São Paulo — A inflação nas alturas desencadeada pela demanda aquecida com oferta reduzida, devido à crise de abastecimento de insumos, produto da pandemia, traz efeitos distintos sobre dois setores complementares, o de transporte de cargas e o de condução de passageiros. Ao mesmo tempo em que faltam motoristas de caminhões, sobram condutores de ônibus.
Isso porque isolamento social imposto pela Covid fez com que disparasse a necessidade pelo transporte de mercadorias, com maior consumo de alimentos e bebidas fomentado pelo home office e pela adesão em massa das compras no comércio eletrônico. Mas, ao mesmo tempo, desestimulou o transporte coletivo, a fim de tentar conter a disseminação do novo coronavírus.
O cenário trouxe forte pressão nos custos dos serviços e produtos. E diante do encarecimento do diesel, de alimentos, da mão de obra e do caminhão e seus complementos, como pneus, para muitos profissionais deixou de ser vantajoso se arriscar pelas estradas do Brasil pilotando pesados. E o frete, segundo a NTC, Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística, está com defasagem de 25%.
Pesquisa da entidade deste ano comprovou reação do setor, com 53% dos empresários avaliando melhora em comparação a 2020 e aumento de 35% de novos registros de transportadores, chegando a 1 milhão de representantes, o que inclui autônomos. Isso mesmo com o veículo tendo encarecido 50%, chegando ao custo médio de R$ 1,5 milhão, considerando modelo para transportar soja, que vem levantando o volume de negócios. Mas os números ainda estão longe de serem bons, avaliou o vice-presidente Danilo Guedes.
Segundo ele, o setor carece de atrativos para conquistar condutores. No primeiro semestre deste ano, a CNT, Confederação Nacional do Transporte, divulgou que desde abril, quando se tornou obrigatória a realização do exame toxicológico a cada dois anos e meio, 3,5 milhões de motoristas desapareceram do mercado. “Ou seja, isso comprova que esse profissional é usuário de algum tipo de produto químico. Olha o tamanho do problema que o setor enfrenta. Ainda mais em um país como o Brasil, de dimensões continentais e no qual 65% de tudo o que é transportado é sobre caminhões.”
O outro ponto é a remuneração. “Muitos não querem mais exercer a função, seja pela falta de segurança nas estradas, pelo alto custo para se alimentar no trajeto, por passar dias fora de casa. E isso não é exclusivo do Brasil. É algo global. Vimos recentemente que o Reino Unido passa pelo mesmo problema. Hoje tem mais carga do que caminhão. E para voltar a valer a pena o setor tem que se reinventar.”
Diante disso, muitas empresas têm buscado por motoristas sem experiência, cuja formação é feita dentro de casa. Outra fonte de mão de obra tem sido condutores de ônibus, já que na pandemia muitos ficaram parados. “Mas agora eles estão sendo chamados novamente. Então é uma briga, um cabo de guerra que teremos nos próximos anos.”
Marcos Bicalho dos Santos, diretor administrativo e institucional da NTU, Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos, reconhece a situação e conta que de janeiro de 2020 até outubro de 2021 o número de postos de trabalho no setor de ônibus caiu 20%, o que representa a demissão de 87 mil profissionais em todo o País diante da redução de oferta de serviços. Em dezembro de 2019 eram 410 mil empregados e, hoje, são 323 mil:
“Boa parte dos cortes foi entre os cobradores, pois muitas empresas excluíram essa função durante a pandemia. Mas as companhias assumiram o compromisso de preparação da mão de obra desses cobradores para se tornarem futuros motoristas. Trabalho realizado em parceria com o Sest/Senat caminha à eliminação desse posto de trabalho, que é ultrapassado”.
De acordo com a NTU, de março do ano passado até outubro de 2021, 52 empresas do ramo pararam de prestar serviços seja devido ao encerramento de atividades, processo de recuperação judicial e ou intervenção do poder concedente. Isso trouxe desequilíbrio nas contas de R$ 21 bilhões.
No atual cenário, portanto, Santos afirmou que não há falta de mão de obra. “A recuperação ainda está no princípio. Algumas cidades já estão com 90% da demanda que tinham antes da pandemia, mas a média está bem abaixo, chegando a 70% do que era. Quando retormarmos as contratações vamos disputar com a NTC quem vai conseguir levar mais motoristas.”
No entanto, a recuperação da atividade de transporte coletivo também passa pelo aumento dos preços. O diretor da NTU pontuou que 18% dos custos do setor é composto pelo diesel, que disparou 65% neste ano. E a mão de obra, diante do nível inflacionário de 10%, vai refletir entre 5,5% e 6% nas negociações salariais do início do ano:
“Só esses dois itens representam 23% de reajuste de impacto nos nossos custos. Essa questão de se trabalhar com a oferta maior do que a demanda reduz nosso índice de produtividade e reflete na tarifa. Hoje temos diminuição de produtividade da ordem de 25% e estamos entrando em período de ajuste tarifário e em um ano eleitoral. Então seguimos trabalhando para conscientizar o governo federal, para que ele lidere a recuperação do setor, que aprove a instituição de um marco legal para o setor de ônibus, único meio para melhorar a qualidade e investir em frota”.
Foto: Fotos públicas.