Fabricantes de autopeças enxergam oportunidades de expandir a exportação para lá, porque imposto colocado sobre peças brasileiras é menor do que sobre as asiáticas
São Paulo – Apesar do temor causado pelo tarifaço sancionado por Donald Trump, que implicará alíquota adicional de 10% a todo produto importado do Brasil a partir de sábado, 5, e de 25% para autopeças como motores, transmissões, sistemas elétricos e componentes eletrônicos automotivos, de 3 de maio em diante, empresas que exportam para os Estados Unidos estão vendo oportunidade de se tornarem mais competitivas e ampliarem volumes no país.
Uma delas é a Forbal Automotive, de Flores da Cunha, RS, que investiu R$ 4 milhões para abrir centro de distribuição em Tampa, Flórida, no fim de março, estimulada pela demanda de fabricantes de máquinas agrícolas como John Deere, CNH Industrial e AGCO, suas clientes no Brasil. O CEO Giuliano Santos contou à Agência AutoData que as peças e componentes que produz para indústria agrícola, fabricantes de caminhões e de implementos rodoviários se enquadram na alíquota de 10%. Já os seus concorrentes da China terão taxa adicional de 34%, de Taiwan 32%, do Japão 24%, da Coreia do Sul 25%, e do Vietnã 46%. Seus produtos, portanto, tendem a ser mais competitivos.
“Tudo ainda é muito recente. Apesar de a sobretaxação ser um pênalti para nós acredito que o produto brasileiro será fortalecido nos Estados Unidos. Ainda mais porque todo este cenário deverá gerar uma pressão inflacionária forte no país, o que poderá nos trazer outra vantagem.”
Santos contou que o planejamento em torno do centro de distribuição começou em 2022 e que, ainda em janeiro, prevendo que haveria mudanças drásticas após Trump assumir o governo, propôs aos clientes alterações em produtos. Um de seus componentes que era enviado puramente em alumínio, por exemplo, passou a ser embarcado usinado, pintado e semi-montado, a fim de desviar da taxação sobre insumos de alumínio e aço, o que deu certo.
“Estaria mais preocupado se fosse o inverso, a China sobretaxada em 10% e o Brasil em 34%. A única questão nisto tudo é que esses países que sofreram maiores sanções têm estoque e darão um jeito de embarcar seus produtos para outros lugares, o que poderá nos prejudicar indiretamente. Por exemplo: estamos de olho na África, onde pode ser que enfrentemos uma competição mais acirrada daqui para frente.”
Para a Rio-Sulense, fabricante de peças para motores a combustão de Rio do Sul, SC, a expectativa também é positiva, de acordo com o gerente geral Gustavo Piovesan Correa: “Uma vez que as tarifas são aplicadas não só para o Brasil, mas para os demais países, ou seja, afetando também nossos concorrentes, do ponto de vista de competitividade esperamos manter e até melhorar”.
Ele acredita que haverá uma readequação de todo o mercado, o que poderá resultar em uma baixa na importação dos Estados Unidos em termos de volumes, de forma geral. Ao mesmo tempo, como não há alternativas suficientes internas no país para atender à demanda, é provável que o Brasil possa aumentar a quantidade exportada em comparação a fornecedores de países com tarifas maiores – e que não reduzirem suas margens para compensar esta diferença.
Correa enxerga duas alternativas neste contexto: “Uma delas é sermos consultados sobre a possibilidade de ofertamos desconto proporcional que cubra a tarifa que o importador, no caso, os Estados Unidos, pagará a mais ou, pelo menos, parcialmente. É possível negociarmos uma divisão 50% a 50%, em que ele poderá ficar com metade do prejuízo ou do aumento do preço e, na outra metade, o fornecedor reduz seu preço. Ou, caso sejam mantidos os valores na mesma condição, o repasse será integral para o mercado dos Estados Unidos. Teremos de acompanhar o jogo dos planos de cada um.”
Rio acredita que poderá manter ou até melhorar sua presença no mercado estadunidense. Foto: Divulgação.
Aumento de preços imediato deve ser inevitável, segundo especialista
Na análise de Jackson Campos, especialista em comércio exterior e diretor de relações institucionais da AGL Cargo, que realiza logística internacional, inicialmente os impactos diretos sobre o mercado automotivo brasileiro podem parecer moderados. Em um horizonte mais longo, porém, o setor poderá enfrentar aumento de preços devido ao encarecimento de componentes importados dos Estados Unidos, assim como veículos montados lá, que chegarão aqui mais caros, refletindo o custo mais elevado de fabricação.
Segundo Campos os setores mais impactados serão aqueles que dependem intensamente do comércio bilateral, especialmente equipamentos automotivos, metais, como aço e alumínio, eletrônicos e componentes de tecnologia: “Autopeças terão impacto expressivo, uma vez que representam parcela significativa da pauta comercial dos dois países. Particularmente itens como motores, transmissões, sistemas elétricos e componentes eletrônicos automotivos”.
A Toyota, que exporta motores desde Porto Feliz, SP, para o sedã Corolla fabricado nos Estados Unidos, afirmou que “neste estágio as implicações práticas destas medidas ainda não estão claras, e que ainda é incerto se haverá algum impacto concreto”.
Indústrias brasileiras com produção nos Estados Unidos sofrerão pressão maior
Empresas brasileiras com manufatura nos Estados Unidos, de acordo com o especialista, serão fortemente afetadas, pois precisarão incorporar custos adicionais ao importar insumos brasileiros, o que elevará o custo final dos seus produtos fabricados localmente, ainda mais em um cenário de alta da inflação. “Poderá gerar perda de competitividade frente às empresas locais ou que importam de outras origens com tarifas menores”.
Os preços de produtos importados deverão aumentar imediatamente, refletindo diretamente as novas tarifas impostas por Trump. No médio prazo a solução predominante deverá ser buscar fornecedores alternativos ou mesmo aumentar esforços na diversificação dos mercados-alvo, reduzindo dependência dos Estados Unidos.
“Pode ser uma oportunidade para que indústrias brasileiras explorem novos acordos comerciais com mercados latino-americanos ou europeus que estejam fora das sobretaxas impostas pelos Estados Unidos.”
No ano passado, de acordo com o Sindipeças, os Estados Unidos foram o segundo maior destino das peças brasileiras, com total de US$ 1,4 bilhão, respondendo por 17,5% das exportações de autopeças. Este comércio, porém, é superavitário para os estadunidenses, com importações brasileiras totalizando US$ 2,2 bilhões ou 10,7% das compras externas. Quanto aos veículos a Anfavea informou que não há exportação de veículos prontos desde o Brasil, mas 3,9 mil unidades foram importadas em 2024.
Abimaq teme concorrência com produtos fabricados nos Estados Unidos?
A Abimaq também se manifestou, uma vez que do total de receitas da máquinas e equipamentos 20% provêem de exportações. No ano passado os embarques renderam US$ 13,2 bilhões e, destes, 25% ou US$ 3,5 bilhões, foram provenientes dos Estados Unidos, o equivalente a 7% do faturamento total do ramo. Porém, como o Brasil importou cerca de US$ 4,7 bilhões em produtos estadunidenses, a relação é deficitária.
“Com a medida anunciada o Brasil será impactado negativamente em suas exportações para os Estados Unidos, pois seremos menos competitivos com relação à indústria local de máquinas e equipamentos”, afirmou a Abimaq, em nota. “Podemos citar como exemplo máquinas agrícolas, rodoviárias e máquinas para a indústria de transformação. Esses produtos, dentre outros, são fabricados tanto pelo Brasil como pelos Estados Unidos, assim o aumento da tarifa significará perda de competitividade com relação aos itens locais”.
A Abimaq afirmou ainda que tem a expectativa de que o governo brasileiro consiga renegociar as tarifas, a fim de que a relação comercial seja preservada.