São Paulo – Embora sancionada em setembro de 2024 a lei nº 14 968, que cria o Programa Brasil Semicondutores, ou Brasil Semicon, ainda não começou a vigorar por falta de decretos que a regulamentem. A lei aperfeiçoa a política industrial para tecnologias da informação e comunicação e de semicondutores, adequa o prazo de concessão de incentivos e estímulo à tecnologia nacional e prevê a destinação de R$ 7 bilhões por ano, totalizando R$ 21 bilhões até 2026, em tese. Mas a pergunta que não quer calar é: por que o programa ainda não está em vigor?
“O Brasil Semicon dá condições ao Brasil de tornar-se um parceiro global, porém esta lei depende de um decreto”, disse à Agência AutoData Erwin Franieck, conselheiro executivo da SAE Brasil e de inovação da SAE4Mobility. “O decreto está pronto há cerca de seis meses, mas ainda não foi colocado para aprovação.”
O Brasil Semicon propõe o aprimoramento da governança e a ampliação do alcance do Padis, Programa de Apoio ao Desenvolvimento de Semicondutores, que originalmente teria vigor até 2027 e, a partir de então, foi ampliado para 2073. A nova data foi determinada para coincidir com o período de concessão de benefícios à Zona Franca de Manaus. Também foi ampliada para 2073, no mesmo projeto de lei, a vigência da Lei de TICS, também conhecida como Lei de Informática.
“Não entendemos o porquê desta demora. Mas é fato que está postergando tudo o que podemos fazer para tomarmos a iniciativa de antecipar a produção de semicondutores”, disse Franieck, para quem não há investimentos neste ramo no Brasil justamente pela falta de lei que lhe dê previsibilidade. “A atratividade dos aportes dependerá disto e de marcos legais que sejam cumpridos.”
Programa é discutido desde 2022
As discussões para a elaboração do Plano Brasil de Semicondutores ocorrem desde 2022, com apoio do MiBi, Made in Brasil Integrado, e envolve integrantes do governo federal, entidades empresariais e científicas, como a Abisemi, Associação Brasileira da Indústria de Semicondutores, que congrega fabricantes de semicondutores que já faturam mais de U$S 1,5 bilhão – a maior parte, porém, dedicada a chips de memória para celular e computador. “É só não atrapalhar que o mercado investirá no Brasil”, disse Franieck.
Durante a pandemia, frente à maior demanda de chips para computadores, celulares e televisores, estimulada pelo home office e pelo distanciamento social, a parcela disponível de chips para veículos encolheu. Com problemas no fornecimento do item, cuja produção é concentrada em países asiáticos, montadoras instaladas no Brasil suspenderam a produção de veículos por meses, o que motivou a criação do programa.
No entanto, de lá para cá, a proposta não saiu do papel e, agora, o fantasma do risco de desabastecimento volta a rondar o setor, segundo a Anfavea, diante de decisão da China de proibir a Nexperia de exportar.
“Nós não aprendemos nada com a pandemia. Deveríamos ter nos preparado”, avaliou Valter Pieracciani, sócio diretor da Piera, consultoria em gestão da inovação. “Temos este péssimo hábito de deixar para estudar um dia antes da prova. Só que se continuarmos buscando soluções na véspera dos apagões não sairemos desta situação.”
Para Pieracciani é preciso aprovar o quanto antes a legislação que estimula a produção de chips e irrigá-la com investimentos em inovação tecnológica, laboratórios e fabricantes para acelerar a produção destas tecnologias: “Mas isto não será feito da noite para o dia. Taiwan, por exemplo, que domina a produção de semicondutores, demorou trinta anos para chegar onde está. Se formos muito bons nisto nossa capacidade estará resolvida lá por 2035”.
Estratégia de negociação é necessária
Em paralelo, diante da realidade de que o Brasil seguirá dependente das importações, ele advertiu sobre a necessidade de o País se preparar com estratégias alternativas, a exemplo da triangulação, comprar de quem compra, “o que é inviável economicamente mas mantém share de mercado”, e sentar na cadeira e negociar, “algo que fazemos mal, haja vista a conversa de [presidente do Brasil Luiz Inácio] Lula [da Silva] e [presidente dos Estados Unidos Donald] Trump três meses após o tarifaço entrar em vigor”.
O risco de faltarem semicondutores é iminente, na avaliação de Pieracciani, embora por enquanto a produção de veículos siga normalmente, mas com sinal de alerta. Para ele trata-se de algo estratégico, uma vez que a China é consumidora de mais da metade dos chips de Taiwan para embarcar nos componentes que produz:
“Temos visto altos volumes de importações de veículos chineses. Se faltarem carros produzidos no Brasil eles terão estoque para surprir a demanda majorada de fim de ano. Por isto é preciso tomar ações no curtíssimo prazo, com negociações para garantir os suprimentos, e estabelecer políticas públicas e o crescimento em tecnologia e inovação para não passarmos, novamente, por esta situação”.
Neste cenário o presidente Lula aproveitou viagem à Malásia, que também se destaca em semicondutores, para avançar no tema e convidar empresários a investirem na produção local. Na terça-feira, 28, Igor Calvet, presidente executivo da Anfavea, tem reunião agendada com Geraldo Alckmin, ministro do MDIC, para debater a situação.