Na quarta-feira, 30, o comitê executivo da Câmara de Comércio Exterior deliberou em reunião extraordinária cotas e prazos de importação para kits SKD e CKD de veículos e a antecipação para 2027 da alíquota de importação de 35% para esses mesmos kits. Esta reunião teve que acontecer de forma excepcional por causa da situação que expôs uma queda de braço pública raramente vista na indústria automotiva nacional. E tudo começou, é preciso lembrar, depois que AutoData expôs o pleito da BYD, em 11 de abril, publicando os documentos protocolados no MDIC com o pedido de inclusão no regime ex-tarifário para os kits SKD e CKD.
Ou seja: segundo relato de vários executivos, não fosse esta exposição, que até então não havia sido capturada integralmente pela imprensa nacional, a disputa que tem a ver com a transformação pela qual a indústria vem passando, não teria sido amplificada como foi. Mas, afinal de contas, por que isto é relevante e qual a razão de as fabricantes nacionais e a marca chinesa que pretende ser brasileira protagonizarem uma briga pública?
Em meio a acusações em carta assinada por quatro presidente de montadoras de que a atuação da empresa chinesa pode acarretar um retrocesso nos investimentos na cadeia nacional ou de que se trata de dinossauros assustados com o cometa que está caindo em suas cabeças, segundo réplica, também em carta aberta da BYD, a realidade é que novos e tradicionais players automotivos estão apenas cavando mais e mais vantagens para operar aqui, muitas vezes onerando o Brasil.
Essa prática não é original tampouco inovadora, como as declarações públicas – e lamentáveis de ambas as partes, diga-se – sugerem à audiência, sobretudo aos mais jovens que estão plugados e suscetíveis aos rastilhos de pólvora das mídias sociais, que não oferecem contexto, apenas highlights instigantes. Até por causa desse perfil da audiência, cada vez mais sintética e emburrecida propositalmente pelos canais sociais, que líderes e grandes empresas globais têm usado a exposição pública para manifestar seus interesses.
Em qualquer outro lugar do planeta já seria suficiente para diversos tipos de indústrias ter acesso a um mercado consumidor com 50,1% dos domicílios com renda superior a R$ 3,4 mil/mês. Segundo estudo da Tendências Consultoria este é o tamanho das classes A, B e C brasileira.
Mas estamos no Brasil e o apetite aqui, como comprova a história da indústria nacional retratada na última edição da revista AutoData, que mostrou a trajetória dos primeiros 100 milhões de veículos produzidos no País – incluindo os famigerados CKDs do pleito que dá origem ao conflito automotivo desta semana – sempre é grande e sinuosa. Desde os primórdios solicita-se ou chantageia-se o governo para obtenção de vantagens e mais vantagens em troca de produzir, gerar bons empregos e trazer tecnologia – o que seria razoável e esperado.
Só que desta vez a coisa degringolou e saltou dos corredores e gabinetes de Brasília, DF, para o noticiário nacional – menos você, nobre leitor, que já estava bem-informado por esta AutoData sobre este caso desde abril – expondo uma prática corriqueira de tentar mudar regras do jogo no meio da partida para benefícios de curto prazo.
Ao fim e ao cabo, todos perderam um pouco: BYD, fabricantes tradicionais e o governo. O consumidor também sempre perde nesses momentos, mas esperamos que este caso de grande exposição pública demonstre que é preciso estar atento porque não se trata apenas de redução de imposto que de forma recorrente eles querem abocanhar. É só botar reparo: os preços dos carros aqui estão consistentemente acima do valor que você acha que pode pagar. Sabe por quê? Porque você concorda, e paga.