São Paulo — A renovação da frota de caminhões via política pública, um antigo desejo das montadoras, é assunto que ganha corpo em Brasília, DF. Após o avanço de projeto piloto sobre o tema, em setembro, chegou a vez da EPE, a Empresa de Pesquisa Energética, produzir uma nota de discussão na qual propõe, mesmo que de forma preliminar, um programa de sucateamento de veículos com mais de trinta anos de uso.
A EPE sugere que a medida pode gerar maior eficiência energética, seu ramo de pesquisa, uma vez que os modelos de caminhões novos transportam mais carga com menor consumo de combustível na comparação com modelos mais velhos. Por outro lado, indicou a empresa no documento, a renovação também teria reflexo direto nas emissões de particulas, este o argumento defendido pelas montadoras há tempos.
Sugere, ainda, que a política de renovação de frota venha a equilibrar o mercado de fretes mitigando a alta do diesel na operação de caminhoneiros autônomos: uma vez a bordo de veículos mais modernos, indica a EPE, a categoria teria em seus balanços um menor consumo do combustível, que vem sofrendo reajustes constantes e provocando, dentre outras coisas, aumento do risco de paralisação do transporte.
Segundo a EPE estima-se uma economia de 13,4 bilhões de litros de óleo diesel de 2021 a 2030 com a adoção de uma política de renovação. As emissões de monóxido de carbono, óxido de nitrogênio e material particulado seriam reduzidas, respectivamente, em 18%, 21% e 49%, em 2030.
Sob o prisma das montadoras o avanço de uma política de renovação representa também oportunidades de negócios e o documento da EPE dá a dimensão disso: os dados apontam para uma demanda por 110 mil novos veículos, considerando que este seja o volume de caminhões com mais de 30 anos em circulação no País, ou 6% da frota total em operação atualmente.
"Essa recompra pode injetar recursos na economia nacional, com reflexos em consumo e investimento", diz a nota publicada pela EPE. "Ademais, a retirada de caminhões de operação, em especial na categoria de pesados, tende a reequilibrar a oferta e demanda por serviços de transporte, o que estimula as vendas de novos caminhões. O aumento da produção no setor automotivo tem, como característica, importante impacto multiplicador na economia."
O volume de veículos citado no texto é maior do que o volume de vendas do setor registrado em 2020, por exemplo. Dados da Anfavea apontam que de janeiro a dezembro foram vendidos 89,6 mil caminhões no País, resultado que representou queda de 11,5% sobre o mesmo período de 2019, quando o mercado, sem pandemia, vendeu 101,3 mil unidades.
A EPE sugere renovação de frota, mas passa ao largo de como fazê-lo. Em seu texto, contudo, apontou os desafios que a empreitada impõe — um deles seria a precificação desses veículos: "Apesar da existência de uma tabela Fipe para caminhões, sua valoração pode variar significativamente, dependendo do estado de uso e dos implementos adquiridos".
A empresa propõe, neste caso, a utilização do preço máximo da tabela para caminhões de uma determinada idade e número de eixos: "Caminhões com mais de 30 anos normalmente já perderam a maior parte de seu valor, o que limitaria o custo ao erário brasileiro. Na hipótese que todos os 110 mil caminhões com mais de 30 anos fossem comprados por um valor médio de R$ 40 mil o gasto total, R$ 4 bilhões, seria inferior ao dispêndio realizado com um programa de subvenção ao diesel".
De acordo com Paulo Cardamone, consultor da Bright, uma alternativa de execução de um programa federal de renovação de frotas seria uma espécie de escalonamento que consideraria a idade do veículo:
"Não há como custear uma renovação total no País. O que precisa ser feito, que é como acontece em outros lugares, é o incentivo à troca, por exemplo, dos caminhões de 30 anos por outros de 12. O autônomo não vai conseguir sair do velho para o zero de uma hora para outra. Do caminhão de 12 anos ele vai para o de 7, até chegar no zero".
Sobre o documento da EPE a Anfavea informou, por meio de nota, que "mantém sua posição de total apoio a políticas de inspeção veicular obrigatória e renovação da frota. Há várias formas de se fazer essa renovação, mas ela deve levar em conta a necessidade de caminhoneiros autônomos de ter sua ferramenta para ganhar a vida".
Por isso, seguiu a entidade, "deve haver um esforço conjunto de esferas do poder público, de fabricantes, de revendedores e do setor financeiro no sentido de incentivar a troca de caminhões antigos por modelos um pouco mais novos, além do endereçamento correto dos modelos mais antigos para reciclagem de componentes e descarte ecológico".
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