São Paulo – A escalada da Selic, atualmente em 12,7% ao ano, e a projeção de seguir aumentando até o fim do ano para aplacar a inflação de 12,1% acumulada nos doze meses terminados em maio, é balde de água fria aos empresários que têm planos de investir para ampliar a capacidade produtiva.
Dados do Boletim Focus, do Banco Central, divulgado na segunda-feira, 6, após hiato de cinco semanas devido à greve de servidores, mantêm projeção de taxa básica de juros a 13,7% ao ano em 2022 para combater expectativa IPCA que subiu de 7,8% para 8,8%. Na semana que vem haverá nova reunião do Copom.
Em meio ao cenário econômico turbulento e diante da perspectiva de que a crise de fornecimento de semicondutores e outros componentes seja atenuada ainda este ano, fabricantes de autopeças que já atingiram capacidade máxima ou estão perto de zerar a ociosidade começam a se preocupar com o momento em que a produção voltará aos eixos e a demanda crescerá substancialmente.
Outro desafio enfrentado para sustentar o contexto é a contratação de mão de obra qualificada. A escassez de capital humano preocupa apesar da expectativa de abertura de vagas.
A estadunidense Dana, que investiu R$ 1 bilhão na última década, enxerga oportunidades de mais investimentos na subsidiária brasileira, mas se preocupa também com o desempenho da cadeia de suprimentos, se ela conseguirá acompanhar esse movimento.
O presidente Raul Germany disse que o nível de competitividade das fabricantes de autopeças não melhorou na proporção que a companhia esperava:
“Entendemos a dificuldade de captar investimentos, principalmente por parte dos fornecedores de menor porte. Mas acredito que o grande limitador do crescimento do País será a cadeia acreditar no negócio e acompanhar as grandes empresas para facilitar os investimentos. Para o setor avançar toda a cadeia tem que participar, inclusive a parte logística, a fim de que nosso produto chegue nos clientes e no porto de forma competitiva.”
Para Germany até metade da pandemia havia uma oportunidade de ouro, com juros muito baixos e disponibilidade de capital humano. Hoje um dos maiores problemas para ampliar as atividades é o custo do dinheiro: “Não acredito em juros altamente subsidiados, negativos, pois embora ajude a conta chega depois. Acredito em juros competitivos”.
O executivo se refere ao fato de que de agosto de 2020 a março de 2021 a Selic estava em 2% ao ano, quando passou a 2,75% ao ano e não parou mais de subir.
Capacidade máxima — Germany disse que a Dana tem operado por 24 horas por dia sete dias por semana em 90% das operações e que só não produz mais por falta de capacidade e pelo fato de a cadeia estar desorganizada.
“O nosso grande desafio para otimizar as capacidades existentes é reorganizar a cadeia. Nossos produtos não são os que mais sofrem mas trazemos parte de importados que sofrem com a guerra da Ucrânia, pois são peças que contêm forjados ou fundidos que vêm de material da Bielorrússia e de lá. Sem falar nos portos sobrecarregados. Tudo isso nos impacta.”
E para produzir localmente o desafio maior é o tempo de maturação dos investimentos, em torno de um ano, ou seja, é preciso buscar capacidade externa:
“No segundo semestre, havendo a melhora do cenário de fornecimento dos chips, esperamos uma sobrecarga, pois entendemos que a demanda por parte compradores de veículos comerciais e agrícolas continua forte, o que pode desorganizar ainda mais a cadeia. Outro problema é que tudo custa mais caro, além dos custos subindo naturalmente temos impacto grande de ineficiência da cadeia”.
Bruno Ferrari Salmeron, diretor de operações da Schulz Automotiva, citou problemas com o fornecimento de gusa, que diante do aumento da demanda global ficou desabastecido e, quando havia produto, eram colocadas negociações diárias.
E ponderou que mesmo quando a empresa está estruturada, mas fornece para outra que sofre com a falta de uma das peças, toda a produção é empurrada, o que reflete na finalização do produto e em aumento dos custos.
Com relação às perspectivas de crescimento no segundo semestre por causa da antecipação de compras motivada pela entrada do Euro 6 em 2023, o diretor afirmou que já está reavaliando. “Percebi que a cadeia chegou no limite da capacidade. Estive recentemente em uma fábrica de carretas que reduzirá em 10% a 15% a projeção para o segundo semestre, o que deverá impactar caminhões.”
Embora tenha dito que não possui dificuldades para fazer investimentos de expansão devido ao alto nível de governança, já que se trata de empresa de capital aberto, e que saiu de faturamento de R$ 500 milhões para R$ 2,5 bilhões, Salmeron mencionou outro percalço: a mão de obra qualificada.
O executivo assinalou que para ampliar a competitividade é preciso investir cada vez mais em pessoas e em treinamento, fundamentais para o processo. “Estamos ampliando a parte de usinagem, mas enfrentamos grande dificuldade de encontrar profissionais para trabalhar nessa área.”
Diante da necessidade, o executivo contou que tem se aproximado do Senai Santa Catarina, onde a multinacional brasileira está sediada, para capacitar mão de obra.
Com relação ao custo Brasil, desafio permanente das empresas estabelecidas no Brasil, Germany afirmou que ao longo dos anos as multinacionais aprenderam a conviver com a quantidade de impostos do País. “A grande missão do governo, portanto, é simplificar essa teia de impostos, ainda que a carga tributária seja a mesma. Será enorme vantagem principalmente às menores empresas.”