São Paulo – Razão para a Anfavea acender o sinal de alerta, os juros para financiamentos de veículos – que em janeiro alcançaram média de 29,5% ao ano, o maior índice da história recente de acordo com a entidade – tendem a receber mais pressão após o resultado da última reunião do Copom, Comitê de Política Monetária, com a decisão de elevar a taxa básica Selic para 14,25% ao ano, ajuste de 1 ponto porcentual.
Prejudicadas desde a pandemia, quando passaram a minoritárias dentro das vendas de veículos 0 KM, as compras financiadas voltaram a ganhar espaço e tornaram-se importante motor para o crescimento do mercado nos últimos meses. No ano passado quase empataram com compras à vista: 45% a prazo e 55% à vista, de acordo com a Anfavea, mas ainda longe da divisão de 70%-30% do passado.
E a tendência era seguir ganhando participação e impulsionando o mercado. Segundo a B3, que opera o sistema nacional de gravames, as vendas financiadas – aí somados todos os veículos, novos e usados – registraram o melhor resultado em dez anos no primeiro bimestre.
O aumento do juro, porém, encarece a parcela e pode afastar consumidores do mercado de 0 KM, apesar do cenário de baixo desemprego. Para Sílvio Paixão, professor da Fipecafi e do Pecege, o aumento da Selic afetará o setor com intensidade. No caso dos pesados, avaliou, deverá mexer com as vendas ao longo de todo o ano.
“A comercialização de ônibus, por sua vez, tem uma particularidade. Pode avançar em algum momento a partir do segundo semestre, visto que o ano que vem, com eleições, deve apresentar maiores demandas por transportes coletivos.”
Crédito com custo mais baixo
Segundo o coordenador do curso de administração do Instituto Mauá de Tecnologia, Ricardo Balistiero, a grande questão é que o crédito automotivo ainda apresenta taxas mais baixas do que outros, como CDC, cartão de crédito e cheque especial.
“Então, embora exerça impacto sobre as demais taxas de mercado, no financiamento automotivo é um pouco menor, uma vez que muitas empresas têm bancos próprios e, por vezes, conseguem redução de margem para oferecer crédito à compra do carro 0KM. O reflexo, portanto, será menor do que outros setores.”
No caso de caminhões e ônibus há, em sua avaliação, um fator que pesa mais do que a própria taxa de juros, que só vem para piorar o cenário. Ele acredita que a desaceleração econômica seja mais decisiva na hora de optar ou postergar a renovação da frota:
“O Brasil cresceu 3,4% no ano passado, 3,2% em 2023 e a expectativa para este ano é de aumento de 2% a 3%. Há uma desaceleração, que não é tão forte assim, mas que reflete a redução da produção, da importação e, portanto, do frete. Precisamos pensar que o rodoviário é o principal modal de logística do país. A desaceleração econômica é talvez mais explicativa do que a Selic”.
Balistiero reconheceu, porém, que o cerco se fecha ainda mais se o banco da montadora não tiver folga suficiente para trabalhar nos juros, dado o elevado tíquete médio, ao lembrar que a Selic em seu “patamar proibitivo é apenas um piso, e que os custos para o financiamento podem chegar a 30% ou 40% ao ano”, ainda mais com a tendência de novos ajustes na taxa básica até dezembro, chegando aos 15% ao ano.
“Talvez a locação surja como opção para o transportador renovar sua frota e melhorar seu desempenho e custos neste cenário”, frente à aguardada demanda do agronegócio pela super safra, além da maior procura pelo e-commerce e transporte urbano.
Juro sobe para controle dos preços dos alimentos
Segundo Balistiero o cenário econômico atual é muito diferente daquele de uma década atrás. À época havia uma situação de dominância fiscal, quando os juros podem subir o quanto for que não surte nenhum efeito diante da deterioração das expectativas inflacionárias ocasionada pelo desequilíbrio fiscal.
“Agora a situação é outra, pois o governo tem demonstrado esforços para buscar o equilíbrio fiscal. De 2023 a 2024 houve clara redução do déficit primário e só não tivemos resultado positivo no ano passado por causa da ajuda dedicada à reconstrução do Rio Grande do Sul”, disse o economista. “Isso embora a taxa de juros esteja bastante elevada, 14,25% ao ano. E, se pararmos para pensar, foi quase um milagre a economia crescer 3,4% com a Selic no patamar em que já estava.”
Para 2025 a expectativa é que haja crescimento menor da economia, uma vez que o Banco Central tem elevado os juros para afetar os preços livres, pautado pela oferta e procura, que é onde entram os veículos. “A ideia é desaquecer os preços livres para compensar as pressões vindas de alimentos, prejudicadas pelos efeitos climáticos”.
Do lado automotivo a esperança é que o spread seja reduzido conforme a lei do marco das garantias avance e reduza a pressão sobre o juro para o setor. Segundo o presidente Márcio de Lima Leite, da Anfavea, seu efeito ainda não foi totalmente absorvido pelos bancos e há espaço para reduzir mais o spread.
Ele lamentou também que a trajetória da taxa de juros esteja ascendente no momento positivo do mercado: “Não fosse a escalada da taxa Selic o mercado poderia retornar aos 3 milhões de veículos em 2025, um marco importante para a indústria. Não chegará a este patamar, mas o mercado e o Brasil continuarão crescendo”.