São Paulo – Após quinze anos de testes de segurança veicular, aplicados em mais de duzentos carros zero-quilômetro vendidos na América Latina, o Latin NCAP segue avançando mesmo diante das muitas críticas de diversas montadoras que não gostam de ver entidade independente divulgar problemas em seus produtos ou confirmar que eles são menos seguros do que seus congêneres europeus.
Em janeiro de 2026 entra em vigor a primeira atualização do quarto protocolo de avaliação da organização, iniciado em 2020 com adoção de critérios mais próximos do Euro NCAP.
A atualização, que vale até 2029, adiciona novas avaliações, como notas para segurança dos passageiros nos assentos traseiros em caso de colisão frontal e lateral, torna mais exigentes alguns critérios técnicos e leva em conta a oferta padrão de sistemas de segurança para um maior número de veículos – como airbags cortina, frenagem automática de emergência e controle de centralização na faixa de rodagem. Com isto fica mais difícil conseguir a nota máxima de cinco estrelas do Latin NCAP, em uma escala que começa em zero estrela.
Para os críticos dos métodos da entidade, que a acusam de adotar padrões de segurança exagerados, pois estariam acima do que as legislações locais já exigem, Alejandro Furas, secretário geral do Latin NCAP, tem resposta na ponta da língua: “Estamos adotando somente agora padrões que o Euro NCAP adota há mais de dez anos. E ao contrário de outras localidades a América Latina é a única região em que não há nenhum apoio do governo às nossas avaliações, que têm como único objetivo incentivar os fabricantes a produzir carros mais seguros, como já fazem em países europeus, por exemplo”.
Também sai na ponta da língua a resposta sobre o encarecimento dos carros que as montadoras atribuem ao aumento das exigências de segurança e de adoção de sistemas ativos: “Não é verdade que mais segurança torne os carros tão mais caros. Uma unidade de airbag, por exemplo, custa cerca de apenas US$ 50 para o fabricante. No Brasil os airbags já são obrigatórios há uma década e isto criou escala para baratear o equipamento. O mesmo acontecerá quando mais sistemas de segurança forem obrigatórios”.
Mais ainda, é bom lembrar, no Brasil as políticas de desenvolvimento para a indústria automotiva, como Rota 2030 e o atual Mover, Programa Mobilidade Verde e Inovação, concedem descontos tributários aos fabricantes de veículos que adotam mais sistemas de segurança.
Evolução, apesar da negação
A posição oficial da maioria das montadoras no Brasil é de respeitar a legislação e, por isto, não reconhecem os testes do Latin NCAP – apesar de nenhuma delas divulgar os resultados dos testes próprios que fazem dentro de casa. Este não reconhecimento invariavelmente acontece com fabricantes que têm modelos mal avaliados nos testes da entidade independente, como é o caso mais recente da Stellantis, por causa das notas zero para toda a linha Citroën fabricada no Brasil, incluindo C3, C3 Aircross e Basalt avaliados pelo Latin NCAP, respectivamente em 2023, 2024 e 2025.

Apesar da fricção no relacionamento com montadoras que tiram notas baixas Furas garantiu que o diálogo está sempre aberto, todos os resultados dos testes são auditados e compartilhados com as empresas: “O pior momento de uma montadora em nossas avaliações talvez seja o de maior diálogo”.
Para o secretário geral do Latin NCAP é melhor focar nos resultados práticos desta relação: “Não olhem para o que a montadora fala mas para o que ela faz após os resultados de nossas avaliações”.
Ele citou casos de fabricantes que melhoraram a segurança de seus carros após avaliações ruins da entidade, como a Nissan: mesmo sob protocolos mais simples do Latin NCAP na década passada, inicialmente com apenas um teste de colisão frontal, a montadora tirou notas baixas para modelos produzidos no México e no Brasil, mas hoje adota seis airbags e controle de estabilidade ESC em todos os seus veículos na América Latina, inclusive em países onde estes equipamentos não são obrigatórios. Não por acaso o novo Kicks fabricado em Resende, RJ, tirou cinco estrelas na avaliação realizada em março.

Outro bom exemplo é o da General Motors, que em 2013 teve nota zero com o descontinuado Chevrolet Agile sem airbags e também com o Onix em 2017, que mesmo com dois airbags como equipamento padrão não conquistou nenhuma estrela. A GM refutou os resultados mas aplicou aperfeiçoamentos, incluindo adoção de quatro airbags de série em todas as versões da nova geração do Onix, que foi avaliada com cinco estrelas em 2019, pouco antes da mudança de protocolo que endureceu a avaliação a partir de 2020.
Já a Volkswagen adotou a tática de dispor de sistemas de segurança em um maior número de modelos e entregou ao Latin NCAP carros prontos para irem bem nos testes. Foi assim que tirou cinco estrelas com o recém-lançado Tera. A fabricante tem como meta que toda a sua linha de produtos na região alcance classificação de três a cinco estrelas.

“A maioria dos modelos que tiveram notas baixas em nossas avaliações passaram por melhorias e tiraram notas melhores depois”, apontou Furas. “Isto prova que são poucos os fabricantes que não fazem nada. Até mesmo a Stellantis, que não reconhece nossas avaliações, mantém diálogo aberto conosco e abriu um moderno centro de testes [o Safety Center South America, inaugurado em 2019, em Betim, MG].”
Etiquetagem de segurança
Financiado integralmente por organizações não-governamentais como a FIA, Federação Internacional de Automobilismo, e a Bloomberg Philanthropies, mesmo sem ter apoio formal de governos na América Latina, segundo Furas o Latin NCAP mantém diálogo aberto com os órgãos que legislam sobre a segurança do trânsito, como é o caso da Senatran no Brasil, ainda que sem muitos resultados práticos.
Furas propôs que os países latino-americanos adotem o que chama de “etiquetagem veicular de segurança”, em moldes parecidos com o que já acontece na Europa e nos Estados Unidos: “Esta é a única forma de tornar transparente a avaliação de segurança de todos os carros à venda, conferindo um valor maior a isto, o que obrigaria as montadoras a adotar mais equipamentos e sistemas para não ficar atrás da concorrência”.
Ele acredita que os governos deveriam tornar obrigatória a etiquetagem com a classificação de zero a cinco estrelas do Latin NCAP, que não limitaria legalmente a venda do veículo mas deixaria claro seu nível de segurança para o consumidor escolher o que prefere.
A proposta é que esta classificação fosse adotada em etapas: no primeiro ano nos dez veículos mais vendidos, no segundo para os vinte mais e, no terceiro, para os trinta. E qualquer carro que não esteja dentre os mais demandados mas que tenha avaliação do Latin NCAP deveria ser obrigado a exibir sua classificação.
Para ampliar o alcance
A etiquetagem obrigatória de segurança seria o melhor apoio que qualquer governo poderia dar ao Latin NCAP, pois ampliaria muito o alcance e a capacidade da entidade sediada em Montevidéu, Uruguai, que hoje tem equipe de apenas seis pessoas e este ano, até novembro, concluiu sete avaliações, a maioria patrocinada pelos fabricantes. Todos os testes são feitos nas instalações da ADAC em Landsberg, na Alemanha.

Com limitações financeiras e estruturais o Latin NCAP tem duas maneiras de aplicar suas avaliações: a primeira, e mais recomendável, é a compra do carro zero em uma concessionária, sempre da versão mais básica, para envio posterior à Alemanha onde os testes são executados, com todas as despesas deste processo custeadas integralmente pela entidade.
“Gostaríamos de poder fazer mais avaliações com recursos próprios mas não conseguimos pois temos orçamento limitado”, diz Furas, para justificar a execução de apenas uma ou duas avaliações por ano pagas pela própria instituição.
A outra forma são os testes patrocinados pelas montadoras, que indicam o carro que querem submeter à avaliação, mas com critérios estritos: o Latin NCAP escolhe na fábrica um carro de produção liberado para a concessionária, faz os crash tests e ensaios de pista na Alemanha, publica o resultado e só então emite a fatura de despesas que devem ser ressarcidas pelo fabricante patrocinador do teste: “Já deixaram de pagar estas despesas porque não gostaram do resultado da avaliação”.
Embora este não seja o formato considerado ideal o secretário geral do Latin NCAP pondera que as avaliações patrocinadas também têm vantagens, pois as montadoras assumem o compromisso de enviar carros com sistemas de segurança que farão parte da maioria das versões vendidas, e também porque assim é possível testar os veículos no ato do lançamento, em vez de esperar de três a seis meses para que ele chegue a uma concessionária e seja comprado pela entidade: “Neste caso fazemos a avaliação depois que muitos já compraram o produto e influenciamos menos na escolha”.
Veja aqui as principais atualizações do protocolo de testes do Latin NCAP que serão adotadas a partir de janeiro de 2026 e valem até o fim de 2029.




