Passados três meses da aprovação da nova lei de retomada de veículos em caso de inadimplência, sancionada em 14 de novembro de 2014, o mercado ainda não identificou melhoria nas condições de crédito, como era inicialmente esperado.
Em entrevista exclusiva à Agência AutoData o presidente da Anef, Associação das Empresas Financeiras das Montadoras, Décio Carbonari, afirmou que “apesar de positiva a medida levará até dois anos para surtir efeito direto no volume de comercialização”.
O executivo revelou que a aplicação da lei ainda não foi compreendida de forma homogênea no País. “Ainda há jurisdições que não entenderam as mudanças. Temos registro de casos de juízes que dão parecer contrário à retomada de veículos de consumidores inadimplentes por falta de conhecimento da nova legislação.”
Carbonari entende que a questão deve ser analisada no longo prazo. De acordo com ele, para que haja reflexos no volume de crédito liberado para a aquisição de veículos as estatísticas precisam confirmar que o mercado está mais seguro: “Demanda tempo para que esses números mostrem um cenário mais favorável”.
Ele exemplifica da seguinte forma: há cinco faixas de clientes, separadas de A até E, onde A tem o crédito imediatamente liberado e E tem restrições impeditivas. “As faixas B, C e D às vezes tem financiamento aprovado, mas para que as categorias mais confiáveis aumentem é necessário que as estatísticas comprovem que este é um movimento seguro. Em menos de seis meses não há dados suficientes para formatar esse cenário, é preciso ao menos um ano. E depois disso é necessário que as estatísticas se repitam e se consolidem, por isso irá demorar até dois anos para que os bancos notem que é seguro conceder crédito depois da mudança na lei da retomada.”
Quando a legislação que desburocratiza o processo de retomada de veículos de consumidores inadimplentes foi aprovada a Fenabrave, uma das principais mentoras da iniciativa, considerou que o movimento representaria volume adicional correspondente a um décimo-terceiro mês de vendas em um período de doze meses.
Procurada pela reportagem na sexta-feira, 13, a associação que representa os concessionários informou que não tinha porta-voz disponível para comentar as declarações da Anef.
Quem também guardava grande expectativa quanto aos efeitos da nova lei era Sérgio Habib, do Grupo SHC, um dos maiores distribuidores de veículos do País. No Salão do Automóvel de São Paulo, no fim de outubro, o executivo afirmou que a iniciativa representaria uma “injeção direta na veia” no mercado. À época ele considerou que o efeito seria imediato: “As condições dos financiamentos não deverão mudar muito, mas o fundamental será que os bancos passarão a aprovar número muito maior de fichas para venda de veículos”. Procurado pela reportagem, a assessoria de comunicação do Grupo SHC informou que o executivo está de férias.
Voz dissonante já fora a de Rogelio Golfarb, vice-presidente da Ford para América do Sul: há dez dias o executivo afirmou à Agência AutoData que em sua opinião a nova lei é “uma ferramenta importante mas que não deverá fomentar a indústria”, pois “os bancos continuarão a deixar de oferecer crédito para aqueles que julguem não ter condição de cumprir os pagamentos, independentemente de recuperar o veículo mais rápido do que antes”.
INADIMPLÊNCIA – Carbonari, de qualquer forma, reforça que a medida é fundamental para aumentar a credibilidade da indústria automotiva, mas ressalta que o perfil do consumidor ainda não sofreu nenhuma mudança. “Nos últimos dez anos registramos no mercado nacional média de 35% de compras à vista, 7% via consórcios e mais da metade via financiamento. O crédito é fundamental para o desempenho das vendas e até que haja segurança de que os financiamentos sejam honrados os bancos não vão mudar a linha de raciocínio usada atualmente.”
Além da questão pontual da lei da retomada, o cenário macroeconômico também impacta nos fatores de liberação de crédito. Os ajustes fiscais promovidos pelo governo federal vão culminar em perda de renda, segundo Carbonari. “O aumento da inflação e de taxas de transporte, alimento e energia não foi recomposto no salário dos trabalhadores.”
Por isso, na avaliação do executivo, a curva dos índices de inadimplência, que apresentou queda significativa nos últimos dois anos, deverá reverter essa tendência. “Em janeiro a taxa já foi maior do que a vista um ano antes. O volume de pagamentos em atraso voltará a crescer em 2015.”
Os juros devem seguir o movimento, acompanhando a taxa Selic, avalia o presidente da Anef. “Apesar do cenário de ajuste a boa notícia é que as medidas tomadas pelo governo federal surtirão efeito depois desse momento de dificuldade. Não é fácil prever a retomada, mas ao menos já se busca soluções para os problemas estruturais.”
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