São Paulo – O plano por trás da compra da MWM pela Tupy aponta para enorme potencial de crescimento mútuo. Após a aprovação da transação, de R$ 865 milhões, pelas autoridades de regulação de mercado, o que deve acontecer nos próximos cinco a seis meses, a gigante brasileira, hoje a maior fabricante de blocos e cabeçotes fundidos do mundo, poderá avançar à ponta da cadeia global de suprimentos ganhando ainda mais tamanho e rentabilidade.
A Tupy vai ampliar, e verticalizar, suas atividades com o fornecimento de serviços de engenharia, gestão da cadeia de fornecedores e manufatura completa de motores diesel ou a gás – isso sem considerar novos negócios em gestação. Na mão inversa a MWM ganha acesso para oferecer suas especialidades a uma robusta carteira de clientes no mundo todo já atendidos pelo grupo brasileiro.
José Eduardo Luzzi, CEO da MWM, resumiu a motivação do negócio: “Somos duas empresas com negócios complementares que se conhecem há décadas, portanto nos entendemos muito bem. A Tupy sempre foi fornecedora de blocos e cabeçotes de alta qualidade para os motores MWM. Agora, ao adquirir nossa especialidade, poderá oferecer desde blocos e cabeçotes usinados até motores inteiros montados para a sua carteira de clientes no mundo todo, e isso inclui todos os fabricantes ocidentais de veículos”.
Em comunicado, Fernando Cestari de Rizzo, CEO da Tupy, confirma a estratégia: “Juntas, MWM e Tupy tornam-se uma companhia singular no mercado, que reúne em um só fornecedor serviços de fundição, usinagem, montagem, validação técnica e atividades de engenharia associadas. Vamos nos unir a uma empresa com grande capital intelectual e tecnológico. Estenderemos os serviços deles aos nossos clientes atuais”.
Como são negócios que se complementam deverá ser integralmente mantida a estrutura administrativa e operacional da MWM, que teve receita estimada em R$ 2,7 bilhões em 2021 e soma 1,4 mil empregados na fábrica do bairro de Santo Amaro, em São Paulo, e no centro de distribuição de peças em Jundiaí, SP.
À primeira vista o valor da compra pode ser considerado baixo para adquirir uma empresa que já foi a maior fabricante independente de motores diesel do Hemisfério Sul. No início da década passada a MWM International fornecia para quase todos os fabricantes de picapes, caminhões e ônibus no Brasil e exportava mais de 30% da produção para vários clientes em vários países.
O faturamento superou US$ 1 bilhão/ano logo após sua compra pela Navistar, em 2005, que uniu as operações da MWM às da antiga Maxion Motores, adquirida anos antes pelo grupo estadunidense.
Luzzi ponderou: “Muita coisa mudou nesses anos, a realidade é outra. O preço acertado com a Tupy é justo diante da atual relação de faturamento com o lucro que temos”.
A Tupy anunciou em 18 de abril que negociou com a Navistar a compra da MWM por R$ 865 milhões, equivalentes a quatro vezes o EBTIDA, o lucro antes de impostos, despesas financeiras e depreciação de ativos da fabricante de motores. Analistas consideraram o valor bom diante das possibilidades de incremento de faturamento e rentabilidade, estimando aumento no preço-alvo das ações da Tupy após a conclusão do negócio.
Brasileira e mais internacional – Com a venda a fabricante de motores passará finalmente a integrar uma empresa aberta nacional, após 69 anos operando no Brasil sempre como parte de grupos com sede no Exterior, desde a centenária alemã Motoren Werke Mannheim, fundada pelo inventor do automóvel, Carl Benz, até o mais recente deles, o Grupo Navistar, dos Estados Unidos, fabricante dos caminhões International, que ano passado foi vendido integralmente ao Grupo Traton, dono das marcas MAN, Scania e Volkswagen Caminhões e Ônibus.
Por paradoxal que seja deixar de pertencer ao capital estrangeiro e se descolar de grandes fabricantes mundiais de veículos comerciais – que também produzem seus próprios motores – dará à MWM mais penetração internacional do que já tem, pois passará a integrar multinacional brasileira sem operação equivalente e clientes em mais de quarenta países, o que abre amplo leque de oportunidades.
Isso porque, ao longo de seus 80 anos, a brasileira Tupy tornou-se uma gigante que exporta mais de 80% da produção e tem 19 mil funcionários distribuídos em seis fábricas, três no Brasil, duas no México e uma em Portugal. A receita líquida de R$ 7,1 bilhões e o lucro EBTIDA de R$ 878 milhões apurados em 2021 foram os maiores da história da companhia, que já vinha ampliando seus domínios. Há menos de um ano concluiu a aquisição das operações no Brasil e em Portugal da Teksid, fundição que pertencia à FCA/Stellantis.
“Veículos e motorizações estão sempre ligados, são diferenciais competitivos estratégicos, e por isto os fabricantes preferem desenvolver seus próprios motores. Com a Tupy não estaremos mais ligados na mesma empresa a um fabricante de veículos e motores, assim ganhamos escala para produzir motores sob encomenda para qualquer cliente, preservando a propriedade intelectual do projeto, sem nenhum conflito de interesse.”
Luiz Eduardo Luzzi, CEO da MWM
Segundo o executivo, além dessa, muitas outras oportunidades se abrirão com a união. Uma delas é a ampliação dos serviços de usinagem de blocos e cabeçotes de motor, já oferecidos pela Tupy e que ganham escala maior com a especialidade da MWM neste processo industrial. Novas linhas de usinagem poderão ser montadas para além da fábrica de Santo Amaro, incluindo unidades da Tupy no Brasil e no Exterior, especialmente no México, para exportar conjuntos usinados aos Estados Unidos.
Em outra frente a Tupy também poderá se servir do amplo portfólio de peças de reposição da MWM, que conta com 20 mil itens, distribuídos em rede de seiscentos pontos espalhados pelo Brasil.
Há também negócios nascentes em vista, contou Luzzi: “A Tupy enxergou muito valor em nossa estratégia de descarbonização da matriz energética, por meio da economia circular do biogás”.
A MWM já desenvolveu novos motores a gás natural e biometano para caminhões e seus próprios geradores, recordou Luzzi. Agora existem projetos em andamento para oferecer a conversão de veículos diesel para o gás com esses motores, principalmente para operações em propriedades agrícolas que podem instalar, também com a sua consultoria, biodigestores para produção de biogás: “Existe um enorme potencial aí que devemos aproveitar nos próximos anos”.
Perda de volume – Por causa da tendência de verticalização há dez anos a MWM começou a perder clientes fabricantes de veículos leves, que passaram a usar motores importados de fabricação própria, como foi o caso das picapes Ford Ranger, Chevrolet S10 e Nissan Frontier, o que resultou no fechamento da fábrica de Canoas, RS, herdada da antiga Maxion, onde eram produzidos esses propulsores.
Com isso, a MWM perdeu volume e precisou reduzir recursos de desenvolvimento. Nos últimos anos focou esforços em fornecer propulsores já na prateleira para maquinário agrícola e para seus geradores de energia, além de fabricar motores MAN por contrato para a Volkswagen Caminhões e Ônibus.
Há dez anos a MWM parou de fornecer seus próprios motores diesel à VWCO e começou a produzi-los sob encomenda da MAN, que detém a propriedade do projeto, mas a fabricante no Brasil executa todo o processo, incluindo compra de componentes, usinagem, montagem completa , homologação e testes. Desde então já foram fabricados 200 mil unidades dos modelos D08 e D26, e recentemente o contrato de fornecimento foi prolongado até 2027.
A MWM também produz, com especificações exclusivas, motores para os caminhões semipesados Volvo VM, fabricados somente no Brasil. E equipa ônibus International produzidos pela Navistar no México.
Precisamente por causa dessa baixa escala e rentabilidade é bom negócio para a Traton/Navistar se desfazer da MWM, deixando a empresa livre para crescer com novos negócios. Presa à corporação internacional seria cada vez mais limitada em servir somente à operação brasileira de uma das empresas do grupo, a VWCO, única do Grupo Traton que não tem fábrica própria de motores no Brasil ou no Exterior e os compra da MWM desde sua fundação, há 41 anos.
Na maior parte do dos seus 69 anos no Brasil a MWM concentrou sua operação em atividade independente, sem igual na matriz no Exterior. Enquanto a empresa controladora na Alemanha se concentrou na produção de motores estacionários e marítimos nos anos 1970 a MWM passou a desenvolver e a fornecer motores diesel no Brasil para caminhões e ônibus, que rapidamente tornou-se o maior negócio da empresa.
Após ter se convertido na última década em fornecedora de soluções de manufatura completa de motores projetados pelos clientes, agora a MWM começa a escrever novos capítulos de sua história, muda de dono e entra na ponta final da verticalização da Tupy, que começa no baixo valor agregado de blocos e cabeçotes de ferro fundido e vai até o alto valor de um motor completo.