São Paulo – México, Argentina e Brasil apresentam panoramas distintos e interligados na América Latina, de acordo com as apresentações de entidades que repesentam as indústrias locais no 7º Congresso de Negócios da Indústria Automotiva Latino-Americana, realizado por AutoData, de 12 a 14 de agosto.
Francisco González, presidente da Ina, a associação de autopeças mexicana, destacou o papel estratégico do México como principal fornecedor dos Estados Unidos, sua crescente participação no mercado global e o grande volume de investimento estrangeiro que o país atrai. A indústria de autopeças mexicana tem 2 mil empresas e gera 850 mil empregos diretos. Para se ter ideia, o automotivo é o setor principal como fonte de exportação de divisas do México, superando a soma das receitas de turismo, alimentos, bebidas e petróleo.
A indústria mexicana tem uma relação de forte dependência com os Estados Unidos, para onde vão 87% de suas exportações. O país aumentou sua participação no mercado de importações de autopeças dos Estados Unidos para 44% e tem atraído grandes volumes de investimento estrangeiro, impulsionado pelo USMCA, o acordo automotivo dos países da América do Norte, e pela tendência de localização da produção.
“Somos quatro vezes mais fornecedores do que o Canadá e quase seis vezes mais do que o Japão. Não há como os Estados Unidos nos substituírem de forma ágil, rápida e segura”.
O Brasil, por sua vez, representa 0,9% do total das exportações de autopeças do México. Embora seja o terceiro maior cliente listado, o volume é significativamente menor em comparação com os Estados Unidos e o Canadá.
Segundo o presidente da Ina a principal diferença entre a indústria de autopeças do México e a da América do Sul está na sua vocação inicial: ela foi estruturada desde os anos 1960 com um forte foco em exportação, seguindo modelos como o japonês e o alemão. A abordagem foi reforçada por políticas governamentais que, a partir do final dos anos 1970, incentivaram as exportações e o desenvolvimento de componentes completos.
Essa estratégia, somada aos acordos de livre comércio, permitiu ao México se concentrar em mercados grandes e economicamente fortes, como os Estados Unidos e a Europa. Já a indústria na América do Sul, segundo Gonzáles, foi construída de forma diferente, sem a mesma orientação inicial para o mercado externo.
Argentina quer novo acordo com Brasil
Enquanto o México precisa depender menos dos Estados Unidos para suas exportações de autopeças, o mesmo desafio é enfrentado pela Argentina em relação ao Brasil. Juan Cantarella, presidente da Afac, associação que reúne a indústria de autopeças da Argentina, focou na importância do Mercosul para o desenvolvimento da sua indústria e nos desafios de manter um fluxo comercial estável com o Brasil.
Fortemente ligada ao Mercosul Automotivo, a Argentina tem um acordo de mais de 30 anos
que ele considera ter criado um círculo virtuoso de especialização, complementaridade e escala produtiva. No entanto, o setor enfrenta grandes desafios: a produção é muito dependente das exportações para o Brasil, enquanto o mercado interno está estagnado.
“Nossa produção depende mais das exportações do que do mercado interno. Já chegamos a exportar 60% para o Brasil. O desafio é manter esse círculo virtuoso”.
Como a balança comercial automotiva tem um déficit estrutural significativo, especialmente em autopeças, Cantarella alerta que esse círculo virtuoso está em risco, podendo se tornar um círculo vicioso. Ele aponta a necessidade de um novo acordo com o Brasil sobre a política tarifária e as regras de origem, especialmente diante do aumento da influência de fabricantes chineses. Atualmente, as regras permitem que até 50% do valor de um veículo exportado seja composto por autopeças de fora do bloco, como as da China, sem perder o status de produto do Mercosul. O ideal seria aumentar o conteúdo regional.
Cantarella mostra uma visão otimista sobre as relações comerciais com o Brasil, afirmando que a Argentina não pretende frear as importações, mas sim aprofundar a abertura comercial com reformas. Para ele, os chineses mostram ser uma parceria comercial menos transparente, com barreiras mais políticas do que comerciais.
Brasil tem vantagens competitivas únicas
José Eduardo Luzzi, diretor do Sindipeças, apresentou a indústria nacional como madura, mas com um grande desafio de balança comercial negativa, enquanto explora as oportunidades únicas oferecidas pela matriz energética renovável e pela tradição do país em biocombustíveis.
“O setor hoje importa cerca de R$ 19,5 bilhões e exporta cerca de R$ 8 bilhões, portanto nós temos uma balança negativa da ordem de R$ 11,5 bilhões”.
A produção nacional é muito voltada para o mercado interno, com baixa representatividade global. As exportações brasileiras são concentradas na América Latina, principalmente para a Argentina, enquanto as importações vêm da Ásia, especialmente China e Japão.
O Brasil, contudo, tem vantagens competitivas únicas, como sua matriz energética limpa e a tradição em biocombustíveis, que oferecem múltiplas rotas tecnológicas para a descarbonização. Ele aponta como desafio central a necessidade de atrair investimentos para a produção de novos componentes, como baterias para veículos elétricos.
“O Brasil é extremamente competitivo em termos de emissões de CO2, principalmente por conta da nossa matriz energética, uma oportunidade extraordinária de atrair indústrias que buscam a redução de pegada de carbono na produção dos seus componentes, tanto de veículos quanto de autopeças. E esse é um trabalho que o Sindipeças tem feito continuamente para estimular e atrair empresas que venham a produzir no Brasil. E tem também como um grande fator de diferenciação as tecnologias locais que usam basicamente o recurso da biomassa nacional, recurso abundante, com toda a tradição na produção de biocombustíveis e de propulsão a biocombustível”.