Pesquisa global da KPMG entrevistou 240 CEOs, dos quais 120 de empresas da cadeia automotiva
São Paulo – Os CEOs de empresas do setor automotivo, em todo o mundo, estão otimistas com os próximos três anos. Para que tudo saia conforme o planejado, porém, partilham pontos de atenção como a necessidade de localizar mais a produção de matérias-primas e componentes, a redução de custos, o que inclui a verticalização de processos, a contratação de profissionais de fora do setor a fim de perder vícios antigos e criar novos planos e parcerias para agregar tecnologias aos veículos, bem como partes e peças.
É o que aponta a pesquisa global KPMG Outlook: Industrial Manufacturing e Automotive 2024, que demonstra a dinâmica e a perspectiva da indústria de manufatura e automotiva. Foram entrevistados 240 CEOs, a metade deles do setor, ao longo do segundo semestre do ano passado. A pedido da Agência AutoData a sócia líder do setor de mercados industriais da KPMG no Brasil, Flávia Spadafora, e o sócio-líder do setor automotivo da KPMG no Brasil, Ricardo Roa, comentaram as avaliações dos líderes das indústrias automobilísticas.
“Esta pesquisa nos ajuda a ter uma temperatura do otimismo. De um lado são postos os desafios e, de outro, a forma como as empresas estão se preparando para fazer os investimentos”, disse Spadafora. “Os CEOs estão otimistas realistas, como costumamos dizer.”
No aspecto de perspectivas econômicas e confiança no negócio, em que boa parte se demonstrou animada, foram consideradas a expansão da própria empresa, do setor e do país. Contaram a favor da perspectiva positiva a superação de reflexos causados por conflitos externos, como Ucrânia e Oriente Médio, um pouco mais controlados.
“O cenário vivido nos últimos anos despertou a necessidade de aumentar a independência como um todo, o que trará mais oportunidades de mercado. Os próprios produtos estão tendo uma alavanca de mudança de portfólio”, analisou Roa. “Quanto aos sistemistas há tendência maior de fusão e aquisição de médias empresas para alcançar crescimento global.”
A aquisição de empresas também busca obter diversificação de forma mais ágil, em vez de começar do zero, e redução de custos. Roa apontou que os altos gastos com importação fazem com que as empresas prefiram maximizar a operação local em vez de incorporá-los.
“A ideia é dar mais vazão sem ficar tão dependente de outra empresa”, lembrou Spadafora. “O principal medo é ficar sem o fornecimento de peças. Por este mesmo motivo a localização ganha cada vez mais destaque.”
Outro desafio mencionado nas respostas dadas por CEOs do setor é a desacarbonização da cadeia:
“Reciclabilidade e economia circular são pontos de preocupação de todos os entrevistados. Para que as empresas, principalmente europeias, atinjam o compromisso de zerar as emissões até 2035 ou 2040 é fundamental ter a colaboração da cadeia. Até requisições para cotação já estão colocando informações de ESG embarcados, aqui no Brasil também”.
Com avanço do uso de tecnologia, principalmente inteligência artificial, o que transforma veículo em celular sobre rodas, setor passa a demandar outro tipo de profissional, assim como de parceiros. Foto: Freepik.
Spadafora apontou que tema latente envolve questões regulatórias e exigências cada vez maiores de relatórios, assim como governança mais sofisticada das empresas, tanto para o Brasil quanto para matrizes. E citou que outro ponto são os riscos climáticos e o entendimento do impacto que poderá trazer à operação: “É um olhar de adaptação, de se organizar para o que já existe e se planejar para novos investimentos”.
Avanço da tecnologia e mão de obra qualificada preocupam
Se, por um lado, a indústria de manufatura como um todo ainda tem dificuldade de absorver a inteligência artificial, na automotiva é possível afirmar que há mais maturidade quanto ao seu uso.
“O setor está atravessando uma das maiores transformações da sua história com veículos eletrificados, atingindo níveis maiores de autonomia e proporcionando grandes oportunidades para as montadoras”, avaliou Roa. “As tecnologias, incluindo inteligência artificial tradicional e generativa, também tornam viáveis novas oportunidades para transformar a experiência do cliente e estabelecer processos de produção mais inteligentes e automatizados.”
A mudança do tipo do produto tem despertado preocupação com relação à mão de obra qualificada. Segundo Roa tem a ver com o fato de o veículo ter se tornado praticamente um celular sobre rodas: “Hoje tem sido requerida muito mais tecnologia, especialmente de softwares embarcados computacionais, e é muito difícil achar talentos que conheçam o que era usado no passado para remeter ao futuro. Esta é a maior dor de busca dentro das montadoras e dos sistemistas. Não é nenhum aspecto geracional mas, sim, de conhecimento do futuro do produto”.
Pintura dos veículos é área que ainda requer profissional que atua hoje nas montadoras, o que não haverá em outras etapas da montagem com o avanço da tecnologia, apontam especialistas da KPMG. Foto: Divulgação/Renault.
Mas os CEOs perceberam também que é inviável contratar este tipo de profissional direto no mercado e colocá-lo na empresa para solucionar sozinho esta questão. E é neste contexto que parcerias institucionais de empresas de tecnologia junto com o setor automotivo estão sendo contratadas para evitar este tipo de fragilidades.
De acordo com o levantamento da KPMG a indústria também despertou para a importância de trazer profissionais de outros segmentos que agreguem e adicionem oxigênio à operação, contou Spadafora, “mas, antes de atraí-los, é preciso ter onde colocá-los, para que possam continuar produzindo e não morram sufocados com status quo”.
Roa destacou que a admissão de profissionais de outras áreas não tem ocorrido somente em cargos de nível elevado, como na área de relações governamentais: “Antes era raro, só eram admitidos executivos de carreira e no mínimo de tier 1. Agora querem perder vícios antigos, criar focos e estratégias diferentes. Um CFO que era de banco agora é de montadora”.
Quanto ao chão de fábrica, embora a pesquisa não tenha mensurado, na avaliação do sócio líder a subsistência no setor depende da etapa produtiva. A pintura, citou, apesar do avanço da automação, ainda requer partes de trabalho manual e, então, a expertise faz diferença: “Agora, na parte da montagem, que não terá crescimento nem pormenores específicos e a máquina consegue fazer, a perda do emprego é inevitável”.