A tragédia que levou ao chão o teto da fábrica de motores da Toyota em Porto Feliz, SP, traz, além de todo o impacto noticiado por AutoData, e o que está por vir nos próximos meses, algo que todo o setor automotivo já deveria ter contabilizado mas que, a partir de agora, deve ser prioridade: o impacto dos eventos ambientais extremos em seus negócios.
Mesmo sem ter causado danos diretos à operação industrial, como no caso da Toyota, as enchentes do Rio Grande do Sul, em maio de 2024, afetaram bastante o setor automotivo, com a paralisação da produção nas fábricas da Marcopolo, em Caxias do Sul, da Randocorp em todo o Estado, John Deere e AGCO em Canoas, Montenegro e na Capital, Porto Alegre.
A General Motors paralisou suas operações em Gravataí, na Região Metropolitana, por três semanas para preservar a segurança devido ao alagamento das instalações e das vias de acesso. E quase todas as lojas na Avenida Ceará, que concentra a maioria das concessionárias na Capital gaúcha, tiveram suas instalações invadidas pelas águas do rio Guaíba.
Qual o custo operacional da indústria automotiva paralisada e quanto foi o prejuízo causado aos empresários do varejo no Rio Grande do Sul? Desde o ocorrido nenhuma ação conjunta tratou de endereçar soluções. E o Guaíba voltou a subir em 2025.
Nuvens negras
A péssima notícia é que estes impactos se tornarão cada vez mais frequentes e imprevisíveis e que, exatamente por isto, torna-se necessário que a indústria automotiva, toda esta imensa cadeia composta dos fornecedores de matéria-prima e componentes aos revendedores, transportadores e prestadores de serviços dos mais variados para a mobilidade sobre rodas, tome atitudes mais firmes e consistentes para mitigar as transformações do clima.
Conversando com conservacionistas e especialistas em meio ambiente e mudanças climáticas o consenso é que o ponto de partida para uma atitude diferente deve ser o reconhecimento desses fenômenos naturais para que haja, de fato, reação a um desequilíbrio ambiental no planeta. Ainda como parte do primeiro passo é preciso compreender que estes fenômenos naturais serão cada vez mais frequentes, intensos e imprevisíveis. O que houve em boa parte do Interior do Estado de São Paulo naquela segunda-feira, 22 de setembro, foram ventos fortes atingindo quase todas as regiões.
Particularmente em Porto Feliz, especificamente na área da cidade onde se encontra a fábrica da Toyota, o que houve, segundo a Defesa Civil do Estado, foi um fenômeno chamado de microexplosão atmosférica, que é uma corrente de ar descendente muito forte e intensa que se espalha horizontalmente até atingir o solo. No terreno onde estava o prédio da fábrica de motores da Toyota os ventos foram estimados de 90 km/h a 95 km/h, com picos de 99,1 km/h.
De acordo com o sindicato dos trabalhadores da região a perícia da seguradora na fábrica após o ocorrido indicou que poderia ter havido tragédia sem precedentes caso as paredes não tivessem sido retidas pela ponte rolante que cedeu e caiu sobre os maquinários. As imagens de aço contorcido e carros revirados chocou a sociedade.
Fernando Beltrame, CEO da Eccaplan, que atua há mais de quinze anos em projetos de conservação e mitigação de danos ao meio ambiente, raciocina que “diante do desequilíbrio ambiental e da degradação de ecossistemas eventos extremos tornaram-se cada vez mais comuns”.
Ele afirma que a partir de agora são necessárias ações transversais como a preservação de ecossistemas e do meio ambiente. Em Porto Feliz, mesmo com uma cobertura vegetal considerável no entorno da unidade da Toyota, algumas áreas abertas podem ter favorecido a intensidade e a proliferação da microexplosão.
Obviamente a descarbonização da mobilidade é outro fator importantíssimo para contribuir com a redução de eventos extremos. Mas esta é uma ação que precisa ocorrer em âmbito global ao mesmo tempo e de forma radical, algo que está longe de ocorrer.
Um bom exemplo de ação global que recuperou um dano ao planeta foi o banimento do clorofluorcarboneto, o CFC, de embalagens aerossóis, na refrigeração em aparelhos de ar-condicionado, em solventes e extintores de incêndio. A camada de ozônio, sobretudo nos Polos Norte e Sul, foi afetada, prejudicando a capacidade da estratosfera filtrar os raios ultravioletas prejudiciais à nossa pele e a diversos outros organismos vivos.
Desde 1987, com a assinatura do Protocolo de Montreal, o CFC foi substituído e estudos recentes indicam que a camada de ozônio deve se recuperar aos níveis de 1980 na maior parte do planeta até 2040 e na Antártica até 2066. Esse caso demonstra a capacidade de reverter danos causados pela ação humana ao meio ambiente.
Nesta temporada que se inicia com a primavera no Hemisfério Sul a expectativa é de novos e talvez ainda mais intensos eventos extremos. Por isto é preciso prevenir para reduzir os impactos imediatos. Segundo Beltrame já deveria estar na mesa um plano de prevenção com avisos meteorológicos e alertas da Defesa Civil, abrigos em áreas de risco, equipes treinadas para remoção e realocação de pessoas, atenção ao abastecimento de água, energia e suprimentos, além de fundos de apoio a vítimas e empresas atingidas.
Claro que ações de médio prazo de combate às causas indiretas dos eventos extremos como programas de recuperação de áreas degradadas, incentivo ao uso sustentável dessas áreas e ações coordenadas dos governos, sociedade civil e organizações sem fins lucrativos devem ser discutidas e colocadas em prática a partir de agora.
O parque industrial instalado em diversas regiões do País pode ser apenas uma vítima aparente, mas o impacto atinge toda a sociedade. É verdade que a indústria automotiva tem feito muito para atacar o tema das mudanças climáticas. Mas como vimos isto ainda é insuficiente para conter esta mudança radical do planeta.
Os especialistas em meio ambiente, como Fernando Beltrame, acreditam que a COP 30, daqui um mês no meio da selva amazônica, pode ser um marco, um ponto de encontro para repensar estratégias: governos, empresas e sociedade civil precisam preencher as lacunas reveladas por eventos como o de Porto Feliz. Os prejuízos econômicos são significativos, mas as perdas humanas e naturais jamais podem ser negligenciadas.