Ainda não é líquido e certo. Mas quem acompanha de perto as negociações confidencia que, desta fez, pode estar, de fato, bem próximo o consenso capaz de viabilizar a adoção, no Brasil, de uma versão tropicalizada da legislação trabalhista alemã – a que permite redução simultânea da jornada e de salários e, assim, abre a possibilidade de se atravessar, sem mais demissões, crises como a enfrentada agora pelo setor automotivo.
Trata-se de questão cuja importância vai bem além, hoje, da manutenção de alguns milhares de empregos. Quem vive as entranhas da indústria automotiva sabe que ao menos no âmbito específico das empresas com maior dependência da produção e da venda de veículos 0 KM – sejam automóveis ou, sobretudo, caminhões – este é um setor que está praticamente parado. Quase em estado vegetativo.
Todos dão mostras de acreditar que há uma luz no fim do túnel. E luz de boa qualidade. Mas ninguém consegue projetar qual seria, afinal, o tamanho deste túnel a ser atravessado. E nem definir quais os meios com os quais será possível contar para fazer a travessia.
O clima é de aversão quase que total a qualquer tipo de iniciativa que implique em custo ou risco. O coração do setor ainda bate e o pulmão respira. Mas todos se esquivam de tomar qualquer tipo de decisão à margem da mais pura rotina.
Muitas empresas já reduziram seu efetivo neste primeiro semestre, até arcando com custos adicionais gerados por PDVs. E sem ter como dimensionar o tempo que a travessia deste túnel ainda demandará, há o temor de ter que se defrontar, no segundo semestre, com novo ciclo de demissões.
E é exatamente neste contexto que a mudança na legislação trabalhista sobre a qual há meses se conversa ganha sua maior relevância e urgência. Ela poderia funcionar quase que como um suprimento adicional de oxigênio, capaz de tornar a travessia mais suave e com maiores chances de sucesso.
A proposta da mudança na legislação surgiu dentro da Anfavea ainda em meados ano passado, na época em que o atual esfriamento do mercado brasileiro de veículos era, ainda, nada muito além do que a projeção de eventual marola a ser provocada pelo inevitável ajuste fiscal a ser feito pelo governo.
O esfriamento do mercado chegou, de fato, no início do ano. E acabou agravado pela demora acima do esperado na definição do ajuste fiscal. Vieram, então, as férias coletivas, os lay-offs, os PDVs e as demissões – inevitáveis doses de fermento na insegurança dos consumidores em relação ao futuro, o que sempre é fatal para um setor como o automotivo, cujas vendas, sejam de automóveis ou de caminhões, apoiam-se fortemente em financiamentos.
E foi assim que o leve solavanco projetado para o primeiro trimestre assumiu proporções catastróficas. A administrável queda de 5%, quanto muito, na produção que era esperada subiu para 20% nos automóveis e para 40% nos caminhões.
Dezenas de milhares de empregados passaram a sobrar nas linhas de montagem e nos escritórios. São bem poucas, hoje, em toda a cadeia automotiva, as empresas que ainda mantém o mesmo efetivo de funcionários com o qual começaram este ano. E muitas ainda contabilizam dezenas, centenas ou até milhares de funcionários ociosos, na dependência do porte da companhia.
Mas, mesmo assim, a proposta não conseguiu avançar. Quem participa das negociações explica a dificuldade: são muitos os ministérios e as centrais sindicais envolvidas no tema, não raro com interesses conflitantes entre si. E todos precisam ser consultados e consideram ter o direito de opinar.
Além disso, ainda que a medida pudesse vir a evitar alguns milhares de demissões, há uma complexa questão política a ser enfrentada: ao permitir a redução do salário, ainda que de forma temporária e em determinadas condições, a iniciativa tem grandes chances de ser colocada lado a lado com as recentes mudanças no seguro desemprego e na aposentadoria. E, assim, ser encarada como mais uma das chamadas agressões aos direitos históricos dos trabalhadores.
Consta que, nestes últimos tempos, a questão tem empacado justamente no fato de que, ao menos no sistema original, o alemão, os trabalhadores terem de arcar proporcionalmente com sua parte da conta.
A solução salomônica seria a antecipação imediata para os trabalhadores, como complemento do salário reduzido, dos recursos que seriam colocados pelas empresas como provisão para a multa do FGTS em caso de demissão.
Há quem aposte que, desta vez, o acordo pode ser efetivamente selado. Possivelmente em poucos dias. Talvez até ainda antes do final do semestre.
Seria, de fato, muito oportuno. O suprimento adicional de oxigênio estaria à disposição. E estaria aberto o caminho para o setor entrar no segundo semestre com mais luz no fim do túnel e, assim, começar a sair do estado vegetativo.
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