São Paulo – A nova onda de covid-19 provocada pela variante ômicron, que segundo estudos de cientistas tem maior poder de transmissão, tem varrido as linhas de montagem das fabricantes de veículos nas últimas semanas. Somente no Grande ABC foram mais de 1,2 mil afastamentos, de acordo com levantamento do sindicatos dos metalúrgicos da região a pedido da Agência AutoData. Em outras regiões, como o Vale do Paraíba, também há trabalhadores contaminados, embora em menor escala – nem todos os sindicatos atenderam a solicitação da reportagem e alguns alegam que, após a reforma trabalhista, não têm mais acesso a esses dados.
A indústria se preocupa com o fato de que, embora o tempo de afastamento ser menor do que em outros momentos da pandemia – os novos protocolos do Ministério da Saúde sugerem de cinco a dez dias, em vez dos catorze exigidos no passado –, o índice de contágio é muito superior. E que, diante do absenteísmo, que conta com novos casos diariamente, faltem profissionais no chão de fábrica e torne-se mais complicado o cenário que já vinha sendo dificultado pela falta de semicondutores.
Em São Caetano do Sul, SP, por exemplo, o presidente do sindicato dos metalúrgicos, Aparecido Inácio da Silva, o Cidão, teme que com o avanço da doença chegue o dia em que um dos turnos da fábrica da General Motors não funcionará por falta de mão de obra. Ele contou que em dezembro havia média de cem afastamentos/dia, que saltou para 250 agora. Na média 350 profissionais tiveram de ficar isolados, mas ele teme que esse número continue aumentando, apesar da vacina. A operação na cidade conta com 7,2 mil profissionais.
“Aqui a coisa está feia”, disse Cidão. “Retornamos das férias coletivas no dia 17 e já temos média de duzentas a 250 pessoas afastadas por dia. A fábrica está administrando na medida do possível. Há alguns gargalos de produção que ela vai contornando durante o dia. Tem gente que fica até mais tarde para ajudar, outros estão cobrindo alguns colegas. Tomara que não aconteça, mas está prestes a acontecer uma parada de turno em virtude disso.”
Na unidade da GM em São José dos Campos, SP, foram afastados vinte profissionais. O volume menor que o de São Caetano se explica, de acordo com o sindicato dos metalúrgicos local, por lay off que havia sido aplicado a 691 funcionários e que chegou a suspender o segundo turno no início de novembro. Todos, no entanto, voltaram ao trabalho no dia 10 com a notícia da chegada de chips para concluir a produção. A fábrica emprega 3,8 mil funcionários.
O presidente da Anfavea, Luiz Carlos Moraes, disse que a expectativa é a de um grande aumento no número de trabalhadores contaminados nas próximas semanas, como deverá acontecer em todo o País. Tanto que a entidade tentará coletar números com as montadoras para acompanhar a evolução dos casos e seus impactos.
É mais um componente para agravar a situação da indústria automobilística, que já lida há um ano com a crise de escassez de semicondutores. Ainda é cedo para dizer que a produção de janeiro ficará menor por causa dos afastamentos, mas o resultado de emplacamentos da primeira quinzena já ligou um alerta: 68,9 mil veículos licenciados, queda de quase 18% no volume de emplacamentos na comparação com igual período em 2021, quando também já havia problemas com chips e coronavírus.
Moraes acrescentou novo ingrediente ao sinal de alerta: a China está usando todos as ferramentas possíveis para conter o aumento de casos da covid-19 antes dos Jogos Olímpicos de inverno, programados para fevereiro: “Qualquer caso novo eles paralisam e fecham fábricas, assim como os portos. Isso pode causar um novo desequilíbrio na cadeia global de fornecimento”.
A preocupação é partilhada pelo diretor executivo do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Carlos Caramelo, que também teme por maior escassez de insumos: “Em países onde não há índice alto de vacinação é possível haver paradas de produção, o que afetará fornecedores, seja pelo índice de contaminação das pessoas, seja por determinação do governo, e esse fato acarretará em falta de peças”.
Para o sindicalista a solução está na manutenção dos protocolos sanitários dentro das fábricas e da vacinação: “A maioria das empresas tem o controle 100% de quem vacinou e, inclusive, muitas delas exigem a apresentação do comprovante de vacinação. A exceção fica com quem não pode tomar o imunizante por algum problema de saúde”.
Na fábrica Anchieta da Volkswagen, em São Bernardo do Campo, há 444 casos ativos, sendo 290 na produção, e 39 suspeitas. No entanto, segundo a empresa não houve impacto na produção porque, “desde o início, reforçamos nossos protocolos de saúde e segurança, que já havíamos adotado antes, orientando todos os colaboradores”. A unidade possui em torno de 8,5 mil funcionários.
Na fábrica da Mercedes-Benz na mesma cidade, que também emprega 8,5 mil pessoas, foi registrado absenteísmo de 394 profissionais de meados de dezembro à primeira quinzena de janeiro. A empresa informou que intensificou as ações de limpeza e desinfecção das áreas, voltou a ocupar os ônibus fretados com apenas 50% da capacidade e determinou que trabalhadores e visitantes devem comprovar as doses de vacinação e não entram na fábrica com sintomas gripais ou febre.
Na unidade da Toyota também em São Bernardo, que emprega 1,5 mil funcionários, há dezesseis casos ativos. Número semelhante ao da planta da Caoa Chery em Jacareí, SP, com dezoito afastamentos, em um total de 698 trabalhadores. A Scania, uma das fabricantes do ABC, não contabilizou casos porque seus 4,7 mil empregados saíram em férias coletivas em 23 de dezembro e ainda não retornaram por causa da falta de semicondutores.
Em Minas Gerais, onde está a Fiat, os números totais de casos não foram passados para o Sindicato dos Metalúrgicos de Betim porque a empresa realiza os testes internamente e não divulga os resultados por causa da LGPD, Lei Geral de Proteção de Dados. De acordo com a entidade o número de funcionários afastados por causa da covid-19 tem aumentado diariamente na unidade e também nos fornecedores, como acontece em todo o Estado.
O sindicato calcula que o número de casos possa subir de 15% a 20% nas próximas semanas, segundo informações que recebeu do secretário estadual da Saúde, o que deverá afetar também os funcionários da Fiat que vivem na região.
Para tentar conter o avanço do coronavírus na fábrica a empresa mantém questionário online, que todos devem responder antes de sair para trabalhar. Caso o funcionário tenha algum sintoma sua entrada na fábrica já fica bloqueada e ele é encaminhado a um médico. De toda forma a Fiat afirmou que fábrica de Betim, que emprega cerca de 6,5 mil pessoas, segue abastecida e operando normalmente.
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