São Paulo – “O Brasil pode ser um laboratório vivo da mobilidade de baixo carbono com identidade própria, por meio de eficiência energética, energia renovável e softwares. Não é um salto de fé, é um roteiro de engenharia.” Assim terminou sua apresentação, na abertura do Congresso SAE 2025, Margarete Gandini, diretora do Departamento de Desenvolvimento da Indústria de Alta-Média Complexidade Tecnológi,a, do MDIC, Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
Falando a uma plateia majoritariamente formada por engenheiros automotivos, ao que classificou de “chamado à ação do setor automotivo brasileiro”, Gandini mostrou como o governo projeta o futuro, as tendências tecnológicas e define os caminhos para desenvolver a indústria automotiva de baixo carbono no País até o fim desta década e um pouco além. Para alguns dos engenheiros que a ouviram foi fornecido ali uma espécie de roteiro que deveria ser copiado para a execução do planejamento estratégico das empresas.
Tendências tecnológicas para 2030 e além
O governo, segundo a diretora do MDIC, trabalha com perspectivas tecnológicas para além de 2030 que envolvem o desenvolvimento do que ela chamou de “eletrificação inteligente”, por meio do uso de softwares integrados, aplicação de gestão térmica aos sistemas elétricos, produção de veículos com materiais leves, criação de rede de postos de recarga inteligentes, carros híbridos flex mais eficientes e veículos 100% elétricos em frotas urbanas, com instalação nas garagens de BESS – sigla para bancos de baterias para armazenamento de energia.
Para os veículos a combustão pesados e fora-de-estrada, mais difíceis de eletrificar, a ideia é, nos próximos cinco anos, endereçar o aumento da oferta e do uso de alternativas renováveis como biometano, HVO [diesel de óleo vegetal hidrogenado] e etanol, com medição das emissões no ciclo de vida completo do veículos e dos combustíveis utilizados.
Em paralelo o governo quer incentivar a engenharia instalada no Brasil a generalizar o desenvolvimento de produtos definidos por software. São veículos que têm suas principais funções controladas e aprimoradas por meio de programas computacionais em vez de sistemas fixos. A ideia é desenvolver plataformas OTA, atualizadas por meio de conexão com a internet.
Com essas rotas tecnológicas definidas o governo espera que, em um cenário-base traçado para 2030, a indústria já tenha espalhado pelo País dezenas de modelos de carros híbridos flex como solução de custo eficiente para reduzir emissões, com plataformas globais projetadas no Brasil e softwares desenvolvidos pela engenharia brasileira que podem ser exportados.
Também é esperado forte aumento de participação nas frotas urbanas de ônibus e caminhões e furgões elétricos e larga escala de uso de biometano e HVO por veículos pesados rodoviários – o plano é criar um corredor continental na América do Sul para abastecer caminhões a biometano com contratos de redução de CO2 para incentivar a cadeia.
Em um cenário para 2035, definido pelo governo como “ambicioso”, a expectativa é que toda a cadeia produtiva da indústria automotiva esteja monitorada por métricas integradas de emissões de carbono, que sejam criados polos exportadores de componentes e que esteja amadurecida a economia circular do setor, com amplas operações de reciclagem de materiais e remanufatura de componentes rastreados, incluindo baterias.
Ações coordenadas e imediatas
Na visão do MDIC a indústria deve, desde já, começar a adotar ações integradas em diversos campos para que o cenário proposto seja alcançado. Para o desenvolvimento de novos produtos o governo propõe que os novos projetos já incorporem a análise de seu ciclo de vida desde o início dos trabalhos, com adoção da tecnologia de gêmeos digitais para reduzir o tempo de desenvolvimento e estabelecer metas de conteúdo reciclado desde o primeiro traço.
Para aumentar o uso de energia renovável a sugestão é desenvolver programas piloto de BESS, bancos de baterias, em garagens de ônibus urbanos, bem como instalar postos de abastecimento biometano e HVO em corredores estratégicos de circulação de veículos pesados rodoviários, e criar redes inteligentes de recarga para elétricos com tarifação horária.
Na gestão de dados, para medir com precisão as metas de eficiência e emissões, a indústria deverá padronizar os sistemas de telemetria instalados nos veículos.
Também as pessoas que trabalham na indústria devem receber requalificações diante das várias transformações, para aprender a trabalhar com software automotivo, análise de ciclo de vida do produto, cibersegurança e eletrificação.
Segundo indica a diretora Gandini políticas industriais como o Mover, Programa Mobilidade Verde e Inovação, agora integrado ao RenovaBio, que premia com créditos o uso de biocombustíveis, regulam o setor e incentivam a indústria a tomar o rumo desejado pelo governo até a virada da década. Para ela a governança para estabelecer todos os novos padrões à indústria automotiva nacional deve ser feita por meio de comitês conjuntos que integrem o desenvolvimento de produtos, combustíveis e infraestrutura. Margarete Gandini resumiu:
“O Brasil tem vocação energética de baixo carbono, diversidade industrial e competência técnica de engenharia para desenvolver a indústria automotiva do futuro”.