Com os olhos e atenções voltados para as medidas do governo dos Estados Unidos, como o tarifaço do Trump às exportações brasileiras ou as retaliações que o deputado autoextraditado diz costurar com congressistas locais, contra os interesses do próprio País, a ocasião era perfeita para “passar a boiada”, como defendeu o antigo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, durante a pandemia de covid-19 para afrouxar as legislações ambientais. Com pouca ou quase nenhuma atenção de parte significativa da mídia ou da sociedade o cenário era perfeito para burlar as regras com a partida em andamento.
A reunião do Gecex-Camex, extraordinária, foi agendada para o que ficou depois conhecida como Super-Quarta, ainda que de forma inconsciente. Enquanto o colegiado se reunia para debater se retornava o imposto de importação para elétricos e híbridos, como pedia a Anfavea, e se reduzia a alíquota para importação de veículos desmontados, pleito da BYD, pipocavam nas manchetes dos portais e canais de notícia a aplicação da Lei Magnitsky ao ministro Alexandre de Moraes e, depois, a oficialização dos 50% de tarifa para as exportações brasileiras aos Estados Unidos.
Diante de tantos acontecimentos importantes, caso a força de um dos braços automotivos alinhados para a disputa superasse a de seu oponente, o alarde não seria tão grande, ainda que dinossauros e meteoros estivessem na boca de quem acompanha de perto a indústria. Em tese até o alto escalão do governo tinha coisas maiores com que se preocupar.
Acontece que o governo segurou a boiada. Para ambos os lados. Quem preza pela previsibilidade deveria estar até agora com as bochechas coradas ao pedir a mudança brusca de um cronograma estabelecido anos atrás, com prazos, datas, cotas e porcentuais de alíquotas definidos, como a Anfavea fez com o imposto de importação de eletrificados. Há aumento de importação de carros elétricos, sim, mas algo bem longe da erroneamente propagada invasão chinesa no mercado.
De janeiro a junho as vendas das quatro signatárias da carta enviada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Fiat, Volkswagen, Chevrolet e Toyota, representaram 57,2% do mercado brasileiro. Nos seis primeiros meses de 2024 as mesmas quatro responderam por 57,7%. Ou seja, elas reduziram meio ponto porcentual de sua fatia.
O pleito da BYD também pode ser considerado exagerado. Reduzir a 5% o imposto de importação de CKD e 10% de SKD por três anos é um tapa na cara de quem investe, emprega e compra peças no Brasil. Também é um convite para que empresas venham fazer apenas isso: aproveitem da taxa menor para, em três anos, trazer kits e mais kits, inundar o mercado de carros feitos de forma barata com pouca mão de obra e depois, quem sabe, continuar ou ir embora.
Claro, uma ajuda inicial é sempre bem-vinda e o pedido por doze meses não seria completamente incabível. Mas a sede foi muito maior do que o pote.
O governo ainda concedeu algo, para que ninguém saísse com cara de tacho. Cotas zeradas para a BYD, que não devem ser suficientes para o começo da operação, e uma tímida redução no cronograma para redução do imposto de importação de kits CKD e SKD eletrificados, deixando a previsibilidade dos importados montados inalteradas.
“Assunto encerrado”, pregou a Anfavea, tentando colocar o último prego na cerca que segura os bois.
Não acredito. As conversas agora devem ser individualizadas. Existem outras empresas querendo investir que podem ter regimes especiais de estabelecimento de fábrica, como desejava a BYD. Cabe ao governo liberar um boi de cada vez.
Boiada aqui, não.