financiamento resulta em grande impacto no valor da parcela dos clientes”.
Ainda assim a Mercedes-Benz, bem como todos os demais fabricantes de caminhões no País, trabalham com a projeção de estabilidade do mercado feita pela associação do setor: “Estamos em fase de revisão das projeções, mas até o momento mantemos o alinhamento com a Anfavea”.
Nucci, da Scania, vai pelo mesmo caminho: “Naturalmente o mercado em 2025 será mais desafiador e com isso nossas projeções, sem dúvida, serão alteradas. Será um ano de menores volumes, mas ainda é cedo para fazer projeções. Acreditamos que após o fechamento do primeiro trimestre teremos céu mais claro de como deverá ser”.
Ventos contra e a favor
Apesar do vento contrário dos juros Cavalcanti, da Volvo, avalia que o resultado não será de todo negativo: “Não significa que será um ano ruim, até porque, a se confirmar o desempenho atual, 2025 terá volumes maiores do que os de 2023, mas deverá ser inferior a 2024”.
De modo geral a crença é de que embora os juros trabalhem contra o crescimento das vendas também existem motivos concretos para comprar caminhões, como a já citada supersafra de grãos que impõe necessidade de transporte de estimadas 320 milhões de toneladas de soja e milho. Também devem sustentar as vendas para cima os investimentos do governo em programas como o Minha Casa, Minha Vida e o PAC, Programa de Aceleração do Crescimento, que fomentam negócios no setor de construção civil e a compra de caminhões pesados e semipesados.
“O segmento de caminhões pesados enfrenta mais desafios, mas o de semipesado vive em um cenário mais positivo, com demanda mais aquecida”, afirma o diretor de vendas da Scania.
Segundo Ricardo Alouche, vice-presidente de vendas e marketing da Volkswagen Caminhões e Ônibus, até o momento a empresa não notou sinal de retração do mercado: “Ao contrário: passado o período de fim de ano temos notado a volta de grandes clientes para novas negociações”. O executivo afirma ainda que “nenhum negócio efetivamente fechado na Fenatran foi cancelado ou postergado. Estamos faturando todos os pedidos de acordo com os prazos de entrega estabelecidos”.
Com uma linha ampla de produtos, de modelos semileves a extrapesados, a Iveco continua surfando na onda que se ergueu na Fenatran. Carlos Fraga, seu diretor de marketing na América Latina, afirma que todos os objetivos comerciais da feira foram alcançados e “esperamos continuar fechando negócios a partir dos contatos realizados durante o evento”.
Segundo Fraga as vendas seguem crescendo bastante acima da média do mercado: “Observamos crescimento de 45% nos emplacamentos da Iveco e ganhamos 2 pontos porcentuais de market share ao comparar janeiro de 2025 com 2024. Estamos reforçando o contato com nossos clientes para ampliar nossa participação tanto em grandes frotas e como com autônomos”.
O bom momento de 2024 e início de 2025 ainda sustenta certo otimismo, mas os próximos meses mostrarão de fato o quanto o juro alto pode anular os fatores de crescimento do mercado nacional de caminhões.